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Educação: por qual motivo a proposta progressista passou no Congresso antes e a visão privatista venceu agora?

A eleição da mesa diretora da Câmara de Deputados é o que explica tal mudança

Foto: AbimeNovo Fundeb

Por Rudá Ricci, cientista social,

A Câmara dos Deputados aprovou na quinta-feira, dia 10, o texto-base do projeto de lei que regulamenta o novo Fundeb. O texto deve ser votado, na próxima semana, pelo Senado. A regulamentação abocanhou uma parte dos recursos que iria para as escolas públicas, onde estudam os brasileiros mais pobres. Agora, parte vai para o Sistema S e escolas confessionais. O que demonstra como o empresariado brasileiro briga por recurso público, retirando-o da área social para chegar aos seus bolsos. 

Os deputados federais incluíram, no dia 10, a possibilidade de repasse do fundo para escolas privadas sem fins lucrativos, nos ensinos médio e fundamental, em até 10% do total de vagas ofertadas. Posição defendida pelo Centrão e por Bolsonaro. Outra mudança permite o pagamento de profissionais que trabalhem nas instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas - privadas e sem fins lucrativos - com a parte dos recursos destinada originalmente ao salário de profissionais da educação.

A fatia de 70% para o pagamento de profissionais da educação também poderá ser usada para pagar “terceirizados e profissionais de instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos”. Na prática, menos dinheiro para escolas públicas.

A questão central, do ponto de vista político é: por qual motivo os empresários e Bolsonaro foram derrotados no meio do ano - quando o novo Fundeb foi aprovado - e, agora, não? A resposta está na eleição da mesa diretora da Câmara de Deputados que ocorrerá em fevereiro do próximo ano.

Embora os partidos de centro-esquerda não tenham votado majoritariamente em favor das escolas particulares, tivemos várias ausências de deputados deste campo, durante a votação da regulamentação do Fundeb, e vários votos favoráveis, em especial, do PSB e PDT. Do PSB, quatro deputados de SP, um de SC, um de PE e um do RS. Pelo PDT, três deputados votaram pela privatização do recurso do FUNDEB: Flávio Nogueira (PI), Gil Cutrim (MA) e Marlon Santos (RJ).

Qual a relação desta votação com a composição da mesa diretora da Câmara de Deputados? A composição com o candidato do Centrão, apoiado por Bolsonaro: o alagoano Arthur Lira, do PP.

No PSB, a guerra está sendo intensa. O deputado Alessandro Molon, do RJ, reverteu uma tendência de sua bancada na Câmara e deve se lançar candidato à Presidência desta casa parlamentar.

Já no PT, a maioria da bancada se inclina, ainda que nos bastidores, a negociar com Arthur Lira não apenas cargos na mesa diretora da Câmara, mas a reversão de algumas leis que debilitaram, por exemplo, os sindicatos.

Arthur Lira, lembremos, é réu no Supremo desde outubro de 2019, acusado de receber 106 mil reais de um sujeito que dirigia a estatal federal de trens CBTU em 2012 e queria continuar no posto. 

PCdoB, PDT, PSB, PSOL, PT e Rede não conseguem eleger o presidente da Câmara, mas, desequilibram a balança ou para o grupo de Maia (em tese, 157 deputados de DEM, MDB, PSDB, PSL, PV e Cidadania), ou para o Centrão (em tese, 170 do PL, PP, PSD, Avante e Solidariedade).

Aqui reside a negociação. Além da disputa interna no PSB, há um bloco de 10 a 15 deputados federais do PT que querem lançar candidatura própria à presidência da Câmara de Deputados. Mas, a maioria dos parlamentares petistas, claudica.

Não sei se está claro, mas muito da votação da regulamentação do Fundeb se vinculou ao clima de negociação com Centrão.

Vejam o que o líder da minoria, o deputado petista José Guimarães, afirmou: “Ninguém vai aceitar a nossa pauta mínima, mas é importante que a gente tenha o discurso político contra essas propostas". Deu para entender?

Então, voltemos para a disputa interna, no PSB e PT. O debate sobre o apoio a Arthur Lira rachou o PSB. Nos últimos dias, a direção do partido aprovou por 80 votos a zero, uma resolução que recomenda o não apoio de seus deputados ao candidato apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro.

Acontece que esta decisão do PSB ocorreu dois dias após 18 deputados da legenda sinalizarem um indicativo de apoio a Lira. A disputa, continua. O deputado Júlio Delgado (MG) lembra que “não foi proibição. Foi uma recomendação”. E, conclui: “Tem alguém que a gente ame mais do que a mãe da gente? Minha mãe, toda vez fala para não pegar sereno, não dormir tarde, não beber muito. E, eventualmente, essas coisas acontecem."

Já o PT decidiu adiar o embate interno. Em reunião realizada por sua executiva com deputados e senadores do partido, definiu por construir uma unidade com as outras seis legendas de oposição (PDT, PCdoB, PSB, Rede, PV e PSOL) tanto para as eleições da Câmara quanto do Senado.

Consultei vários deputados federais do PT e o que ouvi foi: foi um mero armistício interno, um tempo para a disputa no interior da bancada continuar. Agora, cada lado tentará articular dentro e fora da bancada apoios para definir um posicionamento final.

Portanto, quando analisarmos votações no Congresso Nacional, é bom ter claro que nem toda pauta é o que está realmente em jogo. Muitas vezes, é a cobiça política que se relaciona com uma agenda que o Brasil considera prioritária.

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