Arnaldo Eugênio

O corpo (do humano) se tornou alvo do poder, pode ser moldado, treinado para se tornar tão útil quanto sujeitado

  • segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Foto: Google ImagensA
A "segurança pública" não é do povo, é do Estado

Sempre que ouvimos falar que um gestor público irá implementar um projeto de segurança pública em bairros das cidades imaginamos que é para melhorar a vida de todos os munícipes. Chegamos a acreditar que agora a nossa desigualdade de condições sociais irá experimentar da equidade. E, enfim, que seremos tratados como iguais.

Mas, quando o Estado se mostra a serviço do capital, percebemos que, no fundo, a ideologia não é nova: segregar, marginalizar, controlar e violentar as zonas periféricas, como uma forma de “docilizar e disciplinar os corpos” (FOUCAULT, 2009; 2010) das “classes perigosas” (GUIMARÃES, 2008).

De acordo com Michel Foucault (2009a; 2009b; 2010), o poder cria sujeitos que se permitem ao modo de vida capitalista e à sua maneira de existir. Assim, o corpo é docilizado para se transformar em mais uma peça na grande engrenagem de produção. Um corpo dócil é aquele que pode ser submetido, utilizado, transformado e aperfeiçoado, conforme a necessidade do poder.

Quando o objetivo é melhorar as condições de vida dos periféricos, as classes dominantes se interpõem, pois percebem que as reformas urbanas podem gerar consequências indesejadas para o seu projeto de cidade, que deveria ser o lugar do “civilizado”.

De acordo com Michel Foucault (2009a; 2009b; 2010), o corpo se tornou alvo do poder, descobrindo que ele podia ser moldado, rearranjado, treinado e submetido para se tornar ao mesmo tempo tão útil quanto sujeitado. Assim, é manipulado pelo poder, de maneira sutil, através de várias técnicas de dominação: no espaço, no tempo, nas gêneses, nas composições. Com “a modernidade o corpo passou a ser dividido, separado, medido e investigado em cada detalhe”.

Nesse sentido, durante as reformas urbanas, o discurso sobre as favelas e as periferias nas cidades, sempre as representam como “lugares perigosos”, logo habitados por “pessoas perigosas” (EUGÊNIO,2005;2011). Desse modo, o "bandido armado tem que ser morto" – são expressões exacerbadas da concepção militar de ocupação de um território inimigo, como forma de triunfar na "guerra ao tráfico" (EMIR SADER, 2018).

Para Guimarães (2008), há tempos se elaborou uma ideologia das classes trabalhadoras como “classes perigosas”, associando-as à violência, à prostituição, ao alcoolismo, à marginalidade. E, desde então, se propaga a ideia de que "rico não precisa roubar". Mas, o pobre, por índole, sempre está disposto a qualquer tipo de pilhagem, de crime, de guerra.

Em geral, às vésperas das eleições municipais, um projeto de segurança pública em bairros periféricos é mais uma estratégia para a manipulação dos moradores, para desarticulá-los e deslegitimá-los de qualquer forma de resistência, colocando os moradores contra as suas próprias causas.

Para o poder, nesses espaços não podem se configurar identidades que representem uma ameaça à lógica da segregação social. Por isso, deve-se controlar e coibir a articulação dos movimentos culturais das juventudes, principalmente, negras e empobrecidas da cidade, com uso da violência legitimada.

Conforme Sader (2018), "a criminalização das favelas é a criminalização das questões sociais. Combater a violência e o narcotráfico não possuiria nenhum componente de garantir direitos sociais a todos, começando por emprego, escola, moradia, transporte, salários". É um reforço a ideologia das “classes perigosas”, associadas ao crime, ao tráfico, à violência, à ilegalidade, a pobreza, a miséria, a marginalidade.

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