Contra Lula, bolsonarismo pode rifar o 'mito' pelo 2º turno?
O que acontecerá se ele continuar enfraquecendo?

Por Leonardo Sakamoto, jornalista, em sua coluna no UOL
O núcleo duro do apoio a Jair Bolsonaro é composto por ruralistas, militares, policiais, religiosos e militantes de extrema direita. Essa turma, somada a apoiadores conjunturais, ainda garante um tíquete para o segundo turno das eleições. Mas como parte desse eleitorado de Bolsonaro vai reagir se, durante a campanha eleitoral, perceber que o capitão não ganhará de Lula num segundo turno? Abandonará o "mito" em nome de outro nome melhor posicionado em pesquisas de segundo turno ou irá com ele até um golpe?
Pesquisas eleitorais, com exceção às feitas na boca da urna, são fotografias de um momento e não previsões do que deve acontecer nas eleições. Hoje, Lula venceria Bolsonaro por 56% a 31%, de acordo com o Datafolha, divulgado nesta sexta (17).
E tão ou mais importante do que a aprovação de um presidente é a tendência que ela apresenta. O Datafolha mostrou que ele conta com apenas 22% de ótimo e bom e 53% de ruim e péssimo. Desde dezembro do ano passado, sua popularidade copia a renda dos brasileiros, caindo de forma consistente.
E temos razões econômicas de sobra para isso. Enquanto o auxílio emergencial foi reduzido para um piso de R$ 150 mensais, o que não compra 25% da cesta básica em São Paulo ou no Rio, segundo o Dieese, o preço do gás de cozinha, da gasolina, da energia elétrica e da comida dispararam. A população desempregada demora a diminuir, contabilizando surpreendentes 14,4 milhões. Isso sem contar a possibilidade real de apagões até dezembro.
Estimativas de crescimento do PIB para 2022 vão sendo recalculadas - para baixo. Algumas já apontam para menos de 1%. Junto com a inflação, que não parece que vá ceder, teremos um quadro de estagnação com aumento de preços. O presidente, que na campanha de 2018 afirmou sonhar em fazer o Brasil voltar a ser como era há 40 anos, pode, enfim, conseguir.
O governo apostava que o avanço da vacinação melhoraria esse cenário. Contudo, o serviço de imunização é realizado por estados e municípios. Além disso, a todo o momento, Bolsonaro tem feito declarações atacando as vacinas, o que ajuda a afastar um ganho que ele poderia ter. Parte da população sabe que estamos vacinando não por causa dele, mas apesar dele.
Bolsonarismo-raiz representa 11%; acreditam em tudo o que ele diz, 15%
O bolsonarismo-raiz vai se mantendo significativo, apesar de algumas variações. Mauro Paulino e Alessandro Janoni, do Datafolha, calculam esse contingente em 11% da população. A quantidade dos brasileiros que acredita em tudo o que Bolsonaro diz, contudo, continua em 15%.
A fidelidade desse grupo não se estabeleceu da noite para o dia, mas foi construída durante os anos em que Jair Messias pregou seu evangelho, ignorado pela elite política que acreditava na perenidade da polarização PT-PSDB.
Prometeu que, se presidente, defenderia liberdade absoluta para seus aliados, permitindo o desmatamento ilegal, a impunidade para quem cometesse infrações de trânsito, o porte de fuzis nas ruas, a transformação de Deus em um bom negócio sem pagar impostos. E tem cumprido isso. O que chamamos de inferno, esse grupo chama de paraíso.
Ter esse pacote de seguidores fiéis ajuda a manter, inclusive, o pacote de apoiadores conjunturais pela percepção de que o presidente não está só. Mas o que acontecerá se ele continuar enfraquecendo?
Afinal, como o Brasil vai crescer sem disponibilidade de energia elétrica? Como vai estimular o consumo interno com a classe trabalhadora sem dinheiro para gastar e com a inflação corroendo seu poder de compra? Faltam insumos para a produção, sobra fome na camada mais pobre.
Chegaria o momento em que uma parte do seu público, vendo que o voto em Jair facilitaria a corrida do ex-presidente Lula, largaria mão dele em nome de um nome com mais possibilidade de vencer o petista no segundo turno? Há espaço para um pragmatismo antilulista entre os bolsonaristas?
Bolsonaro fora do segundo turno em 2022?
Bolsonaro não gosta nem de ouvir falar desse roteiro. Afinal, ele tem base social não desprezível e engajada, ao contrário da maioria dos nomes que se apresentam como a "terceira via". Base que se beneficiou muito de uma liberdade irrestrita para fazer e acontecer concedida nos últimos anos.
Nesse sentido, parece um erro tático da direita não-bolsonarista insistir na palavra de ordem "nem Bolsonaro, nem Lula" e não "Bolsonaro vai eleger o Lula".
Não acredito que o atual presidente será o principal eleitor do ex-presidente, que vai explorar o que era o Brasil em seus governos, mostrando-se mais experiente que ele. Mas é inegável que, em uma situação de piora dos indicadores econômicos, Bolsonaro se tornará um candidato mamulengo.
O bolsonarismo existia muito antes de Bolsonaro e continuará existindo após ele. Da mesma forma que, nas eleições de 2014, esse grupo votou no PSDB, ele pode ir para outro lugar em 2022.
Para a sorte de Bolsonaro o antilulismo e o antipetismo não são os únicos elementos que seu núcleo duro leva em consideração na hora de optar pelo voto. Nenhum dos pré-candidatos com nomes à mesa promete agir fora do campo democrático para alcançar objetivos de extrema direita, como Bolsonaro se propõe.
Esse é um diferencial imbatível, que tem sido explorado sistematicamente pelo presidente. As micaretas golpistas de 7 de setembro, por mais que tenham frustrado muita gente com a arregada tática do presidente, são uma sinalização importante para esse público, por exemplo. Ninguém toparia fazer o que o "mito" faz. O bolsonarismo, como pacote ideológico e político, é mais forte do que o antilulismo entre os apoiadores do presidente - porque esse pacote é antipetista, mas não só.
Ainda uma escolha difícil?
A questão é o que farão os eleitores de outros candidatos de "terceira via" que não forem para o segundo turno? Votarão em Lula, mesmo sem concordar com as propostas dele em nome da democracia, ou depositarão o voto em Bolsonaro, dando vazão ao antilulismo ou antipetismo?
Entre os mais ricos (que embarcarem na campanha do capitão, em 2018, logo que Geraldo Alckimin mostrou que não decolaria), a reprovação de Bolsonaro caiu de 58% para 46%, de julho para setembro. Ao todo, 36% deles o consideram bom ou ótimo.
Faz sentido. Até porque parte dos mais ricos ainda acha que pode domá-lo e o veem como piada - vide o jantar em homenagem a Michel Temer na casa de Naji Nahas. E preferem ele à democracia, por uma série de razões: da possibilidade remota de "reformas" de Paulo Guedes ao preconceito de classe.
O apresentador Luciano Huck, presidenciável até assumir o posto que era de Fausto Silva aos domingos na TV Globo, questionado pela revista Veja em quem votaria entre Lula e Bolsonaro caso a terceira via não emplaque, afirmou: "não quero fazer essa escolha agora". Ironicamente, o título da entrevista vem de outra declaração que diz que uma "ameaça à democracia tem de nos unir acima de ideologias".
Há outras formas de responder a essa questão feita a ele. Ele não precisaria se comprometer, mas poderia deixar claro a opção por vetar um candidato que deseja destruir a República para reergue-la à sua imagem e semelhança.
Mas, afinal de contas, para muita gente ainda é uma "escolha difícil".
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