Governo publica MP com mudanças tributárias para elevar arrecadação
Nova medida provisória substitui decreto criticado pelo Congresso e propõe taxação sobre LCI, LCA, fintechs, JCP e apostas eletrônicas

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva publicou na quarta-feira (11) uma Medida Provisória (MP) que reformula a tributação sobre aplicações financeiras e setores específicos, como fintechs e casas de apostas online. A iniciativa, divulgada em edição extra do Diário Oficial da União, substitui o decreto anterior que aumentava o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) — alvo de fortes críticas no Congresso — e é considerada estratégica pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para ampliar a arrecadação e atingir metas fiscais. A expectativa é arrecadar R$ 10 bilhões em 2025 e até R$ 20 bilhões em 2026.
Principais alterações tributárias
A nova MP traz mudanças abrangentes na estrutura de tributos federais:
Tributação de aplicações financeiras: O Imposto de Renda (IR) passa a ter alíquota única de 17,5% sobre todos os tipos de rendimentos, incluindo criptomoedas. A mudança substitui o modelo regressivo atual (de 15% a 22,5% conforme o prazo da aplicação).
Término da isenção de títulos incentivados: Títulos como LCI, LCA, CRI, CRA, CPR, LIG, LCD e debêntures de infraestrutura terão IR de 5% em novas emissões a partir de 2026. Rendimentos obtidos até 31 de dezembro de 2025 permanecem sob as regras atuais.
Fim de benefícios ao Juros sobre Capital Próprio (JCP): A alíquota sobre a distribuição de JCP será elevada de 15% para 20%, com início em 2026.
Apostas online (bets): A tributação sobre o faturamento das casas de apostas sobe de 12% para 18%. A arrecadação adicional será direcionada a ações na área de saúde.
CSLL para fintechs e seguradoras: A Contribuição Social sobre o Lucro Líquido sobe de 9% para 15% para essas empresas. Já para os bancos, a alíquota permanece em 20%.
Aluguel de ações: Passa a ter alíquota de 17,5% sobre os ganhos.
Hedge no exterior: Operações de proteção cambial realizadas no exterior passam a ter o mesmo tratamento tributário que as feitas em bolsa nacional.
Compensação de perdas e ganhos: A MP permite compensar lucros e prejuízos entre todos os tipos de aplicações, e não apenas em renda variável.
Restrição à compensação com Darfs inválidos: A medida fecha brechas que permitiam o uso de créditos inexistentes ou não relacionados à atividade econômica para abater tributos.
Ajustes no IOF e recuos estratégicos
Paralelamente à MP, o governo recuou parcialmente do decreto anterior sobre o IOF, após forte reação no Legislativo. As principais mudanças incluem:
Crédito para empresas: A alíquota volta a ser de 0,38%, igualando-se à das pessoas físicas. A cobrança fixa de 0,95% em operações de risco sacado foi revogada.
Previdência privada (VGBL): A tributação só incidirá sobre aportes que ultrapassarem R$ 600 mil anuais, a partir de 2026 — em vez da proposta anterior de R$ 50 mil mensais.
IOF em operações cambiais: O retorno de investimento estrangeiro direto passa a ser isento. Já remessas, cartões pré-pagos, cheques viagem e saques no exterior terão alíquota de 3,5%.
Fundos FIDC: Incidência de 0,38% para aquisições primárias de cotas por instituições financeiras, como forma de nivelar o setor.
Medidas administrativas e sociais
A MP também introduz mudanças administrativas com impacto fiscal:
Auxílio-doença (Atestmed): O benefício por via documental passa a ter duração de até 30 dias (antes eram 180).
Programa Pé-de-Meia: Passa a compor o piso constitucional da educação.
Seguro Defeso: Ganha novos critérios de acesso e fica sujeito à dotação orçamentária.
Regimes previdenciários: A compensação financeira entre o RGPS e os regimes próprios de servidores também dependerá de disponibilidade orçamentária.
Reação política e crise com o Congresso
A MP foi mal recebida por lideranças do Congresso, especialmente dos partidos União Brasil e Progressistas (PP), que juntos somam 109 deputados e controlam quatro ministérios. Em nota conjunta, os presidentes das legendas, Antônio Rueda e Ciro Nogueira, afirmaram que rejeitarão a proposta sem cortes de gastos. A insatisfação também tem relação com o atraso no pagamento de emendas parlamentares.
Para conter a crise, o governo liberou R$ 250 milhões em emendas apenas na quarta-feira (11). A ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, afirmou que os pagamentos começarão no fim de semana. A lentidão teria sido causada por ajustes exigidos pelo STF nos sistemas de execução orçamentária.
Apesar da resistência, o ministro Haddad tentou minimizar o impasse, afirmando que “nenhuma medida da Fazenda foi aprovada sem negociação” e que a posição de líderes como Hugo Motta (Republicanos-PB), presidente da Câmara, reflete “uma fala de prudência”.
Contradições no Legislativo
Enquanto criticam os aumentos de tributos, deputados protocolaram proposta que amplia benefícios à própria classe. Um projeto da Mesa Diretora da Câmara, liderado por Hugo Motta, propõe o fim da proibição de acúmulo entre aposentadoria parlamentar e salário de cargo eletivo. Se aprovado, parlamentares poderão receber ambos simultaneamente. A proposta também institui pagamento de gratificação natalina para aposentados e pensionistas do regime próprio da Casa. O texto não apresenta estimativa de impacto fiscal.
Lula atua diretamente para salvar MP
Diante do risco de derrota, o presidente Lula intensificou pessoalmente as articulações com o Congresso, ligando para parlamentares estratégicos, como Hugo Motta. O objetivo é garantir ao menos a tramitação da MP, que já tem força de lei, mas depende da aprovação em até 120 dias para se tornar definitiva.
Nos bastidores, líderes do Centrão exigem compensações com cortes de despesas e ajustes na proposta para viabilizar sua aprovação. O governo, por sua vez, argumenta que as medidas corrigem distorções, ampliam a base de arrecadação e evitam aumento da carga sobre o consumo e o trabalho.
Risco de contingenciamento
A equipe econômica teme que a eventual rejeição da MP leve a bloqueios automáticos no Orçamento de 2025, comprometendo inclusive as emendas parlamentares. O novo arcabouço fiscal prevê travas rigorosas em caso de frustração de receitas. O governo aposta agora na capacidade de articulação política e no cumprimento das promessas de liberação de emendas para evitar um revés que pode comprometer seu esforço de reequilíbrio fiscal.
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