Pensar Piauí

Relato de uma jornalista piauiense com Coronavírus

Com apenas 36 anos, a editora da TV Clube foi uma das diagnosticadas com o Covid-19 e conta sua experiência

Foto: Arquivo pessoalClarissa Castelo Branco e Marcelo Magno, jornalistas
Clarissa Castelo Branco e Marcelo Magno, jornalistas

Clarissa Castelo Branco, 36 anos, é editora do Bom Dia Piauí, programa da TV Clube. Foi uma dos quatro funcionários  diagnosticados com a COVID-19, após a internação do colega jornalista Marcelo Magno, que acabou indo para a UTI. Clarissa não precisou ser hospitalizada, mas está em isolamento dentro de uma quarto - há mais de 10 dias -  num apartamento  que divide no momento com o amigo e também jornalista Helder Vilela. É ele quem literalmente cuida da amiga. Escrever, para ela, tem sido uma forma de passar o tempo e registrar esses dias inimagináveis.

Segue, na íntegra, o relato que ela compartilha com a gente:

Com ar e com fé:

Há males que vêm para o bem. Não foi de todo mal, para Teresina e para o Piauí, que o primeiro paciente diagnosticado com a COVID-19 no Piauí tenha sido o Marcelo Magno. Agora que o sufoco passou, consigo ter uma visão mais racional do caso. 
Segunda-feira, 16 de março, meu despertador tocou ainda na madrugada, estava chovendo, e a minha vontade era só uma: continuar deitada. Eu não queria ir trabalhar. A sensação era de febre, a garganta doía muito, mas a responsabilidade falou mais alto e mesmo com muito mal estar fui cumprir meu dever. Nesse dia soube que o MM, como é chamado na TV, que não tinha nenhum outro problema de saúde, não tinha asma, e estava se alimentando super bem, havia sido internado com sintomas de uma gripe forte. Veio meu primeiro sinal de alerta, mas nada que tivesse me deixado tensa. Mesmo sabendo que o coronavírus estava chegando (noticiando várias coisas a respeito) a gente nunca pensa que pode acontecer conosco ou com alguém tão próximo.
Dois dias depois, quarta-feira, quando o Bom Dia tava terminando, cai uma bomba: Marcelo piorou e foi entubado. Eu tremi quando soube. Fui ao banheiro, fiz uma oração e voltei pra redação. Eu precisava começar uma reunião de pauta. Neste momento, uma produtora vira e diz: Clarissa, olha essa fake, estão dizendo que o Marcelo foi entubado. Lembro do meu nervosismo, do homem da limpeza passando álcool na minha mesa, que fica ao lado da mesa do Marcelo, e eu com vontade de chorar. Deu preocupação com o MM e medo dos meus sintomas. Eu virei pra ela e disse, me manda o print disso, onde tu viu ? Lembro dela me questionando: "me diz que isso é mentira". 
Horas depois a notícia estava em todos os portais e nós mesmos (o jornal que o Marcelo apresenta) tivemos que noticiar que ele estava em estado grave. Eu assistindo e pensando: meu Deus, o que tá acontecendo?A gente aprende que nós noticiamos, nós não podemos ser a notícia. Por que com alguém tão próximo, na melhor fase da carreira? Ele acabou de apresentar o jornal mais importante do Brasil, ele realizou o sonho de quase todo jornalista, de sentar na bancada do JN. Por que no nosso trabalho?
Hoje eu acredito que porque foi importante. Porque se o Piauí tem uma morte e poucos casos de COVID-19 (mesmo a gente sabendo que é quase impossível não haver subnotificacao/ mas ainda bem que não ficamos sabendo de nenhum desespero ainda nos hospitais) foi muito por causa da visibilidade que a doença do Marcelo ganhou. Infelizmente, aconteceu com o Marcelo, aconteceu comigo, com nosso trabalho, que precisou calar para se cuidar, mas isso serviu para que todos nós, piauienses, cuidássemos rápido. Não sei se a quarentena de Teresina e do Piauí (apesar de não ser 100%) teria começado logo. Provavelmente, ela ainda estivesse sendo pensada. Talvez, por ter sido com alguém muito conhecido, e de forma tão agressiva, que chocou a população e até causou pânico, acelerou o processo de isolamento da população.
Ainda bem que o Marcelo hoje já está em casa, se recuperando e curado do vírus. Essa notícia emocionou a todos e deu mais esperança. Eu, dentro de mais alguns diazinhos, também estarei boa e livre desta COVID-19. Nós, ao que tudo indica, e quem mais já teve a doença, estaremos imunes. Mas todas as outras pessoas não. Nossos familiares, nossos amigos podem ser vítimas dessa pandemia tão violenta e assustadora. Por isso, devemos redobrar os cuidados. Vamos ficar em casa, vamos nos proteger!!! Só assim teremos AR! Abraços virtuais e cheios de fé. 
Ah!!! Hoje estou me sentindo bem mais disposta, queria até dançar. Só não sinto cheiro e nem sabor Kkk, mas a tosse segue diminuindo e a garganta dói menos??

Clarissa Castelo Branco

***

A primeira saída após o isolamento:

Com ar e com fé

Mês de março, tentando lembrar que dia da semana e do mês. Pouco importa, só sei que não é fim de semana. Me preparei para sair de casa, aliás, do quarto, pela primeira vez, depois de uma semana isolada. A saída era para ir ao hospital fazer uma tomografia e saber se o pulmão estava bem. Me senti numa operação de guerra. Tomei banho, avisei a síndica que precisava deixar o prédio por algum tempo, e que teria que usar o elevador. Passei muito álcool, avisei ao hospital que eu estava indo e estava sem máscara. Amarrei uma blusa no rosto e desci com toda coragem do mundo. Eu não podia ir com ninguém porque não podia colocar em risco a saúde de outra pessoa. Desci, peguei o carro e já percebi que o pneu tava seco, mas fui. Eu moro a poucos minutos do hospital e como fazer tudo isso cansou um pouco, liguei para um amigo, deixei no viva voz do carro e pedi que ele ficasse no telefone comigo. Meu medo era passar mal e até bater o carro, afinal eu estava muito fraca e sem forças. Fui indo sem reconhecer a cidade. Não era minha Teresina.  Cadê todo mundo ? Cadê o barulho ? Os carros ? Eu me preparei toda para ir fazer uma tomografia, para receber um resultado bom ou ruim, para tomar cuidado e não transmitir doença para ninguém, para não pegar chuva, mas não me preparei para outra época. Porque a sensação que eu tive foi essa: fiquei presa num quarto (quando entrei no isolamento tudo funcionava), e de repente eu saí e estava vivendo outro período. 
Primeiro veio a tristeza. Em seguida, um turbilhão de medo. Foi tanto pânico que eu não sabia mais o que fazer. Lembro do meu amigo mandando eu parar o carro, de repente eu não o ouvia mais, não faço ideia do que ele disse mais ao telefone, e a única coisa que eu queria era voltar para o meu quarto. Eu já tinha acostumado com aquela rotina. Eu parei o carro, tentei acalmar e segui. Próximo a Igreja São Benedito eu fui suando frio. Tive medo de desmaiar. Na Paissandu foi preciso parar. Eu chorei, chorei, gritei dentro do carro (se algum dia tive covid-19 eu não lembrei..meu único sintoma era desespero). Até o momento, desde o dia do exame para saber se tinha ou não coronavírus, eu estava forte. Não havia sentido pânico, ficava irritada por estar presa, mas nunca perdi a fé. Hoje foi diferente. Não tive medo da doença. Tive medo do todo. 
Ainda bem que existem anjos. Ao chegar ao hospital, fui muito bem recebida. A Anne, assessora, estava na porta, distante, mas lá. Como eu a conhecia, já deu uma acalmada. Um segurança estava com uma máscara me esperando. Já tinha a vaga pro carro na porta. Toda a equipe me aguardava e foi tudo muito rápido. A enfermeira foi de uma delicadeza incrível. Eu estava tão fragilizada, que tudo que eu precisava era de um abraço. Aliás, tudo o que todos nós estamos precisando: de abraços, que serão dados em breve! A enfermeira era tão doce que eu achava até que ela não sabia que eu estava com a COVID-19. Ela me acalmou. Falou do Marcelo, que saiu da UTI. Disse que eu ia já ficar bem. Eu só queria a minha mãe. Meus batimentos eram acelerados. O médico veio, fez várias perguntas e graças a Deus a Ana me ligou. Falar com a Ana fez com que eu voltasse pro meu eixo. Eu nem lembro o que nos falamos, mas fui serenizando. Eu sabia que eu não estava só. Nessa hora fui levada para a tomografia e tudo foi passando. O resultado do exame foi muito bom e cá estou de volta ao quarto, ao isolamento, e, como sempre, seguindo com ar e com fé.

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Coach COVID-19 (postada no Instagram)

--Clarissa,quero fazer uma pergunta pra vc. Você sentiu febre e dor de garganta como um dos sintomas? Tô preocupado. O termômetro deu 34,4°. Porém, tô sentindo o corpo quente e moleza. Além da dor de garganta.

--Clarissa, tu pode falar com a mamãe? Eu tive contato contigo e lá no interior está todo mundo desesperado. Acho que o prefeito vai até proibir minha entrada na cidade.

--Tu pode mandar um áudio pra eu mandar pro grupo da minha família? 

-- Tô sentindo como se meu peito tivesse chiando. Mandei um áudio pra um amigo enfermeiro perguntando se ele via um cansaço na minha fala.

--Comecei sentir na segunda dor de cabeça a noite febril terça fiquei muito mole

Todos os dias dias eu recebo pelo menos umas dez mensagens de amigos, parentes e até de gente que eu nunca vi me fazendo perguntas sobre os sintomas da COVID-19. 
Às vezes eu até rio das perguntas mas entendo o desespero de todos. Estamos todos atentos ao menor sintoma. Tem gente que passa o dia prestando atenção no próprio corpo e até um espirro é motivo pra pânico. Calma!!! Não esqueçam que todos gripam (gripe mesmo).

Vamos lá para os meus sintomas. 

Eu comecei a ter uma dor forte na garganta (não teve infeção) e tosse seca, muito seca, dois ou três dias após supostamente ter tido contato com quem estava com a doença.

Também tive febre (foi bem fraca, nos dois primeiros dias) e fiquei com uma moleza no corpo. A febre sumiu e nunca mais tive.

Já são dose dias de sintomas e a tosse permanece, mas bem fraca, e a dor na garganta vai e vem. Às vezes está bem intensa. Tem hora que estou ótima. Sinto até vontade de pular na cama ( já fiz isso e fiquei muito cansada. Mas muito mesmo, que precisei ligar pra médica e ela recomendou repouso absoluto). 

Eu sinto fraqueza. Falta força para abrir um frasco. Estou me alimentando muito bem e mesmo assim sinto muita debilidade. 

Falta de ar: nunca tive. Eu tive, e às vezes tenho, um cansaço. Por exemplo: a simples atividade de tomar banho e lavar o cabelo (passei três dias sem lavar o cabelo- o óleo já dava para fritar um acarajé) é semelhante a subir três lances de escada.

Também tive um pouco de desarranjo intestinal e dor de cabeça apenas um dia.

Para quem está apavorado, vejam como estou bem. Já são muitos dias de sintoma, mas nada de outro planeta. Eles persistem, mas vão passar. O bom é que meu pulmão está ótimo. Então, fiquem tranquilos. Tento ter paciência e bom humor. É a forma que busco enfrentar a doença: brincando. Claro que tem hora que surto. Mas na maior parte do tempo estou sorrindo da situação. Essa tranquilidade está me ajudando muito, além do apoio das pessoas, claro. Hoje, por exemplo, já acordei botando o som a toda altura (músicas inspiradas no Felipe- axé rsrsrs). Os vizinhos devem ter estranhado a música tão alta. Kkk
Já para quem acha que é só uma gripezinha, reflitam: tenho 36 anos, nenhuma outra doença, estava fazendo atividade física diariamente, acabei de fazer um check-up e não tinha uma única taxa alterada, estava fazendo acompanhamento com nutricionista (obrigada, Júlio) vinha das férias e, no entanto, já são quase duas semanas doente. Além do quê nem todo organismo reage do mesmo jeito. Por isso, vamos manter isolamento, o ar e a fé. Abraços virtuais!!! Ah, quem quiser fazer pergunta, pode continuar mandando. Se eu tiver como ajudar, é um prazer.

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