Pensar Piauí
Doutor em Antropologia

Arnaldo Eugênio

Doutor em Antropologia

Arrastão em velório: covardia, ousadia ou certeza de impunidade

Foto: Do velório: Renato Andrade. De Larissa: rede socialBandidos tentam fazer arrastão

 

Na tarde de segunda-feira (18), uma tentativa de arrastão em um funeral, no bairro Três Andares, na zona Sul de Teresina, além de provocar tumulto e correria entre os presentes, gerou um burburinho de opiniões, principalmente se se tratava de uma ação covarde, ousada ou de sensação de impunidade.

De fato, é um exemplo de violência difusa, pois quando quatro suspeitos chegam em duas motos com arma em punho e atacam pessoas em um velório é uma ação criminosa covarde e ousada, motivada pela falta de empatia com o sofrimento dos enlutados. Porém, os criminosos decidiram realizar tal crime, provavelmente crendo na certeza ou na aplicação seletiva da impunidade.

Por um lado, a falta de empatia é parte de um processo social de desumanização do outro, gerando pessoas menos fraternas, mais egoístas, mais individualistas, mais competitivos e mais insanas. Onde uma educação para “passar no ENEM”, e não para a vida, faz com que as pessoas sejam educadas para a competição - o princípio de qualquer guerra. Conforme Maria Montessori (1870-1952), “[...] quando educarmos para cooperarmos e sermos solidários uns com os outros, nesse dia estaremos a educar para a paz”.

Por outro lado, quando a sociedade e o Estado são cúmplices com a certeza ou a aplicação seletiva da impunidade todos (ricos e pobres) estão em perigo. Pois, tais comportamentos antissociais põem “[...] em risco a paz social, o bem comum, a segurança pública, as instituições públicas e particulares, a inversão dos valores do certo e do errado, dos valores éticos, cívicos e morais, causando a estagnação e o descrédito do país, criando castas acima da lei e consequente revolta dos desfavorecidos” (Luiz Salles e Ronaldo Brito, 2015).

Assim, sob pena de se tornar uma ação banalizada, a sociedade e o Estado têm que rejeitar veementemente esse tipo de comportamento criminoso, pois além de um desrespeito inominável com a dor dos enlutados, é uma ameaça explícita à paz social. Não é somente esperar por uma atitude das polícias e/ou do Judiciário, na medida em que “[...] a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, sob a égide dos valores da cidadania e dos direitos humanos, através dos órgãos instituídos pela União e pelos Estados” (Art. 144, CF/88).

A certeza da impunidade estimula o ímpeto criminoso, forja o linchamento e enfraquece os laços de solidariedade, causando a sensação de impotência, indignação e medo. Para o sociólogo francês Émile Durkheim (1858-1917), “[...] a solidariedade é o fator que garante a coesão social em um período específico. É o que faz os indivíduos sentirem-se parte de um grupo social”.

Trata-se, portanto, de um ato de malignidade sem precedentes, que se não for rejeitado pela sociedade e o Estado pode adquirir status de normalidade social, ou seja, é “[...] o problema da crueldade no contexto brasileiro contemporâneo, registrando práticas delituosas radicais, envolvendo o corpo de vítimas, que não possuem explicações evidentes, condensando usos peculiares e irracionais da violência” (César Barreira, 2015).

Corroborando o pensamento de César Barreira (2015), “[...] na violência difusa, a crueldade parece exprimir práticas vindas de variadas ordens explicativas, nas quais se inscrevem tanto as marcas individuais de agentes como a repetição de tragédias ou reações inesperadas que fazem parte da história da humanidade”. Ou seja, é fundamental que a sociedade e o Estado exerçam poder de controle social antes do caos.

Veja: Morte, velório, troca de tiros e arrastão: tarde triste em Teresina

OBS: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do pensarpiaui.

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