"No Brasil mulher não pode ter opinião. Querem uma primeira-dama reborn", Marcelo Rubens Paiva
Marcelo Rubens Paiva vê má vontade de “muitos” com Janja

Autor do livro “Ainda Estou Aqui”, Marcelo Rubens Paiva comentou, em entrevista à Folha, os ataques direcionados à primeira-dama, Janja da Silva. Para o escritor, que já se encontrou com Janja e o presidente Lula em duas ocasiões, a primeira-dama é alvo de preconceito por parte de conservadores, da esquerda e da imprensa. Na intimidade, ao contrário da percepção de muitos, o casal demonstra harmonia. “Muitos não entendem Janja”, afirmou.
No intervalo de 20 dias, encontrei-me duas vezes com o casal presidencial. As suspeitas de que Janja é perseguida pela ciumeira da esquerda velha e de conservadores, que não veem possibilidade de uma esposa influir nas decisões do marido, se confirmaram.
Muitos não entendem Janja. Me diziam que ela afastou Lula dos amigos, que o fez parar com hábitos antigos, como beber e fumar charutos com alguns jornalistas, das entrevistas.
Lula me contou que parou de fumar porque ficou sem ar numa viagem e que quase não bebe, pois quer viver até 110 anos.
O primeiro encontro com o casal ocorreu em uma visita fora da agenda oficial. Eu estava em Brasília, Lula e Janja souberam, me chamaram, e fui rever o amigo de longa data; nos conhecemos quando ele era líder sindical. Naquela ocasião me dei conta de que ele é personagem das minhas três autobiografias, “Feliz Ano Velho” (1982), “Ainda Estou Aqui” (2015) e “O Novo Agora” (2025). Levei este último autografado. (…)
Janja me confidenciou que, depois de estudar ciências sociais na Universidade Federal do Paraná, e MBA em gestão social, foi trabalhar na Itaipu Binacional e admitida no curso de um ano da Escola Superior de Guerra, em que teve contato com as minúcias de uma GLO. Ao não assinar, Lula conseguiu barrar a blitzkrieg, que por pouco não atravessou a porta dos quarteis.
Certa vez, me descreveram Janja como a cuidadora de um velhinho. O que se percebe ali é um casal em plena harmonia, sintonia, saudável, feliz. Um parece adivinhar o que o outro pensa. Por vezes, um completa a frase do outro. O que se vê ali é cumplicidade, com brilho nos olhos e amor. Quem está ao redor admira ou inveja. Por isso Lula quer viver 110 anos.
Vinte dias depois, 20 de maio, fui com meu filho Joaquim, 11 anos, ao Palácio Capanema, no Rio. A família implorara para ele ir com a camisa do Corinthians, mas não adiantou. Vestiu um impecável terno azul e gravata. Nos colocaram numa saleta da biblioteca. Faríamos uma surpresa.(…)
A má vontade com a esposa do presidente se tornou uma verruga jornalística. Se ela viaja com o marido, calculam o gasto, como se ela estivesse passeando com o maquiador. É Janja quem se reúne com a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) para debater iniciativas contra a fome e a pobreza.
Se ela fala num almoço privado, questionam se não deveria ter ficado quieta. A conversa foi vazada por um ministro. Isso sim deveria causar perplexidade. Mas o comentário de uma mulher, num jantar a portas fechadas, no país em que vazamento não existe como figura de linguagem, foi o assunto.
Não querem Lula na Rússia, nem na China, buscando redesenhar o comércio mundial. E querem uma primeira-dama reborn, um cabide sem voz, sem ouvido, sem olhos, porque no Brasil mulher não pode ter opinião, nem se meter em conversa dos maridos.(…)
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