Pensar Piauí
Sociólogo, Professor aposentado da UFPI

Antonio José Medeiros

Sociólogo, Professor aposentado da UFPI

Aí vem uma “nova normalidade”, em quase todas os campos de nossa convivência, diz AJM

Foto: Acesse PiauiAntonio José Medeiros
Antonio José Medeiros

 

Publicado no jornal O Dia em 22/04/2020

            Estamos impacientes com o isolamento social. Calma, ainda vamos passar pela fase do distanciamento nos espaços abertos. E quando a normalidade chegar vai ser uma “nova normalidade”, em quase todas os campos de nossa convivência.

            Alguns imaginavam que no futuro todo mundo andaria de máscara ou com respirador, mas devido à poluição. Por esse lado, a imagem não é de ficção científica, pode acontecer; mas não tem muito a ver com a pandemia atual.

            Com os incômodos e riscos criados pelas grandes concentrações, com certeza, as grandes cidades e os edifícios de muitos andares perderão mais ainda seu encanto. Será um processos lento, pois ninguém vai começar a demolir prédios.

As transformações que vieram pra ficar são aquelas provocadas pela continuidade da revolução da telemática. A crise da pandemia apenas realçou sua presença, sua importância e aponta para sua persistência.

No mundo do trabalho, em especial no setor serviço, se ampliarão as “tarefas” feitas em casa e as reuniões com uso de aplicativos específicos; no comércio, a tele-demanda e a pronta entrega vão continuar se expandindo de restaurantes e supermercados para quase todos os ramos; talvez avance mais lentamente a telemedicina; e assim por diante. Ora, a Educação não é uma ilha: assimilará cada vez mais os impactos do que no âmbito escolar é chamado de TICs (tecnologias de informação e comunicação). Mas, refletindo bem, a questão é mais ampla e profunda do que o avanço da educação à distância.

Educação é socialização e a revolução da telemática influencia cada vez mais as próprias formas de sociabilidade. Seu impacto não é apenas socioeconômico, é sociocultural, psicológico, enfim, de formação das personalidades, de construção das identidades.

Se, no último século, a escola se tornou hegemônica na socialização das pessoas (educação formal), com um peso maior que as igrejas e a própria família, sua hegemonia está sendo abalada. E talvez, no futuro, não haja uma instituição hegemônica como espaço de socialização privilegiado das novas gerações.

Só para ilustrar, lembro a preocupação dos pais com os filhos grudados no computador ou no celular, jogando horas a fio ou tendo acesso “ao que não deve”. Estão aí os milhares de podcasts religiosos e de auto ajuda, ao lado das minoritárias temáticas científicas, culturais, artísticas. E namoros e casamentos começam pela internet...

O espaço familiar, se recompondo algumas vezes e assumindo diferentes formas, está recuperando um papel de suporte psicológico. Não creio que a escolarização doméstica (homeschooling) se imponha, sobretudo depois da primeira infância, mas com o trabalho em casa e uma inevitável redução da jornada de trabalho os pais ficarão mais tempo com os filhos pequenos.

As religiões e suas mais diversas formas de igreja também tem recuperado espaço na vida das pessoas, diante da crise de sentido que as civilizações enfrentam a essa altura da modernidade. O niilismo das elites tornou-se uma “cultura rasa” das massas; por isso há um risco de fundamentalismo e manipulação. O consumismo e o entretenimento não estão dando conta do recado, embora ainda sejam o principal instrumento de diluir a cultura nos assuntos do dia.

 Talvez o elemento espiritual, um certo re-encantamento do mundo, ajude a dar sentido às existências individuais e à convivência humana. Por aí pode vir uma mudança civilizatória com mais fruição da vida e mais solidariedade, mesmo na precariedade e contingência da condição humana. A percepção da ameaça ecológica, semelhante ao medo que a pandemia tem provocado, pode ajudar. É isso mesmo, muita coisa convergindo, senão não se produz nova civilização. Civilização é sentido, é imaginário; e a evolução tecnológica não responde à busca de sentido.

A educação escolar já enfrenta essa questão ao definir seus projetos político-pedagógicos. Há bastante consenso em torno de habilidades intelectuais; mas isso não acontece com relação a competências e habilidades na área da afetividade e dos valores. Não sei nem se dá pra falar em competências e habilidades nessas áreas, onde o pessoal, o autônomo e o criativo têm papel fundamental, irredutível à influência dos fatores externos.

 As culturas nacionais não respondem mais e ainda não criamos uma identidade como Humanidade, base para uma cidadania planetária. A revolução da telemática tem implodido as Nações; porém, suas potencialidades para criar novas solidariedades e identidades têm sido pouco utilizadas. Só provocando: quando a LDBEN (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) será substituída por uma LDBEU (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Universal)? O velho Kant sonhava com isso no início dos 1800.

O grande desafio é combinar processo civilizatório de tendência universalizante com o multiculturalismo de tendência particularizante. O que implica tolerância, autonomia e espírito crítico e autocrítico. Talvez esse seja o papel da escola como “núcleo catalizador”, que não existe sem espaço físico, mas que vê esse espaço como um ponto nodal numa rede múltipla. Ser catalisador não é ser hegemônico, mas é ter protagonismo especial. Catalisar é potencializar as interações.

É nesse contexto que deve ser repensada a escola como instituição e como espaço físico. É nesse contexto que se redefinirá o novo lugar do professor, redefinição feita com a participação dos próprios professores.

É nesse contexto enfim, que deve ser pensado a combinação de educação presencial e à distância, entre livro e outros conteúdos virtuais, entre tele-aulas (chamadas no Piauí de mediação tecnológica) e plataformas, etc.  Vamos aprender com a crise para os tempos pós-crise.

OBS: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do pensarpiaui.

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