Por que Lula 3 está diferente de Lula 1 e Lula 2
"Hoje Lula sabe que não vale a pena sacrificar determinadas convicções em nome do pragmatismo político", diz Bepe Damasco
Por Bepe Damasco, jornalista, em seu Blog
Lula será sempre um negociador. Formado politicamente nas refregas do movimento sindical, prefere o acordo ao confronto, embora tenha liderado greves históricas na região do ABC que mudaram o panorama do sindicalismo brasileiro.
Contudo, para tudo na vida há limites. Quando o presidente da República em viagem à Argentina e ao Uruguai se refere a Michel Temer como “o golpista Temer” e defende com veemência o princípio da autodeterminação dos povos, para cobrar respeito à autonomia de Cuba e da Venezuela, resta claro que os episódios verificados nos últimos anos na política brasileira operaram algumas transformações no ser político Lula.
Lula nunca deixou de ser solidário com Cuba e Venezuela, registre-se. Mas, nos dias que correm, seria cômodo para ele se render às circunstâncias da conjuntura que o levaram a liderar uma frente ampla para derrotar eleitoralmente o fascismo e evitar temas controversos e espinhosos. Especialmente porque boa parte dessa frente é formada por partidos e políticos que apoiaram o golpe contra a presidenta Dilma e corroboram da tese de que Cuba e Venezuela são ditaduras que precisam ser relegadas ao isolamento.
Só que não. Hoje Lula sabe que não vale a pena sacrificar determinadas convicções em nome do pragmatismo político. Afinal, seu estilo cordado e conciliador não impediu o impeachment sem crime que vitimou Dilma, a caçada contra ele e seu partido, a prisão de 580 dias depois de consumada uma farsa processual sem precedentes, além das mortes de sua esposa, seu irmão e seu neto, enquanto padecia no cárcere injusto.
Depois de ter vivido este calvário, Lula teria motivos de sobra para abrigar na alma sentimentos de ódio e desejos de vingança. Mas aí falou mais alto o compromisso com o povo brasileiro, pois, caso se deixasse envenenar pela mágoa, estaria escancarado o caminho para a consolidação da extrema direita no Brasil.
Aliás, tudo que muitos adversários queriam eram ver Lula fazendo política de gueto e rejeitando qualquer aliança com quem se acumpliciou com seus algozes por ação ou omissão.
Em vez disso, temos a melhor versão do maior líder popular do país. Como diz o jornalista Breno Altman, Lula representa atualmente a esquerda da frente ampla. E preservando as pontes com o mundo político, essenciais para assegurar sua governabilidade.
Do alto de sua reconhecida sabedoria política, ele tem consciência de que bater na tecla da denúncia do golpe é importante para que não mais aconteça e que a política de integração da América Latina que prega não teria o menor sentido sem Cuba e Nicarágua. Por isso, Lula se lixa para o esperneio dos reacionários do continente.
E mais: nem nos governos Lula 1 e Lula 2 o presidente se mostrou tão assertivo e contundente em relação às críticas ao mercado financeiro, denunciando sua insensibilidade social e seu parasitismo. Outro dia, em entrevista à GloboNews, fulminou um dos dogmas do neoliberalismo mais caros à mídia comercial brasileira: “A independência do Banco Central é uma bobagem.”
Bingo, presidente.