Parlamentares do PT são contra a reforma da Previdência, Wellington Dias é a favor e explica as razões
Parlamentares do PT são contra a reforma da Previdência, Wellington Dias é a favor e explica as razões
Entrevista concedida ao EL País Enquanto os parlamentares do PT formam uma das principais frentes contrárias à reforma da Previdência apresentada pelo Governo de Jair Bolsonaro e aprovada em primeiro turno na Câmara, o governador do Piauí, o petista Wellington Dias, vai na direção contrária e tenta negociar em Brasília a entrada dos Estados e municípios nas novas regras de aposentadoria. "Hoje temos milhares de leis diferentes sobre previdência nos municípios e Estados. Isso é o problema brasileiro que precisa ser encarado", explica o governador. Dias reconhece que o rombo das aposentadorias e pensões é atualmente o maior desafio enfrentado pelo Piauí, que acumula um déficit de 1,2 bilhão de reais ou 12% da receita líquida do Estado.
Questionado pelo EL PAÍS, na última quinta-feira, sobre a relação dos estados de oposição com o Governo, o petista não chegou a tecer nenhuma crítica direta à gestão Bolsonaro. A entrevista foi realizada, no entanto, antes de ser vazada a fala do presidente que disse: "daqueles governadores de "paraíba", o pior é aquele cara do Maranhão, tem que ter nada com esse cara". O uso de um termo pejorativo para se referir aos nordestinos e a retaliação foi recebida por Dias com indignação, segundo nota enviada à reportagem. Junto com outros governadores do Nordeste, ele assinou uma carta pedindo explicações para o presidente. A seguir, a entrevista com o governador do Piauí:
Pergunta. Qual é hoje a maior dificuldade de convencer os parlamentares da bancada de oposição da necessidade de uma reforma da Previdência também para os Estados e municípios?
Resposta. No Brasil, temos um problema de origem da Previdência, de como começou lá trás. Era muito mais um fundo de pensão. Para alguns setores não tinha contribuição, tínhamos situação de gratificação, algumas vantagens, com regras que colidiram com a lógica de previdência. E a consequência disso é que o sistema nasceu desequilibrado, ficou um longo período desequilibrado, chegando, em 2018, com um déficit nos Estados e municípios de quase 100 bilhões de reais. No momento em que se vai trabalhar a reforma, cresceu uma esperança da minha parte, creio que de grande parte dos governadores, de criarmos um entendimento para fazer para valer uma reforma. Se analisarmos, todos os Governos das últimas três décadas propuseram mudanças e fizeram um pequeno ajuste. É o que está acontecendo novamente. Desde o início, defendemos a necessidade de ter um regramento unificado para o Regime Geral, que, no Brasil, vai até cerca de 5.600 reais de teto, e que, a partir dali, seja previdência complementar. Isso já é uma realidade em alguns Estados, como o Piauí, mas é necessário unificar o setor público e privado, União, Estados e municípios. Após várias tentativas frustradas de entendimento, se decidiu apresentar o relatório na Câmara para votação sem Estados e municípios. Os governadores os prefeitos não tinham muita força para tratar com nossos partidos porque a promessa de entendimento foi quebrada. Os partidos, a partir daí, votaram na realidade da Previdência da União e do INSS.
P. Mas o que foi colocado nas negociações para que Estados e municípios também entrassem na reforma? O que a oposição propôs?
R. Para sentar à mesa, sugerimos duas coisas. Primeiro, que fosse uma reforma que abarcasse os três níveis de Governo, União, estados e municípios. Dois, uma mudança que não trouxesse mudanças na lei orgânica da assistência social, no BPC (Benefício de Prestação Continuada) e nas aposentadorias rurais principalmente. Também havia uma rejeição ao modelo de capitalização e ainda uma reação sobre regras de desconstitucionalização. Tivemos que sentar e negociar. Da parte dos Estados, o entendimento vai em duas linhas. Tínhamos que estabelecer regras sobre o tempo de contribuição e idade. Defendíamos tratamento diferenciado especialmente para mulheres. Mas também para professores e policiais, por conta da tradição brasileira, e uma alíquota maior de 14% para compensar a diferenciação. Compreendemos também que era necessário sair da reforma como uma alternativa de solução para o déficit imediato.
P. Mas várias dessas condições foram contempladas ao longo das mudanças do texto-base...
R. Reconheço que teve uma posição favorável do Rodrigo Maia, presidente da Câmara, mas ela não foi apoiada pela maioria dos líderes. Na verdade, os líderes em razão de diferenças regionais, disputas estaduais, preferiram trabalhar uma tese que não iriam tratar de Estados e municípios. Eu sou um defensor da permanência.
P. Ainda que seu partido, o PT, continue sendo contrário a essa reforma, certo?
R. O meu partido terminou indo nessa direção...Mas é bom lembrar que até onde a gente tinha possibilidade de ter Estados e municípios e construir um texto por entendimento havia uma abertura de dialogar com os partidos. Mesmo que o partido não tivesse uma posição favorável, mas que não radicalizasse ao ponto de determinar punições etc. Era possível que alguns parlamentares votassem. No primeiro momento, antes de alguns avanços que fizemos em relação ao texto, ainda não havia 308 votos. Claro que foi por conta desses avanços que se conseguiu os 379. Hoje, eu continuo dizendo que o próximo presidente da República irá anunciar uma próxima reforma. Porque estamos saindo com uma meia reforma. Um problema de 200 bilhões de reais estamos com um olhar sobre uma parte de 100 bilhões. Caso a reforma seja aprovada na forma que veio na Câmara, nos primeiros 12 meses da implantação vamos ter um déficit da União caindo de 100 bilhões para 80 bilhões. Porque de um lado tem o ganho, mas também uma corrida a aposentadoria por conta das novas regras. Era isso mesmo que a gente queria?
P. Como o senhor avaliou a conduta do PDT de suspender a deputada Tabata Amaral do partido após o voto contrário à bancada?
R. No momento em que Estados e municípios ficaram de fora, isso dificultou um argumento forte dos governadores e prefeitos em relação à direção de seus partidos. Claro que valorizo os partidos, eu entendo que a deputada Tabata como outros parlamentares analisaram a realidade dos seus Estados e ao votar tiveram razão para isso. Muitas vezes você toma uma decisão e não é compreendido. Com o passar do tempo, muitas vezes demonstra que você tinha razão. É uma decisão que exigia muita coragem na minha opinião. Vamos acompanhar o que vai acontecer com o Brasil. Na minha opinião, mais Estados e mais municípios entrarão em dificuldade. Quem irá socorrer? A União. Quem irá pagar a União? O povo. Ou seja, você pode não fazer a reforma, mas tem um preço. Fazer tem um preço e não fazer tem um preço.
P. Acredita que os Estados e municípios poderiam ser incorporados num segundo momento, no Senado?
R. No Senado, há hoje uma possibilidade de trazer Estados e municípios na reforma, no que eles chama de PEC paralela. Isso já foi experimentado. Mas o texto terá que passar também pela Câmara, que é a mesma. Eu que vivi a experiência da Câmara e do Senado aprendi que quando se cristaliza uma posição, como ocorreu, é pouco provável que isso sofra alteração. Há uma preocupação dos deputados com desgaste da medida e há ainda disputas internas, alguns são candidatos a prefeito, outros pensam nos seus mandatos futuros. Mas, mais vale uma esperança tarde que um desengano cedo. É muito difícil, mas acho que é um gesto importante por parte do Senado.
P. Se a PEC do Senado não passar, caberá então a cada um dos Estados realizar sua própria reforma...
R. É o caminho mais provável. Ele é bom? Não. Ele já foi experimentado. Por exemplo, lá trás o Brasil fez uma opção de trabalhar a Previdência complementar. Quantos Estados brasileiros implementaram? Como não era obrigatório, como ficou para regulamentação à mercê de cada Estado e município, cada um dos que fez ainda alterou pontos. O resultado é caótico. Nós temos milhares de leis diferentes sobre Previdência nos municípios e Estados. Isso é o problema brasileiro que precisa ser encarado. Terminado a reforma, cada Estado vai se debruçar sobre o que foi aprovado e tomar a decisão sobre o que é possível implementar. Se tiver algo que seja aproveitado no Piauí, irei dialogar com a Assembleia Legislativa. Mas no diálogo com o presidente da Câmara e o Senado colocamos na ordem do dia um ponto que tem solução imediata. Entendemos que o problema da Previdência é grave e, por isso, 27 Estados decidiram que, de agora em diante, as novas receitas que o Congresso Nacional tratar serão destinadas para a cobertura do déficit da Previdência.
P. Quais receitas são essas?
R. No momento, quatro alternativas de receitas novas tramitam no Congresso. Uma delas é sobre os recursos do pré-sal. Do leilão que começa agora em novembro, na chamada cessão onerosa, vamos ter duas receitas o bônus de assinatura e a chamada receita do óleo excedente. Ela é dos Estados, municípios da União. Há ainda na Câmara o projeto da Lei Kandir, que a União deve disponibilizar 4 bilhões de reais. Também existe um projeto de securitização da dívida ativa. A parte dos Estados soma 400 bilhões e estamos propondo um moderno sistema de cobrança. Todas essas possíveis novas arrecadações serão destinadas à cobertura do déficit da Previdência dos Estados ou para os investimentos. Quem não tiver déficit, que são apenas três Estados, usa para investimento. P. Qual a situação do rombo da Previdência no Piauí?
R. O déficit da Previdência é hoje o maior desafio do Estado. Hoje temos uma dívida pequena com a União. É um Estado que mantém o controle na parte de custeio, folha de pagamento e vem se mantendo com capacidade de investimento. Mas tem um problema: 12% da receita corrente líquida do Piauí é para a cobertura do déficit. Atualmente, tenho que pegar 1,2 bilhão de reais, que era para investimento, e destinar para não atrasar o pagamento de aposentados e pensionistas, porque o dinheiro próprio da Previdência não foi suficiente. E assim como eu estão 24 das 27 das unidades federações. É um problema do Brasil.
P. Os Estados também dependem muito de repasses do Governo. Como oposição, como tem sido a relação com a gestão Bolsonaro?
R.Quem está com a maior crise é a União. Ela precisou mandar para o Congresso autorização para cobrir um déficit nas suas contas em 2019 de aproximadamente 250 bilhões, muitos Estados, como o meu, não estão mandando para seus legislativos autorização para cobrir o negativo. Eu compreendo que o que me moveu como brasileiro a fazer a defesa da reforma é porque ela é importante para as contas públicas e para o povo. Não é só quem é governador que faz parte da oposição que está com dificuldade de ter recursos da União. O problema de escassez está com a União. Vamos ter que encontrar soluções. Por isso, defendo a regulamentação de receitas de royalties e participação especial, mecanismo para cobrar sonegação, tributação sobre lucros e dividendos. O Governo mandou o Plano Mansueto [referência ao secretário do Tesouro, Mansueto Almeida], que é uma plano para Estados em dificuldades, que de um lado exige contrapartidas na área fiscal mas libera condições de empréstimo. Isso é uma alternativa para investir.
P. Mas o Plano Mansueto ainda é apenas um projeto...
R. Tivemos um compromisso do Rodrigo Maia que ele irá colocar em votação em agosto e Davi Alcolumbre (presidente do Senado) disse que, chegando no Senado, ele aprecia em setembro. Quando a economia tem um crescimento baixo, qualquer esforço na área da despesa, ajustes fiscais vão ser incapazes de solucionar o problema. É preciso ter a condição de concluir uma carteira de cerca de 23 mil obras paralisadas em todo o Brasil, gerar cerca de 2 milhões de empregos. Isso que gera renda e faz a economia girar. Meu esforço ao trabalhar alternativa nas PECs tem um objetivo estratégico de, independentemente de partido, alavancar o crescimento econômico.
P. Ainda que a reforma da Previdência não tenha sido concluída já se começa a falar nas propostas de uma reforma tributária. Acredita que ela terá também forte aceitação ou será uma discussão mais complexa com a sociedade?
R. Acompanho a discussão há muitos anos e acho que agora tem chances de sair. Conseguimos um milagre dentro de uma conjuntura adversa: 27 governadores celebraram um termo de concordância para a reforma tributária. Por que no Brasil sempre na hora "h" não deu certo? Por falta de entendimento com os Estados. Mas com um olhar de desburocratização, olhando para o empreendedor, com cuidado com os pequenos, com a população de baixa renda, o que estamos fazendo é um projeto que unifica vários tributos em dois tributos. Você terá o ICMS, o IPI, O ISS, vários que serão unificados, o imposto sobre bens, direitos e serviços. Ele será aplicado no Brasil inteiro com apenas três alíquotas. Uma mais baixa para a cesta de consumo prioritária da população, alimentos, medicamentos etc., uma intermediária para aquilo que é considerado normal no dia a dia do consumo e uma mais elevada para o supérfluo. Ele é semelhante ao projeto do Bernado Appy, que o Baleia Rossi trouxe para a discussão no Congresso e nossa ideia é discutir a proposta ancorada neste projeto. Uma transição em dez anos, o fim da guerra fiscal, o fim da bi e da tri tributação que há no Brasil. Da mesma forma, no Governo Federal vamos ter a unificação de tributos da União, no imposto sobre serviços. Essa mudança é um passo muito grande e acho que vai contribuir para acelerar crescimento.
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