Haddad esquece de defender importância do serviço público
Sem um serviço público valorizado – e sobretudo respeitado – nenhum projeto de país pode dar certo

Por Luis Felipe Miguel, professor, no facebook
Em entrevista à Band, o ministro Fernando Haddad falou platitudes sobre a administração pública no Brasil. Mas foram – com o perdão do paradoxo – platitudes significativas.
Disse que o estágio probatório tem que ser levado mais a sério. Eu concordo.
Disse que defende “métricas” para avaliar o funcionalismo. Eu me pergunto que “métricas” seriam essas – e se elas seriam sensíveis à diversidade de condições e de desafios do serviço público no Brasil. Mas é verdade, o funcionalismo precisa de avaliações de desempenho.
Disse que os concursos públicos precisam ser aperfeiçoados. Quem pode ser contra isso?
Disse que é necessário combater os “supersalários”, as manobras que permitem que uns poucos espertos furem o teto de remuneração dos poderes. Está certíssimo.
Todas as observações do ministro, porém, alimentam os velhos preconceitos contra o funcionalismo público no Brasil. Despreparado, preguiçoso, com salários de marajá...
Não é o discurso de Guedes, claro. Seria injusto colocá-los no mesmo saco. Mas está longe do que deveria ser o discurso do ministro da Fazenda de um governo empenhado na reconstrução do país.
Faltou uma palavra lembrando de como o serviço público é fundamental para o desenvolvimento do país, para o combate às injustiças, para a democracia.
Pior: Haddad foi incapaz de se comprometer com a estabilidade do funcionalismo.
Perguntado sobre o tema, saiu pela tangente. “Se a gente selecionar bem, se a gente fizer um bom estágio probatório e se a gente fizer uma boa progressão de carreira, que efetivamente leve em conta o desempenho, você tem os ingredientes necessários para um bom serviço público”.
O que seria do Brasil sob Bolsonaro sem um funcionalismo com estabilidade no emprego, capaz de resistir a pressões, de manter algo da sua independência – na saúde, na educação, na Receita Federal, em tantos órgãos?
Enquanto isso, o governo oferece menos de 1% de reajuste salarial aos funcionários para o ano que vem.
Foram 9% em 2023. Pouco, mas imaginava-se que era o primeiro passo de uma política de recomposição salarial.
As perdas acumuladas ainda chegam a mais de 30%. A inflação oficial em 2023, até agosto, ultrapassa os 3%. E o governo oferece menos de 1%?
O funcionalismo público apoiou em peso a candidatura de Lula – por acreditar num projeto de desenvolvimento, de inclusão, de democracia. Por vontade de livrar o Brasil das trevas.
O governo deve achar que esse apoio está garantido. Que pode poupar sua boa vontade para os Liras e os Fufucas da vida. Pois se engana redondamente.
Nem é só a perda de apoio de uma parte significativa de sua base eleitoral.
Sem um serviço público valorizado – e sobretudo respeitado – nenhum projeto de país pode dar certo.