Pensar Piauí
Doutor em Antropologia

Arnaldo Eugênio

Doutor em Antropologia

Leva pra tua casa

Foto: ReproduçãoCriminalidade no Brasil
Criminalidade no Brasil

 

A partir de 2023, em se tratando de segurança pública, caso não ocorra um choque de gestão nas administrações dos governos federal, estaduais e municipais, a violência e a criminalidade nos estados brasileiras serão enfrentadas por meio da política pífia do mais do mesmo.

Dentre os aspectos que necessitam de uma desconstrução está o discurso de justiçamento com base em senso comum que é disseminado na sociedade e entre alguns agentes públicos por setores midiáticos: “tá com pena de bandido leve para tua casa”.

Esse tipo de discurso superficial, além de não agregar ao enfrentamento dos fenômenos sociais da violência e da criminalidade, é desprovido de qualquer preocupação ou embasamento crítico sobre a realidade social brasileira.

Dentre outros aspectos, por um lado, a aceitação social desse tipo de discurso falho deve-se a indignação com a atuação parcimoniosa das instituições estatais na peleja contra a violência e a criminalidade. Por outro lado, é um discurso que traz uma mensagem sub-reptícia contra os Direitos Humanos, que agrada aos ouvidos de senso comum e, principalmente, estimula o justiçamento.

Assim, repetir o discurso “tá com pena de bandido leve para tua casa” é um reforço discursivo contra os Direitos Humanos, que se coaduna com a percepção equivocada de senso comum. Pois, a crença do senso comum é que “os Direitos Humanos servem para proteger bandidos”, em detrimento de cidadãos e cidadãs.

Os discursos do senso comum que dizem que “os Direitos Humanos não vão atrás das vítimas do crime” ou que “os Direitos Humanos não prestam ajuda à família do policial morto em conflito” são confusões categoriais. Os Direitos Humanos não podem agir como querem, pois, enquanto uma ideia, um conceito que não existe fisicamente, somente podem ser aplicados em determinadas situações. É fundamental entender que os Direitos Humanos abrange toda a humanidade e aplicam-se aos seres humanos, sem exceção.

O justiçamento ou a justiça com as próprias mãos é o ato ou efeito de justiçar, de punir suspeitos com a morte ou linchamento, que tem uma relação direta com o descrédito nas instituições policiais e no Judiciário, desconfiança geralmente fomentada por discursos de agentes públicos e setores midiáticos.

Por isso, na escolha de gestores da segurança pública deve-se evitar como critério o clichê político e o modus operandi instituído, bem como aqueles que reproduzem o discurso superficial do “tá com pena de bandido leve para tua casa”. Pois, há tempos a questão social sobre a violência e a criminalidade atormenta a sociedade brasileira, mas, em geral, tem sido tratada apenas com a mudança de nomes na gestão, discursos retóricos, ações pontuais, tolerância com a corrupção e resultados insignificantes.

A superficialidade do discurso do “tá com pena de bandido leve para tua casa” obscurece a compreensão de que o contexto da violência e da criminalidade nas cidades brasileiras exige um plano de segurança pública – nacional, estadual e municipal – que parta da concepção de que as causas são de natureza estrutural, sistêmica e que os discursos de retórica política não se sustentam mais diante do clamor popular e do medo social.

Um plano de segurança pública qualificado se faz com base nos Direitos Humanos, pois regem o modo como os seres humanos vivem em sociedade e se relacionam com o Estado e as obrigações que este tem em relação a eles. Assim, quando alguém repete o discurso de senso comum“tá com pena de bandido leve para tua casa” está propagando, sem se dá conta, um discurso falho contra os Direitos Humanos e de justiçamento, como meio de controle social.

OBS: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do pensarpiaui.

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