Pacote de Bolsonaro engana trabalhador ao despir um santo para cobrir outro
O governo Bolsonaro reforça que conhece bem a "cultura do embrulhar"

Por Leonardo Sakamoto, jornalista, no Facebook
O pacote de Jair Bolsonaro para "reaquecer a economia" basicamente permite aos aposentados gastarem agora um 13º que vai fazer falta no final do ano, a endividados usarem dinheiro que já é deles e a quem está na xepa armar novas bombas-relógio em formas de empréstimo consignado. Transferência de renda real para a classe trabalhadora, que viu seu rendimento médio cair quase 10% em um ano, de acordo com o IBGE? Neca.
Lembrei-me, ao ver a pompa do anúncio em Brasília, de uma exposição maravilhosa que passou pela Japan House, em São Paulo, sobre a cultura japonesa de transformar embalagens em obras de arte - o que faz com que frutas comuns, por exemplo, tornem-se presentes inigualáveis.
O governo Bolsonaro reforça que conhece bem a "cultura do embrulhar". Soube empacotar uma série de medidas velhas de uma forma bonita, vendendo aos jornalistas e à sociedade como se fossem a coisa mais incrível que pudesse aparecer quando, na verdade, entregou aos trabalhadores a responsabilidade por aquecer a economia, oferecendo algo que já era deles ou facilitando que se afundem ainda mais.
O pacote prevê que trabalhadores com recursos no FGTS possam sacar até R$ 1 mil do seu próprio dinheiro; que aposentados antecipem o pagamento do seu 13º salário, descobrindo um santo para cobrir outro; que aposentados e pensionistas e beneficiários do BPC e do Auxílio Brasil possam comprometer até 40% de seus benefícios em empréstimos consignados, reduzindo a renda à disposição mensalmente.
Claro que quem está com a corda no pescoço vai participar, mas imaginar que a pessoa se tornará uma devedora eleitoral do presidente por conta de um pacote que permite a ela usar seu próprio dinheiro para amortizar a dívida com o banco ou com a financeira é tratar a massa dos trabalhadores como inimputáveis.
Soluções pouco ortodoxas, como as que incluem perdão de dívidas ou crédito sem juros, são vistas com maus olhos pelo governo - que só adotou uma limitada anistia no Fies porque o ex-presidente Lula estava prometendo o mesmo, caso eleito. Grandes empresas têm acesso a perdões, já trabalhadores tem acesso ao pelourinho.
Aliás, a quarta iniciativa do pacote, que garante microcrédito para microempreendedores de R$ 1 mil a R$ 3 mil, seria interessante e fugiria da lógica das anteriores se o governo não cobrasse juros da ordem de 2% ao mês, ou seja, ainda acima da inflação - IPCA fechou fevereiro em 1,01%, e, janeiro, em 0,54%.
O governo diz que o pacote injetará R$ 150 bilhões "em potencial" na economia, porque sabe que isso não depende dele e sim de como os trabalhadores vão receber a ideia. Daí, qualquer coisa pode ser "em potencial". Um combalido torcedor do Santos pode afirmar que, "potencialmente", ele será campeão paulista, da Copa do Brasil, do Brasileirão e da Super Copa. Ele está certo e fora da realidade, ao mesmo tempo.
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