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Decreto Municipal de isolamento poderá restringir a realização de campanha eleitoral?

O prefeito pode impedir a aglomeração do grupo político adversário através dos Decretos Municipais de isolamento relacionados à Covid-19?

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Tarcísio Augusto
Tarcísio Augusto

 

Por Tarcísio Augusto Sousa de Barros, Advogado e Professor Universitário, Especialista (UFPI) e Mestre (UFMG) em Direito

O título é chamativo pois o tema merece atenção.

Mais uma eleição municipal se aproxima e uma questão se coloca: o prefeito municipal, concorrendo à reeleição ou não, poderá criar restrições à aglomeração de pessoas para reuniões políticas via Decreto de isolamento? De maneira ainda mais grave e direta: o prefeito pode impedir a aglomeração do grupo político adversário através dos Decretos Municipais de isolamento relacionados à Covid-19?

Essa discussão foi precisamente abordado pelos advogados eleitoralistas Guilherme Gonçalves e Joelson Dias durante evento virtual realizado pela Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP) em 06/07/2020 (e disponível no YouTube no linlk https://www.youtube.com/watch?v=JsRVNl2MZvI).

Pois bem. A resposta às perguntas anteriores passa por uma análise conjunta do Código Eleitoral, da Lei Geral de Eleições e da Emenda Constitucional nº 107/2020.

Conforme recortado por Guilherme Gonçalves, o Código Eleitoral não tolera propaganda que contravenha posturas municipais ou qualquer outra restrição de direito (inciso VIII do art. 243). Por outro lado, o CE prevê que a realização de propaganda: (i) não depende de prévia autorização da polícia (art. 245); (ii) não pode ser impedida se realizada de acordo com a lei (art. 248); e (iii) pode ser restringida em benefício da ordem pública (art. 249).

Não obstante isso, o art. 41 da LGE prevê que a propaganda eleitoral exercida nos termos da legislação eleitoral não pode ser “cerceada sob alegação do exercício do poder de polícia ou de violação de postura municipal”.

Voltando às perguntas iniciais: no contexto posto, haveria a possibilidade de restrição de propaganda por Decreto Municipal de isolamento social?

O § 1º do art. 41 parece impedir qualquer restrição à propaganda eleitoral via legislação municipal, pois estabelece que o “poder de polícia sobre a propaganda eleitoral será exercido pelos juízes eleitorais e pelos juízes designados pelos Tribunais Regionais Eleitorais”. Por esse dispositivo, eventuais limitações apenas poderiam ser realizadas por força do Poder Judiciário. Guilherme Gonçalvez entende que este dispositivo derrogou o já citado inciso VIII do art. 243 do CE.

Entretanto, a citada Emenda Constitucional nº 107/2020, responsável pelo adiamento das eleições em razão da pandemia, traz em seu bojo, no inciso VI do § 3º do art. 1º, que “os atos de propaganda eleitoral não poderão ser limitados pela legislação municipal ou pela Justiça Eleitoral, salvo se a decisão estiver fundamentada em prévio parecer técnico emitido por autoridade sanitária estadual ou nacional”.

Desse modo, embora o Congresso Nacional sinalize, de maneira manifesta, pela impossibilidade de realização de limitações à propaganda eleitoral via legislação municipal ou mesmo pela Justiça Eleitoral, certo é que ficou estabelecido no mesmo inciso VI, § 3º, art. 1º, EC 107/2020, que há a possibilidade da restrição à propaganda, desde que fundamentada em prévio parecer técnico. Mas quem poderia decretá-la, apenas a Justiça Eleitoral ou também a legislação municipal? 

Guilherme Gonçalves se utiliza das premissas anteriores para concluir que caberia apenas à Justiça Eleitoral a restrição aos atos de propaganda, desde que fundamentado em parecer prévio emitido por autoridade sanitária estadual ou nacional (inciso VI, § 3º, art. 1º da EC nº 107/2020 c/c § 1º do art. 41 da LGE c/c art. 249 do CE c/c § 1º, art. 10 da Resolução/TSE nº 23.610/2019).

A questão, contudo, ainda não está definitivamente fechada. Após fazer suas ressalvas quanto ao entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, o expositor Joelson Dias esclareceu que, no AgR-Respe nº 35182, a Justiça Eleitoral já decidiu que o inciso VIII do art. 243 do CE foi recepcionado pela Constituição da República, uma vez que homenageia a reserva legislativa do município sobre interesse local.

Neste ponto vale ressaltar a decisão do ministro Marco Aurélio do Supremo Tribunal Federal, na medida cautelar na Ação Direita da Inconstitucionalidade (ADI) 6341), posteriormente referendada à unanimidade pelo Plenário, segundo a qual a competência para a prática dos autos relativos à pandemia do Covid-19 é concorrente entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios. O STF reconheceu a autonomia dos demais entes federativos para legislar sobre o tema.

Ao fim e ao cabo, há de se ressaltar que toda essa problemática está permeada por uma questão de política sanitária, que deverá dialogar, durante todo o processo eleitoral, com a realização dos atos políticos que possibilitem o eleitor de exercer livre e conscientemente seu voto.

Certo é que a restrição à liberdade de propaganda, expressão máxima da liberdade de expressão no Direito Eleitoral, só pode ser cerceada em casos excepcionais. No entanto, após enfrentar expressamente o tema, nos parece que o Poder Constituinte Derivado, mesmo tendo a opção de determinar que o isolamento social só fosse imposto pelo Poder Judiciário, decidiu por facultar tanto ao Poder Executivo quanto ao Poder Judiciário a possibilidade de expedir atos impondo o isolamento – desde que, em qualquer caso, haja prévio parecer técnico emitido por autoridade sanitária estadual ou nacional que o fundamente.Por fim, vale destacar que os gestores municipais, no uso da prerrogativa de decretar o isolamento social, devem resguardar sempre a excepcionalidade do ato, especialmente para que não incorram em conduta vedada ao agente público e/ou abuso de poder político, que podem acaba ensejando a cassação dos seus respectivos registros e/ou diplomas.
 

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