Pensar Piauí

"Os likes não podem custar as nossas vidas", por Isadora Cortez

A internet não pode lucrar em cima das dores das mulheres

Foto: ReproduçãoJéssica Vitória Canedo
Jéssica Vitória Canedo

Por Isadora Cortez, jornalista e advogada 

Os últimos dias foram tomados de notícias sobre  Jéssica Vitória Canedo, de 22 anos, que tirou a própria a vida, após a veiculação em massa de prints sobre uma suposta conversa com o comediante Whindersson Nunes, que não aconteceu.

O debate sobre a regulação das plataformas digitais nunca saiu da pauta da agenda nacional de uns anos para cá. Muito se discute sobre em que momento surge a responsabilidade, seja de quem veicula, no caso as redes sociais e serviços de mensageria instantânea existentes, seja de quem publica, no caso perfis de entretenimento ou perfis pessoais.

Mas, em meio a isso, um aspecto tem tomado grandes proporções. O crescimento do discurso de ódio direcionado às mulheres e sua exploração econômica, por meio de conteúdos falsos, sem compromisso nenhum com a verdade dos fatos, as chamadas fake news. Publicações impulsionadas, com o objetivo de visualizações, abrindo caminho para ataques repletos de misoginia, tem literalmente ceifado vidas como a de Jéssica.

Para compreender um pouco sobre o funcionamento das redes sociais à nível de Brasil, é importante levar em consideração como age o elemento considerado definidor de tudo isso, o algoritmo. Às vezes temos a impressão de que a internet está falando de uma só coisa. Passa despercebido, muitas das vezes também, mas se transformou numa grande indústria que envolve milhões.

Os grupos digitais são uma realidade no contexto digital brasileiro. Agenciam artistas, influenciadores, grandes empresas e páginas de entretenimento. Todos esses segmentos conseguem reunir no mínimo, cerca de um bilhão de seguidores. A distribuição de conteúdo por meio desses perfis nas redes sociais, acaba por facilitar o lançamento de campanhas publicitárias, veiculação de notícias, promoção de marcas, com o grande trunfo que representam os seguidores, que trazem o engajamento e, consequentemente, moldando o algoritmo.

Com essa produção e disseminação de conteúdo em larga escala, é quase que impossível que não modular a opinião pública, desde lançamentos até conteúdos de ataques direcionados. Esses agrupamentos de influenciadores por assim dizer negam que haja uma padronização de publicações, mas as próprias agências de fact checking já atestam o poder que os grupos digitais têm de influenciar o debate público. E pior, monetizando sob a óptica do chamado “espaço livre” que é a internet.

E é aqui o x da questão. Como fazer com que o ambiente da internet seja visitado de maneira consciente, saudável e respeitosa? É inegável que essa é uma pauta complexa e que seja feita uma abordagem multidisciplinar para a elaboração de uma regulamentação que não interfira na liberdade de expressão, mas que as plataformas prestem informações em casos de disseminação de fake news e discursos de ódio.

Sobre o caso de Jéssica, a “Choquei”, uma das páginas que veiculou as conversas como sendo verdadeiras, deixou de fazer suas publicações. A primeira página que publicou foi a “Garoto do Blog”, mas atingiu um alcance considerável de repercussão a partir da “Choquei”.

Para além dos termos de uso que lemos e concordamos ao criar nossos perfis nas redes sociais firmamos um contrato para o uso das plataformas. Mas, é necessário implementar uma política que não só faça a remoção de conteúdos falsos / fraudulentos, mas que essas empresas prestem informações sobre o seu funcionamento.

A regulamentação das tecnologias digitais já é uma realidade em países que integram a União Europeia, a exemplo da Alemanha, que já se tornou referência e possui um arcabouço legal robusto sobre o tema.

Ao se eximir da responsabilidade, crimes de ódio, fake news e tragédias como a que aconteceu com Jéssica vão continuar a acontecer sem uma responsabilização correta e efetiva.

A internet não pode lucrar em cima das dores das mulheres.

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