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Offshore de Guedes ilustra, fielmente, a hipocrisia bolsonarista

Essa mesma gente que se diz "de bem" e afirmou querer moralizar o país há seis anos. São todos Paulo Guedes

Foto: Gazeta do povoPaulo Guedes, ministro da Economia
Paulo Guedes, ministro da Economia

Por Cesar Calejon, jornalista, colunista do UOL

Desde a ascensão do bolsonarismo, que foi amplamente viabilizada pela falaciosa narrativa do combate à corrupção, com patos infláveis e milhões de "cidadãos de bem" trajando camisetas da CBF na Avenida Paulista, o vazamento dos dados contidos no escândalo do Pandora Papers é o fato mais elucidativo acerca do mar de hipocrisia em que está ancorada a embarcação bolsonarista, nesse caso, fielmente personificada na figura de Paulo Guedes.

Solidamente encarnado no estereótipo de homem branco, heterossexual e empresário liberal, o "Posto Ipiranga" assumiu a economia brasileira com a pompa de quem estaria gabaritado para libertar o país dos estragos causados pelas gestões anteriores. Quase três anos depois, entretanto, com a economia em frangalhos e apoiado em uma única nota, a da privatização, Guedes provou ser mais um liberal inepto e bravateiro.

Até esse ponto, nenhuma novidade e, muito provavelmente, a área de marketing da rede de postos de combustíveis já não estava mais tão feliz com a associação atribuída ao principal ministro do bolsonarismo. Contudo, tal cenário mudou radicalmente nessa semana.

Com a explosão dos arquivos revelados pelo Pandora Papers, o Brasil, bem como o restante do mundo, entendeu que o ministro da Economia de Bolsonaro, para além de ser meramente um inábil e falastrão, utilizou a sua posição privilegiada para lucrar alto no mercado internacional em detrimento da população brasileira.

Enquanto milhões de brasileiros voltaram à linha da miséria e correm atrás de ossos para não morrer de fome e toda a "classe média" paga quase R$ 7 no litro da gasolina, Guedes faturou milhões de dólares em aplicações — que são ilegais para membros do governo — via empresas offshore.

A desfaçatez de Guedes é tão escabrosa que o ministro de Jair Bolsonaro, o presidente "zero à esquerda em economia", chegou a afirmar, no dia 12 de fevereiro de 2020: "o câmbio não está nervoso, (o câmbio) mudou. Não tem negócio de câmbio a R$ 1,80. Todo mundo indo para a Disneylândia, empregada doméstica indo para Disneylândia, uma festa danada. Pera aí. Vai passear em Foz do Iguaçu, vai passear ali no Nordeste, está cheio de praia bonita. Vai para Cachoeiro do Itapemirim, vai conhecer onde o Roberto Carlos nasceu, vai passear o Brasil, vai conhecer o Brasil. Está cheio de coisa bonita para ver."

Ou seja, depois de todas as bravatas afirmando que "o PT quebrou o país", Guedes e a sua turma tiveram o sangue frio de afirmar que o "dólar alto é bom para o Brasil". Sem dúvida, quando os seus investimentos estão realizados em paraísos fiscais e são alavancados pela moeda estadunidense, esse é precisamente o caso. Para esse Brasil, o método Guedes funciona maravilhosamente bem: mais dinheiro no bolso dos empresários e menos pobres pegando aviões.

Uma pesquisa simples e rápida no Google demonstra que "Dreadnought", o nome da empresa criada em 2014 por Guedes nas Ilhas Virgens Britânicas, "foi o tipo predominante de navio de guerra encouraçado no início do século XX. O primeiro navio do tipo, o HMS Dreadnought da Marinha Real Britânica, teve um impacto tão grande, quando foi lançado em 1906, que os navios de guerra semelhantes que foram construídos após ele passaram a ser chamados de dreadnoughts, enquanto os navios de guerra anteriores tornaram-se conhecidos como pré-dreadnought".

O desenho do Dreadnought trazia duas grandes inovações: um esquema de armamento de calibre único e a propulsão movida por turbinas a vapor. Como os dreadnoughts se tornaram um símbolo fundamental de poder nacional, a chegada destes novos navios de guerra renovou a corrida armamentista naval entre o Reino Unido e a Alemanha.

Enquanto a população brasileira começava a sofrer as consequências de uma das mais severas crises econômicas da história do país, o "patriota" Paulo Guedes batizava a sua empresa fantasia com um símbolo de guerra da Inglaterra pós-medieval. Dificilmente, um roteiro explicaria, de modo tão sintomático, a raiz do pensamento bolsonarista.

Chama atenção, por fim, a cobertura midiática aquém da dimensão deste escândalo. É sabido que grande parte do empresariado nacional, aliado histórico dos principais grupos de mídia do país, sustenta empresas offshore em paraísos fiscais. Essa mesma gente que se diz "de bem" e afirmou querer moralizar o país há seis anos. São todos Paulo Guedes.

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