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O dia em que a CUT tentou comprar a TV Manchete

"Livro recém-lançado revela um episódio didático sobre a concentração da mídia brasileira", conta Paulo Moreira Leite

Foto: Montagem pensarpiauiCUT quase compra a Manchete
CUT quase compra a Manchete

Por Paulo Moreira Leite, jornalista, no 247

Num país onde o monopolio das concessões de rádio e TV constitui uma das vergonhas históricas do poder político, coube ao sindicalista Gilmar Carneiro, titular de uma respeitável história como dirigente dos bancários de São Paulo, trazer a público informações preciosas sobre um episódio pouco conhecido até agora.

Um dos protagonistas da reconstrução do movimento sindical brasileiro na década de 1980, Gilmar liderou uma operação que poderia ter modificado -- para melhor -- o perfil reacionário da mídia brasileira.

"Nós tentamos comprar a Manchete", conta Gilmar, em depoimento disponível no livro "A Geração que criou a CUT," da Anablume, que reúne depoimentos exclusivos de 30 lideranças sindicais do país, que acaba de chegar às livrarias do país.

Em depoimento gravado, Gilmar conta os bastidores de uma história com começo, meio e fim, pouco conhecida até aqui. A operação teve início a partir de um estudo do economista Sérgio Eduardo Arbulu Mendonça, o Serginho, com funções destacadas na CUT e no Partido dos Trabalhadores, que após assumir funções relevantes nos governos Lula e Dilma, hoje ocupa o cargo de Secretário de Gestão de Pessoas e Relações de Trabalho no Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos no governo Lula 3.

Descrevendo uma típica operação para "sondar o mercado", Gilmar conta que, em busca de apoio no setor de comunicações, chegaram a consultar dirigentes do grupo Estado de S. Paulo, uma das potências da mídia nacional até um passado recente. "O Estadão gostou da ideia", revela o sindicalista que, após uma prolongada passagem pelo sindicato da categoria, quando foi um dos líderes da greve histórica de 1978, assumiu uma liderança destacada na reconstrução de entidades de trabalhadores no fim do regime militar.

O livro descreve uma reunião a portas fechadas, quando Gilmar foi recebido na sede das Organizações Globo, a célebre Venus Platinada, por Roberto Marinho,  dono do grupo, ouvindo palavras de estímulo à iniciativa. "Eu apoio", reagiu o empresário, durante a conversa, conforme a reconstittuição de Gilmar.

Ele recorda, inclusive, que Roberto Marinho autorizou que sua posição fosse divulgada pelo próprio Globo, medida que dava um caráter oficial às decisões que envolviam os grandes interesses da empresa, o maior grupo de comunicações do país, na época. A operação não saiu daquela conversa, porém. No livro, Gilmar conta por quê.

Explica que a transferência da emissora para uma entidade sindical --  decisão que teria representado uma mudança histórica na concentração da propriedade dos meios de comunicação do país -- foi bloqueada pelo então ministro Antonio Carlos Magalhães (1927-2007). Sempre alinhado com os interesses da TV Globo, ACM controlava a distribuição de concessões de rádio e TV com poderes de monarca absolutista, e operou para impedir a mudança, escreve Gilmar.

Num país onde as emissoras de rádio e TV sempre funcionaram como máquinas de apoio aos governos de plantão, valeu o argumento de que Lula poderia usar a "televisão para fazer campanha", conta Gilmar. Três décadas depois, quando o PT transformou-se no único partido capaz de eleger cinco presidentes da República desde o retorno das eleições diretas, ele recorda o episódio em detalhes, mas sem ressentimento,

"Lula foi candidato, foi o melhor presidente do Brasil e sem TV Manchete", recorda, com um sorriso nas entrelinhas, numa ironia elegante que ajuda a  recordar arrogância dos latifundiários da comunicação brasileira.

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