Pensar Piauí
Doutor em Antropologia

Arnaldo Eugênio

Doutor em Antropologia

Entre cínicos e safadinhos

Foto: Google ImagensDuas casas de Poder
Duas casas de Poder

A nova decisão de bumerangue do Supremo Tribunal Federal (STF), contrária à prisão em 2ª Instância, pode ser analisada por diversas percepções, onde qualquer delas revelará o quanto a sociedade brasileira é perpassada pelo cinismo e indecoro. Coisas do tipo: me diz quem é o acusado e a vítima que te direi qual a provável sentença; ele rouba, mas faz; aos inimigos os rigores da Lei, aos amigos as benesses da Lei etc.

Passados os primeiros efeitos da decisão de bumerangue do STF, a verborragia twitteriana de Bolsonaro, o festival lulista de liberdade e a parcialidade midiática em detrimento do esclarecimento popular, dentre as possíveis percepções, duas chamam a atenção: 1) a circunstancionalidade jurídica do STF, 2) o oportunismo e corporativismo do Legislativo.

A circunstancionalidade jurídica do STF – ou a justiça à moda da causa ou a necropolítica ou ainda a decisão de bumerangue – tem relação direta com os interesses políticos que perpassam o Poder Judiciário, os comovem e direcionam o “filtro analítico” acidental dos ministros, conforme a necessidade política e a oportunidade do fato, mesmo que a decisão subjetiva afronte o respeito aos direitos e garantias fundamentais na Constituição Federal de 1988.

De fato, por um lado, o STF colocou, juridicamente, o “trem no trilho”, ou seja, o artigo 283 do Código Penal — que declara que ninguém pode ser preso antes do fim do processo a não ser que haja flagrante de crime ou pedido de prisão preventiva — está de acordo com a CF/88, no artigo 5º, que diz: "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". Ou seja, deu segurança jurídica que ninguém será considerado culpado até o fim do processo, quando não há mais possibilidade de recursos.

Contrariando o cinismo dos apologistas verde-amarelo, a decisão do STF não implica na libertação de pessoas perigosas e que deveriam estar presas. A decisão garante às pessoas com bons antecedentes o direito de aguardar por uma decisão final da Justiça em liberdade. Por outro, deixa às claras, que quando se excitar o ego de toga com o protagonismo político, este se mostrará através de decisões de bumerangue à moda da causa. Ou seja, entre os ministros do STF, o “sentimento democrático” é exercido em plenitude, pois numa análise de constitucionalidade de uma mesma demanda jurídica podem ter entendimentos divergentes e contraditórios ao sabor dos momentos políticos, reforçando a ideia de que, no Brasil, a “justiça” é um bem caro e, socialmente, dirigida.

As risadas das hienas sobre os leões de twitter e os seus asseclas fomentaram, o oportunismo político do Legislativo feito num corporativismo não obstante ao respeito popular e apequenado por migalhas do erário. Após a decisão de bumerangue do STF, muitos parlamentares vociferaram o seu analfabetismo jurídico, propagando as PECs 5/2019 e 410/2018, ignorando a CF/88 que estabelece no artigo 60 as condições constitucionais necessárias para a sua reforma (limites materiais).

Num cinismo de bancada, os parlamentares proponentes das PECs, oportunisticamente, desconsideram o fato de que aquelas “constituem uma violação fraudulenta da cláusula pétrea prevista no art. 60, § 4º, IV, da Constituição” (Lenio Streck, 2019). Desse modo, os parlamentares tentam através de um blefe constitucional, abolir “direitos e garantias individuais”, ao invés ampliá-los e desdobrá-los. Trata-se, portanto, do uso de um subterfúgio ingênuo - ou hediondez parlamentar - para violar o princípio constitucional de proibição de retrocesso, relativizando a presunção de inocência.

OBS: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do pensarpiaui.

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