O PROAJA e a redução do analfabetismo no Piauí
O IBGE divulgou a PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Continua) referente ao ano de 2023, nesse final de março de 2024. Essa pesquisa é realizada todo ano, tomando como data-base a situação do último dia do mês de maio. Como é uma pesquisa por amostragem, os resultados são consolidados apenas para o país, os estados, as regiões metropolitanas e capitais; não há resultados por município.
Os dados sobre o nível educacional da população agora são pesquisados pela PNAD todo ano, inclusive a taxa de analfabetismo de jovens, adultos e idosos.
Para o Piauí, a divulgação da PNAD-C de 2023 é muito importante por causa do PROAJA – Programa de Alfabetização de Jovens, Adultos e idosos, um grande programa de alfabetização desenvolvido pela Secretaria Estadual de Educação, em 2021 e 2022. Como os cursos do PROAJA só foram concluídos no segundo semestre de 2022, a PNAD realizada com base na situação do mês de maio daquele ano não captou o impacto do Programa. Agora sim, podemos analisar seu real impacto.
Por outro lado, o Censo Demográfico de 2022 ainda não divulgou os resultados sobre educação. A vantagem do Censo Demográfico em relação à PNAD é que teremos o resultado para cada município. Mas, como a data-base do Censo é o mês de julho, os números do Censo de 2022 também não captarão o impacto do PROAJA.
É importante esclarecer que o resultado divulgado pela PNAD-C considera a autodeclaração do informante de cada domicílio pesquisado. É uma afirmação do próprio analfabeto (que assim se considera) ou da pessoa que informa o nível de escolaridade de todos as pessoas residentes naquele domicílio. Não é um dado “governamental”, informado pelas Secretarias Municipais e Estaduais de Educação. Essa metodologia dá maior fidelidade ao dado.
Vamos, então, aos dados sobre o Piauí. A taxa de analfabetismo das pessoas com 15 anos ou mais foi de 13,3% em 2023. Um avanço: qual o significado dele? Primeiro, vamos situá-lo na evolução histórica da taxa de analfabetismo nas últimas três PNADs:
- em 2016, a taxa de analfabetismo no Piauí era de 16,1%, ou seja, 398.000 analfabetos, em termos absolutos;
- em 2022 (pois não houve a pesquisa sobre educação em 2020 e 2021 devido à COVID), a taxa de analfabetismo foi de 14,8%, ou seja, 383.000 analfabetos, em termos absolutos;
- em 2023, com a taxa de analfabetismo de 13,3%, o número de analfabetos em termos absolutos, é de 344.000 pessoas.
A Tabela 7111 da PNAD-C de cada ano apresenta os resultados em números absolutos, por idade e sexo. E a Tabela 7112 apresenta os dados por idade, cor e raça. E a tabela 7113 apresenta os mesmos dados em percentual. Como os dados são cumulativos para cada grupo de idade, fica difícil ter informações mais precisas para cada faixa etária.
Mas, pode-se perceber que os analfabetos estão concentrados nas faixas etárias de 40 a 59 anos e sobretudo de 60 anos e mais.
É muito pequeno o número de analfabetos de 15 a 19 anos (2.000 dos 344.00!). Com certeza tem crescido a alfabetização efetiva na idade certa, com os esforços realizados nesse sentido. Mas talvez haja um exagero dos informantes familiares em considerar todas as crianças e adolescentes até 14 anos que estão na escola como alfabetizados.
Também é relativamente pequeno o número de analfabetos de 20 a 39 anos: 35 mil pessoas (!). Como o FUNDEF, que iniciou em 1997, está com 27 anos de implantação, é razoável que seu impacto tenha chegado até essa faixa etária.
Mesmo entre os que estão na faixa etária de 40 a 59 anos, a taxa de analfabetismo caiu de 26,7% para 17,27% e entre os de 60 anos e mais, a taxa caiu de 40,4% para 35,5%.
Com relação à taxa geral de analfabetismo para jovens, adultos e idosos de 15 anos e mais, podemos destacar alguns aspectos:
a) em seis anos (2016 a 2022) a taxa de analfabetismo caiu 1,3%, ou seja, 15 mil pessoas em termos absolutos;
b) em apenas um ano (de 2022 para 2023) a taxa de analfabetismo caiu 1,5%, ou seja, 39.000 pessoas em termos absolutos. Mais do dobro da redução em seis anos.
Como consequência, o Piauí não tem mais a maior taxa de analfabetismo do país; tem uma taxa menor que a de Alagoas que é de 14,2%. A taxa de analfabetismo no Brasil para pessoas com 15 anos ou mais é de 5,6%; isso equivale a 9,6 milhões de pessoas.
Esse resultado para o Piauí revela que houve uma intervenção de política pública no processo. Essa intervenção foi o PROAJA!
O lançamento do PROAJA foi uma medida corajosa, ao destinar boa parte dos recursos dos Precatórios do FUNDEF para a alfabetização de jovens, adultos e idosos. O Programa assumiu algumas recomendações que os estudiosos dos programas de alfabetização têm feito:
a) instituiu uma bolsa para os alfabetizandos;
b) admitiu a pluralidade de metodologias;
c) flexibilizou a formação de turmas em espaços que não fossem escolas, para oferecer aulas o mais próximo possível dos alfabetizandos;
d) envolveu entidades da sociedade civil na busca ativa dos analfabetos e na execução do Programa;
e) a maior inovação: foi o primeiro programa público de alfabetização que fez um teste diagnóstico final com avaliação externa (ou seja, o teste não foi aplicado pelo professor);
f) a condicionalidade da última parcela da bolsa à matrícula para continuar os estudos em EJA.
Os dados gerais da execução do PROAJA ainda não foram divulgados. A meta era alfabetizar 200.000 dos estimados 400.000 analfabetos. A matrícula foi maior que 200.000 (declaração pública dos governantes), mas não se tem ainda o dado oficial das turmas contratadas e iniciadas, com seu total de alunos. E não se tem as taxas gerais de evasão e de aprovação no teste final.
De todo modo, alfabetizar cerca de 40 mil pessoas em um ano, para os padrões de alfabetização de adulto no Brasil, é um dado significativo. O resultado poderia ter sido bem maior.
Como o pleno funcionamento do PROAJA coincidiu com um ano eleitoral, houve um combate de lideranças da oposição contra o Programa. Foram criados problemas para a utilização dos recursos (sobretudo os juros do precatório), e aconteceu mesmo a suspensão das atividades do Programa por um mês, por decisão judicial, atendendo demanda de parlamentares da oposição. Antes tinha havido a suspensão das aulas por um mês, por causa do recrudescimento da COVID.
Interrupções de um ou dois meses mesmo separados, num curso de seis meses, cria problemas para o processo de aprendizagem e estimula a evasão.
Houve também problema de gestão. O atraso no pagamento das bolsas para os alfabetizandos gerou insatisfações e também evasão de alunos e professores.
A liberação para os executores de 40% dos recursos apenas no final do contrato, limitou a ação mais eficiente das entidades. E no final, houve atraso na liberação da última parcela, o que resultou em pagamento atrasado para os alfabetizadores.
É imprescindível fazer uma análise mais ampla e aprofundada do PROAJA, considerando o conjunto dos dados. Com certeza, temos muitas lições a aprender.
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