Pensar Piauí
Doutor em Antropologia

Arnaldo Eugênio

Doutor em Antropologia

Uma violência difusa

Foto: ReproduçãoO controle da violência
O controle da violência

 

Os últimos episódios de violência difusa em escolas, hospitais, igrejas, cemitérios, delegacias e outros espaços públicos, tendem a aumentar o medo social por serem considerados lugares livres da insegurança e da criminalidade.

Entende-se a “violência difusa” como uma multiplicidade de atos criminosos que apresentam diversas motivações, gerados como consequência da crise na segurança pública e do enfraquecimento da cidadania. Trata-se da violência diária e mais comum do dia-a-dia, como roubos, feminicídios, furtos, homicídios, estupros e latrocínios.

Nas duas últimas semanas, foram registrados, em Teresina, vários casos de violência difusa contra os profissionais da saúde – p.ex. assaltos na porta e dentro de UBS; profissionais do SAMU sendo baleados durante uma ocorrência; criminosos invadiram um hospital municipal, para matar um paciente.

Isso mostra que a violência difusa pode, além de dissemina o medo social, sair do “lugar comum” esperado, para se manifestar em outros espaços e contra outros setores sociais, como os profissionais da saúde, que já trabalham num clima hostil e com superlotação, agora são obrigados a conviver com mais violência no ambiente de trabalho.

A violência difusa nos traz um problema social para além de uma questão de polícia e de justiça, ou de encontrar um “culpado” ou um “salvador da pátria”. Ela explicita o problema da crueldade no contexto sociopolítico brasileiro contemporâneo, através de práticas delituosas radicais contra as vítimas em casa, no trabalho e na rua, não possuindo explicações evidentes, pois condensam usos peculiares e irracionais da violência.

No campo do conhecimento, a violência difusa é um desafio para os propósitos socioantropológicos. Pois traz para ao debate o tema da crueldade, o modo como está sendo tratado nos meios de comunicação coletiva, no senso comum e no campo jurídico.

Num cenário de violência difusa não existem lugares totalmente seguros nem lugares livres da insegurança e da criminalidade – nem estádios de futebol, nem igrejas, nem delegacias, nem escolas, nem condomínios fechados, nem hospitais, nem shopping center, nem cemitérios –, assimtende-se a aumentar o medo social.

A crueldade, como elemento da violência difusa, funciona como um veneno na mente, baixando a imunidade dos indivíduos. Logo, pode-se dizer que a sociedade brasileira está doente à beira de uma convulsão social, ou como diz o sociólogo francês Émile Durkheim, em anomia: ausência ou desintegração das normas sociais. Assim, a violência difusa se constitui como uma patologia social da sociedade líquida, racionalista e individualista.

A anomia social durkheimiana “refere-se ao grau em que as partes que compõem a estrutura social estão integradas. Onde a estrutura social é determinada, em boa parte, pelas metas a atingir pelos indivíduos (ser rico, famoso, culto...) e pelas regras para as atingir (leis, costumes...).

Nesse contexto, aqueles que defendem que “bandido bom é bandido morto”, ou que “os direitos humanos são direitos de bandidos”, ou que “o linchamento e a tortura disciplinam o criminoso”, acreditam que o crime que praticam é uma forma de "reparação" da crueldade, usando mais violência. Ou seja, são mentalidades míopes que veem, mas não enxergam a anomia social batendo à portacom a crueldade.

Portanto, a recorrência de práticas delituosas, entendidas pela imprensa, os órgãos de repressão e o senso comum como expressão de crueldade, ignoram o modo como diversos crimes se ligam a uma multiplicidade de ações inusitadas.

OBS: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do pensarpiaui.

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