Pensar Piauí
Doutor em Antropologia

Arnaldo Eugênio

Doutor em Antropologia

Violência e resistência quilombola no Brasil

Foto: ReproduçãoViolência e resistência quilombola no Brasil
Violência e resistência quilombola no Brasil

 

O relatório “Racismo e violência contra quilombos no Brasil (2018)” revela que, entre 2016 e 2017, o número de assassinatos de quilombolas cresceu de 4 para 18 (aumento de 350%), onde 68,4% foram praticados com arma de fogo e 13,2% com armas brancas, com o uso de métodos de tortura, ameaça, perseguição e/ou intimidação, perda do territórios, destruição de terreiros religiosos. Em 2022, a violência e o medo de morrer, simplesmente por ser negro, permanece como em 1888.

Na série histórica (2008-2017) de aproximadamente 3.200 comunidades quilombolas oficialmente reconhecidas no Brasil - por conta dos impasses políticos, menos de 300 delas têm o título da terra - foram assassinados 32 homens e 6 mulheres quilombolas, sendo 29 deles (76,3%) no Nordeste - que tem histórico de resistência e insurgência popular, especialmente no campo.

Os dados mostram que, no país, em consequência do racismo à brasileira ou o ódio aos negros, há tempos os povos quilombolas têm sofrido e resistido a diversos tipos de violências, para exercerem o direito à cidadania: “a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (art.5º/CF/88). Cujos efeitos das violências são cruéis, por exemplo, à manutenção dos modos de vida, das identidades e da sobrevivência dos povos quilombolas.

Os povos quilombolas são constituídos por pessoas autodeclaradas que se organizam em comunidades remanescentes de quilombos e têm identificação histórica, com os costumes e o território. O quilombo é uma espécie de potência que perpassa a Sociedade e o Estado de diversas formas, onde se mesclam as identidades fixas, a configuração do parentesco, da região, da nação e, também, se instaura a dúvida sobre a capacidade do Estado em ser o gestor da cidadania e o ordenador do espaço territorial (Ilka Leite, 2001).

No Brasil, a questão quilombola passa pela luta por reconhecimento de elementos étnicos e identitários na forma de apropriação e relação com os recursos naturais, abrange o conceito de território, a concepção individual e privatista de propriedade (Flavia Feitosa, 2021).

Dentre os fatores que estão relacionados à violência e à resistência quilombola no Brasil destacam-se a falta de ações efetivas do sistema de justiça; os projetos de desenvolvimento que vulnerabilizam as comunidades – p.ex. racismo ambiental, racismo econômico, de desproteção aos direitos territoriais; e a desvalorização das identidades de quilombolas e afrodescendentes perante a sociedade. No recorte de gênero, as mulheres quilombolas assassinadas têm perfil de liderança política, cujos métodos utilizados pelos assassinos têm forte caráter patriarcal, ou seja, violência sobre o corpo da mulher.

Associados a violência, outros problemas afligem as comunidades quilombolas, tais como: a falta de água, de comida, de saneamento básico, de moradia digna, de acesso às políticas públicas existentes, de trabalho e renda.

Nesse contexto de ódio aos negros, o enfrentamento à violência e, consequentemente, o fortalecimento da resistência quilombola exige a proteção dos defensores dos Direitos Humanos, incluindo, a formulação de políticas públicas efetivas e integrais de proteção das mulheres quilombolas, dos territórios, dos modos de vida, do etnodesenvolvimento e dos direitos fundamentais. Além disso, a valorização da identidade quilombola pode dar-se incentivando as escolas a refletirem sobre a história afrodescendente, a importância da cultura, dos mitos e ritos, da resistência, da espiritualidade e das lutas dos nossos ancestrais.

OBS: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do pensarpiaui.

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