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Sociólogo, Professor aposentado da UFPI

Antonio José Medeiros

Sociólogo, Professor aposentado da UFPI

A crise sanitária mostrou que são as políticas públicas (SUS, SUAS, FUNDEB, PNAE) que tem evitado o desastre social

Foto: ReproduçãoPolíticas públicas
Políticas públicas

 

Entre os 193 países-membros da ONU, 17 são Federações, ou seja, em sua Constituição são definidos dois níveis autônomos de governo: a União e os Estados-membros. Representam 40% da população mundial, pois quase todos os países de grande território e população numerosa são Federações. É o caso do Brasil, da Índia (não da China), da Rússia, dos Estados Unidos, do Canadá, da Alemanha, da Argentina e do México. A Itália, com suas regiões e a Espanha com suas comunidades autônomas, são consideradas quase-federações.

O Brasil é a única federação do mundo que tem três níveis autônomos de governo: União (governo federal), Estados e MUNICÍPIOS. Dois artigos da constituição são claros: Artigo 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e MUNICÍPIOS e do Distrito Federal...; Artigo 18 - A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição”.

A autonomia dos estados e municípios se concretiza pela distribuição de competências na Constituição (quem pode ter forças policiais, quem cobra cada imposto, etc.); pela eleição direta dos governadores e prefeitos e dos deputados e vereadores; pela elaboração de leis próprias; pela cobrança dos próprios imposto.

O grande desafio das federações é a cooperação entre os níveis de governo; daí a importância do FEDERALISMO COOPERATIVO, embora sejam inevitáveis e até saudáveis os conflitos entre os Estados e Municípios e destes com a União Federal.

A cooperação federativa começa com o chamado FEDERALISMO FISCAL, que tem a ver mais com a distribuição do que com a cobrança dos impostos. Há divisão com os estados e municípios de impostos cobrados pelo governo federal (imposto de renda, por exemplo); e divisão com os municípios de impostos cobrados pelos estados (ICMS, IPVA). Essa partilha fiscal existe em todas as federações do mundo.

A Constituição brasileira de 1988 consolidou o FPM – Fundo de Participação dos Municípios e o FPE – Fundo de Participação dos Estados. Hoje é difícil imaginar o que isso significou para avanço da modernidade e da democracia no Brasil. Cada estado ou município tem receita garantida para executar os serviços de sua responsabilidade, independente do partido e de quem governa o país, o estado ou o município. Os editais para adesão a Programas e Projetos federais e estaduais por parte dos municípios foram mais um avanço. É um retrocesso os estados e municípios ficarem dependendo do prestígio de senador A ou deputado federal B para receber ou liberar recursos.

O maior avanço que conseguimos no cumprimento do que define a Constituição de 1988 foi na área de Políticas Públicas, sobretudo nas áreas onde se avançou na construção dos SISTEMAS NACIONAIS DE POLÍTICAS PÚBLICAS. Esse avanço começou nos governos Itamar e FHC, avançou nos governos Lula e Dilma, foi mantido no governo Temer. E há uma tentativa agressiva de desmontá-los no governo Bolsonaro.

A crise do Coronavírus mostrou como seria um desastre social se não tivéssemos esses sistemas bem equacionados em lei, mesmo com muitas deficiências no seu funcionamento. Sem o SUAS o auxílio emergencial não funcionaria. Sem o SUS a cooperação dos serviços médios desde a prevenção até o tratamento seria muito precária e desorganizada. Sem o FUNDEB e o PNAE (Alimentação Escolar) como atender mães de alunos? Tudo isso com a rapidez que uma pandemia exige.

Cada Sistema precisa ter um Órgão Colegiado Nacional com participação dos Estados e Municípios; um Fundo de financiamento, um Plano plurianual e realizar Conferências periódicas nos três níveis de governo.

Os Sistemas melhor estruturados que definem as atribuições da União, dos Estados e dos Municípios e têm mecanismos de financiamento, planejamento e execução cooperativa são o SUS – Sistema Único de Saúde, com a atenção básica e a rede de encaminhamentos; o SUAS – Sistema Única de Assistência Social, com os CRAS e CRES e com a gestão do CadÚnico (Cadastro Único) que permite a gestão do Bolsa Família e do BPC – Benefício de Prestação Continuada.

Na área da Educação ainda não foi aprovado o SNE – Sistema Nacional de Educação, embora já exista projeto tramitando no Congresso Nacional. Mas existe o PNE – Plano Nacional de Educação e um bom sistema de financiamento cooperativo envolvendo União, Estados e Municípios: o FUNDEB e outros Programas (alimentação escolar, livro didático, transporte escolar, biblioteca escolar, PRONATEC, o Censo Escolar e convênios para prédios escolares). Falta o órgão central colegiado; hoje é o CONSED – Conselho dos Secretários Estaduais de Educação e a UNDIME – União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação que mantêm a interlocução com o MEC, hoje difícil.

O Sistema Nacional de Cultura foi aprovado, mas não se consolidou pela oscilação da política pública para a cultura. Confere um papel para os Municípios.

O Sistema Nacional de Segurança Pública é um conjunto de programas, mas não criou uma estrutura mais robusta. Falta definir o papel dos Municípios neste Sistema.

Um Sistema Nacional que precisa ser criado é o Sistema Nacional de Política Agrária e Agrícola para estruturar e articular melhor a ação do poder público nesse setor. Sobretudo no apoio à política agrícola, em especial à agricultura familiar, os Municípios têm um grande papel a desempenhar.

As campanhas eleitorais deste ano são um bom momento para este debate.

OBS: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do pensarpiaui.

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