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Propriedade da terra no Brasil: problema antigo que resulta em miséria e conflitos

Ruralistas brasileiros querem criminalizar aqueles que produzem na terra

  

Foto: Montagem pensarpiauiEscravos e Pedro II. A bancada ruralista na defesa da antiga Lei de Terras
Escravos e Pedro II. A bancada ruralista na defesa da antiga Lei de Terras

A Lei de Terras, (nº 601 de 18 de setembro de 1850), foi a primeira iniciativa no sentido de organizar a propriedade privada no Brasil. Até então, não havia nenhum documento que regulamentasse a posse de terras e com as modificações sociais e econômicas pelas quais passava o país, o governo se viu pressionado a organizar esta questão.

A Lei de Terras foi aprovada no mesmo ano da lei Eusébio de Queirós, que previa o fim do tráfico negreiro e sinalizava a abolição da escravatura no Brasil. Grandes fazendeiros e políticos latifundiários se anteciparam a fim de impedir que negros pudessem também se tornar donos de terras.

Ficou estabelecido, a partir desta data, que só poderiam adquirir terras por compra e venda ou por doação do Estado. Não seria mais permitido obter terras por meio de posse.  Mais tarde libertos (1888), as pessoas escravisadas ganharam a 'liberdade', mas onde trabalhar se não tinham terra?

Promulgada por D. Pedro II, esta Lei contribuiu para preservar a péssima estrutura fundiária no país e privilegiar velhos fazendeiros. As maiores e melhores terras ficaram concentradas nas mãos dos antigos proprietários e passaram às outras gerações como herança de família.

Em 2023 a perseguição ao sem terra permanece 

BDF - O Sindicato dos Produtores Rurais de Itapetinga, organizador da 51ª Exposição Agropecuária do município baiano, que aconteceu entre os últimos dias 12 e 21 de maio, pendurou faixas contra o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em todo o evento. “O MST espalha terror, o produtor espalha sementes”; “O MST cultiva destruição”, “Você pode até não saber, mas mais cedo ou mais tarde, as invasões de terra também vão atingir você”, estampavam alguns dos banners. 

Em resposta, a direção nacional do MST soltou uma nota em que repudia o que considera conteúdo “discriminatório” que “incita a violência contra trabalhadores do campo, na tentativa vil de deslegitimar a luta do Movimento Sem Terra”.  

Em todas as faixas estavam o logo do Sindicato Rural de Itapetinga e outro com o nome “Invasão zero”, um grupo criado por fazendeiros da Bahia contra as ações do MST durante o mês de abril, período em que acontece a já tradicional jornada de lutas dos sem-terra em memória ao Massacre de Eldorado do Carajás.  

Sob esse mote, ruralistas vêm se organizando para buscar impedir, com carreatas de caminhonetes e as próprias mãos, que movimentos populares ocupem áreas para reivindicar a reforma agrária. A principal figura pública do “Invasão Zero” é o fazendeiro e político de Ilhéus, Luiz Uaquim (MDB).

Itapetinga e o grupo “Invasão Zero” 

Segundo uma planilha divulgada pela CNN, 800 fazendeiros distribuídos em 130 cidades baianas integram o grupo, que teria sete células principais, em sete municípios. Ao lado de Itabuna, Ipaú, Eunápolis, Santo Antônio de Jesus e Vale do Jiquiriçá, estaria Itapetinga.  

"O que está acontecendo é uma reorganização dos latifundiários numa perspectiva de defender a propriedade em detrimento da lei e da vida", definiu Lucineia Durães, da direção do MST, em entrevista recente ao Brasil de Fato.  

A 51ª Exposição Agropecuária, além de ser organizada pelo Sindicato Rural de Itapetinga, presidido pelo empresário Eder Ferreira Rezende, teve apoio da prefeitura, dos governos estadual e federal, da Federação da Agricultura e Pecuária da Bahia (FAEB), entre outros órgãos. 

Rodrigo Hagge (MDB), prefeito de Itapetinga que se tornou réu em um processo que o acusa de irregularidades em licitações para o serviço de coleta de lixo, participou da abertura do evento. Com rodeios, shows e estandes de comércio, o evento recebeu cerca de 60 mil pessoas, segundo os organizadores. 

O MST, em nota, diz repudiar e denunciar “a utilização de recursos públicos em eventos cujo objetivo e práticas são a incitação à violência, utilização dos artifícios de fake news e discriminação”.  

O Brasil de Fato tentou contato com a prefeitura de Itapetinga por meio do telefone divulgado no site - que não existe -, assim como pelo e-mail institucional, que só poderia ser acessado em uma página que não abre. Caso a administração municipal queira se manifestar, o espaço segue aberto. 

Latifúndio e trabalho escravo no sudoeste baiano 

"O agronegócio e os latifundiários buscam como estratégia deslegitimar as organizações sociais do campo que lutam pela reforma agrária, atacam para fazer uma cortina de fumaça e assim omitir as reais mazelas da região”, argumenta o MST a respeito da atuação da categoria no sudoeste baiano, elencando “o crescente desmatamento causado pelos latifúndios para criação de gados, grilagem de terra, violência no campo, uso de mão de obra análoga à escravidão, destruição e contaminação dos bens naturais pelo uso de agrotóxicos utilizados nas lavouras e na agropecuária”.

Em abril de 2022, em Vitória da Conquista (BA), uma mulher de 52 anos foi resgatada depois de 40 anos trabalhando em condições análogas à escravidão na casa de uma família. Quatro meses depois, uma operação do Ministério Público do Trabalho da Bahia resgatou outras 20 pessoas nas mesmas condições em uma fazenda de café do ruralista Alberto Juramar Andrade, em Barra de Choça, outra cidade da região. 

Também no ano passado em um município próximo, Ribeirão do Largo (BA), o fazendeiro Gilvandro Fróes Marques Lobo foi condenado a pagar R$ 420 mil de indenização para 18 trabalhadores. Eles foram submetidos à escravidão contemporânea na limpeza de área de pasto para criação de gado.  

Itapetinga e a região no seu entorno, destaca Isaías Nascimento, da coordenação do MST, “é das que mais têm conflito por terra e onde são encontradas pessoas em trabalho escravo na Bahia. E nenhuma dessas fazendas pertence ao MST. Pertencem ao setor da agropecuária.” 

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