Pensar Piauí
Doutor em Antropologia

Arnaldo Eugênio

Doutor em Antropologia

O estupro no Brasil

Foto: Reproduçãovítima de um estupro
Vítima de estupro

 

Segundo um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) mostra que, no Brasil, somente 8,5% dos crimes de estupro são registrados pela polícia e 4,2% pelo sistema de saúde. Trata-se de uma hecatombe humana e sociopolítica: no país, estima-se 822 mil casos de estupro a cada ano, ou seja, dois casos de estupro por minuto.

O estudo se baseou em dados de 2019, através da Pesquisa Nacional da Saúde, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (PNS/IBGE), e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), do Ministério da Saúde. Em 2014, o IPEA já havia apresentado uma Nota Técnica alertando para a conivência da sociedade, a ineficiência do sistema de segurança pública e a ausência de políticas públicas intersetoriais para a prevenção, proteção e acolhimento às vítimas de estupro.

De acordo com o Código Penal Brasileiro, no artigo 213 (redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009), estupro é: constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.

Na obra clássica “História do Estupro”, Georges Vigarello (1998) afirma que a violência através do estupro têm dados, estatísticas e observações sistematizadas, que permite a “passagem de um silêncio relativo para uma visibilidade ruidosa”, indo além das simples comparações quantitativas, até entender “quais são os limites e o sentido do crime, a maneira de defini-lo e de ajudá-lo, que estão submetidos à história” (VIGARELLO, 1998).

Nesse sentido, a compreensão do estupro exige “que se altere a suposta ligação com o universo do pecado para que se altere a visão das gravidades” (VIGARELLO, 1998). Ou seja, não aceitar ou interpretar o estupro como um crime menor, culpabilizar a vítima ou como um produto de comportamentos normais ou naturais. O estupro é um dos crimes mais violentos; é hediondo; e não admite mais um silêncio seletivo.

O estupro configura-se como um crime contra a liberdade sexual, ou seja, é um ato que afronta o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 213 da Lei Nº 12.015/2009). Isto é, trata-se de um constructo sociocultural cruel que, por ser condicionado pelo machismo e patriarcado, pode e deve ser enfrentado e desconstruído com a participação da sociedade – não só pelos sistemas de segurança pública. Mas, principalmente, com políticas públicas de prevenção e de educação, como tema transversal, desde a educação infantil à pós-graduação.

No ato de estupro há consciência no estuprador, pois, em geral, trata-se de uma “ação social racional com relação a fins” (MAX WEBER, 1979), na qual o estupro se torna um fim do agressor que é racionalmente buscado, através da escolha dos melhores meios para realizá-lo. A vítima é, intencionalmente, vista, atacada, violentada e até morta, para saciar o desejo repulsivo do estuprador.

É fundamental superar o ethos de toga que ainda tem dificuldade de avaliar a autonomia da vítima, a necessidade de se basear em indícios materiais para melhor atestá-la. Significa dizer que, “os juízes clássicos só acreditam no relato de uma vítima de estupro se todos os sinais físicos, os objetos quebrados, os ferimentos visíveis, os testemunhos concordantes confirmam suas declarações” (VIGARELLO, 1998).

Portanto, a situação é gravíssima, pois, além da impunidade, a maioria das vítimas de estupro ficam desassistidas, pois a violência sexual frequentemente produz o medo, a depressão, ansiedade, impulsividade, distúrbios alimentares, sexuais e de humor; alteração na qualidade de sono, além de ser um fator de risco para comportamento agressivo, de automutilação e de suicído.

OBS: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do pensarpiaui.

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