Em defesa da ação administrativo-programática, da articulação federativa e da "militância institucional", por Antônio Jose Medeiros
Um dos fundadores do PT faz "uma contribuição pessoal despretensiosa"
1. As bienais de arte são famosas no Brasil e no mundo. São famosos também os Festivais de Cinema bienais. O Brasil está inventando o calendário político bienal: depois das eleições de 2024 só se fala nas eleições de 2026. Consequência do eleitoralismo e do carreirismo político que afeta a política brasileira. E 2025, que poderia ser o ano de destaque da ação administrativo-programática, vira um simples intermezzo.
2. Lembrei de Pascal: “só há duas espécies de loucura – a que exclui a Razão e a que reduz tudo a ela”. E nele me inspiro: só há dois grandes desvios na política democrática - o que exclui as eleições e o que reduz tudo a elas. A frase de Pascal é bela e profunda, situa-se no nível filosófico. A minha talvez não seja estilisticamente “redonda” e situa-se no nível mais conjuntural do ensaísmo sociológico.
3. Excluir eleições é ditadura. Começa com a tomada do Executivo, em geral com apoio militar, e a suspensão ou manipulação das eleições; fecha ou ameaça o Legislativo; interfere no Judiciário; censura os meios de comunicação; reprime manifestações de massa; prende e, no limite, tortura e assassina opositores. Vivemos isso no Brasil de 1964 a 1985. Ditadura nunca mais.
4. Reduzir tudo a eleições é desencadear o ciclo vicioso do eleitoralismo. O eleitoralismo é criticável pelo “ismo”: supervaloriza as eleições = ganhar ou ganhar à o que leva ao fisiologismo = ter acesso a recursos públicos, aderindo ao governo ou controlando o orçamento (emendas impositivas, pix, RP9, etc.) à que leva ao clientelismo = distribuir benefícios a apoiadores, fazer favores individuais a eleitores ou compra direta de votos à o candidato tem mais chance de ganhar a eleição à e o ciclo se repete = fisiologismo de novo... Essa política está sendo oficializada, “legalizada” pelo Centrão. Esse tipo de comportamento político, substituiu o coronelismo dominante até os anos 1950 e casa muito bem com o capitalismo. No coronelismo, que se baseava no “voto de cabresto” a força é a propriedade da terra, o controle dos agregados. No clientelismo, a força é o dinheiro, pois no capitalismo as relações sociais e políticas tendem a ser mediatizadas pelo dinheiro.
Ação administrativo-programática
5. Quase todo mundo comenta que a eleição de 2024 foi “muito cara”, mesmo nos municípios pequenos. Na eleição para Vereador(a), sobretudo, o dinheiro (mais o público, e menos o privado) foi decisivo. E lá vem 2026: provavelmente, a eleição de Deputado(a) Estadual e Federal pode ser até mais cara... Para Senador(a), Governador e Presidente da República outros fatores interferem, felizmente.
6. Ora, em 2024, uma luz já piscou no fim do túnel: os prefeitos e as prefeitas que se reelegeram ou fizeram seu(sua) sucessor(a) “entregaram” resultados à população – obras e serviços. A imprensa nacional constatou esse fenômeno, em muitos municípios do Brasil. Usaram bem as emendas impositivas e os programas descentralizados do Governo Lula. No Piauí, ouvi falar disso sobre Floriano, União, Cristino Castro e Ipiranga do Piauí. Com certeza, houve outros casos. O Dr. Pessoa em Teresina foi o contraexemplo; sua derrota foi mais administrativa do que política. Evidentemente, o clientelismo está presente, mas a “entrega de resultados”, inspirada num programa de governo ou não, ajudou bastante.
7. Cabe à Esquerda, fazer essa luz no fim do túnel piscar mais forte nas eleições futuras. Precisa superar de vez o dilema entre social, ideológico e institucional. Para quem é governo, a ação administrativo-programática é decisiva; pode ser até a melhor “propaganda”. A comunicação, mesmo das redes sociais, mais distorce do que inventa. Mesmos nos Fake News, que influenciam conforme a quantidade de seguidores, na maioria das vezes, exploram a verossimilhança. Não esquecer que 2025 pode preparar, e bem, 2026; que, por sua vez, dá prosseguimento às propostas retomadas no Brasil e começaram em 2003 (e no Piauí, desde essa data também). A execução de um bom programa político, a eficiência e eficácia de uma administração podem (e deveriam) ter bons efeitos eleitorais, estimular o voto de opinião, nem sempre ideológico. Aliás, o sonho-raiz do PT era que “o Projeto” devia pesar cada vez na decisão dos eleitores.
8. O PT – a direção estadual e as municipais, seus deputados federais, estaduais e vereadores, seus filiados e militantes, e principalmente seus gestores – precisam combinar o debate ideológico e o engajamento nos conflitos sociais com o institucional, isto é, com o administrativo-programático. Na visão democrática que o PT defende, a disputa eleitoral do Executivo e do Legislativo será sempre uma dimensão importante da atuação do partido. Não só na época de campanhas eleitorais, para segurar bandeiras e participar de caminhadas (o que é necessário), mas durante quatro anos, pela execução do Programa apresentado na campanha eleitoral e do Projeto mais amplo que caracteriza o partido.
Articulação federativa: o protagonismo dos municípios
9. Na campanha de 2024 em Teresina, se falou muito na importância da vitória do Fabio Novo, candidato do PT e de seus coligados (parece que nem sempre aliados), pois o alinhamento entre governo municipal, estadual e federal era o caminho para “fazer mais e melhor”. Esse parece ser o melhor método de trabalho nas relações federativas; quando as posições político-ideológicas de prefeito, governador e presidente são as mesmas ou próximas, as políticas públicas chagam na ponta sem se descaracterizar.
10. O PT no Piauí e no Brasil todo, precisa se perguntar: estamos alinhados no combate ao analfabetismo, na melhoria do IDEB, na implantação da escola em tempo integral, na melhoria da infraestrutura das escolas, no cumprimento do piso salarial dos professores, na participação na OBMEP? Isso para ficar apenas na área da educação. Perguntas semelhantes deveriam ser feitas na área da saúde, saneamento, meio ambiente, assistência social, geração de renda, turismo, etc. etc. As estatísticas dos últimos 10 ou 20 anos são um alerta (falo com mais conhecimento do Piauí): o desempenho das Prefeituras dirigidas pelo PT nem sempre apresentam os melhores indicadores nas políticas públicas implementadas pelos governos do PT em nível nacional ou estadual.
11. É claro que, numa visão republicana, a cooperação federativa não se limita à articulação apenas com os prefeitos do partido e da base do Governador ou do Presidente. O Governador Rafael Fonteles já anunciou para novembro de 2024 uma reunião com todos os Prefeitos eleitos. (Já conversou com o prefeito Sílvio Mendes.) Essa iniciativa é muito boa e fundamental para a cooperação federativa. A SEPLAN conhece a posição do Piauí em relação aos demais estados do Brasil nos vários campos da situação econômica e social. Para o Piauí melhorar sua posição, os municípios - em geral, o elo mais frágil da cadeia federativa - precisam se integrar nesse esforço. Que em todos os setores o Piauí esteja entre a 1ª e a 15ª posição no Brasil; e entre a 1ª e 3ª posição no Nordeste.
12. O papel da APPM é estratégico. E os prefeitos do PT têm procurado ocupar seu espaço na entidade; talvez precise mais articulação intrapartidária. Mas não tem havido preocupação com outros instrumentos importantes da articulação federativa: na educação – UNDIME (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação – secção Piauí); na saúde, COSEMS-PI (Conselho de Secretarias Municipais de Saúde do Estado do Piauí); na assistência social – COEGEMAS (Colegiado de Gestores Municipais da Assistência Social). Não tenho acompanhado a articulação que existe em outros setores da administração municipal.
13. Cabe ao PT - sua direção, seus prefeitos e seus parlamentares - valorizar os pactos que forem feitos entre o Estado do Piauí e os seus municípios para as coisas funcionarem bem nas prefeituras dirigidas pelo PT. Por outro lado, é legítimo reforçar a marca específica do Programa do Governo eleito pela maioria dos votantes, junto aqueles que trabalham na mesma direção. Cabe aos prefeitos, vices, secretários e vereadores do PT reforçar essa articulação federativa, executando o melhor possível os diversos programas e projetos em seus municípios. Cabe aos Governos Estadual e Federal reforçar esse processo nesses municípios. Cabe aos deputados estaduais e federais do partido fazer a mediação.
Militância Institucional
14. Fortalecer a participação da Sociedade Civil, ao lado da comunicação midiática e nas redes sociais, contribui para que o bom desempenho programático-administrativo seja percebido e valorizado. Vamos trabalhar o conceito e a prática da “militância institucional”, ao lado da militância sindical, popular, e nos movimentos sociais de gênero, raça, ecológicos, de pessoas com deficiência, de creche, de moradia, de transporte, LGBT, etc. etc.
15. O PT e partidos de esquerda, além dos que ocupam cargos políticos e dos que são “lideranças” (ou apoiadores) a serviço de candidaturas, dispõe de um grande grupo de filiados-militantes. Esses são os principais agentes da “militância institucional”, ao lado dos prefeitos, vices e secretários(as) que são os agentes da articulação administrativo-programática. As coisas se completam. Não se trata simplesmente de “defender o governo” do Lula, do Rafael e do nosso Prefeito, mas de ajudar a implementar bem as políticas públicas, reforçando a relação estado-sociedade civil, a articulação base-partido-governo.
Viva 2025
16. Por isso estou defendendo a importância de 2025 – cujo foco deve ser a dimensão administrativo-programática, a articulação federativa e a mobilização da sociedade civil (a célebre volta às bases). Onde somos governo, temos de “entregar, mobilizar e esclarecer”. Administrar bem é ser eficiente, ou seja, fazer as coisas acontecerem; administrar bem é também ser eficaz, ou seja, entregar resultados.
17. Os resultados ganham mais sentido (esclarecer) se for explicitada sua inspiração, num Projeto político-ideológico, no compromisso partidário. No caso do PT, um Projeto de Esquerda: LIBERDADE (democracia), PROSPERIDADE (desenvolvimento), SOLIDARIEDADE (bem estar de todos), SUSTENTABILIDADE, DIVERSIDADE. A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA da Telemática, sem ser inspirada por valores não realiza seu potencial CIVILIZATÓRIO; alimentará, pelo contrário, a “Globalização selvagem”. Ainda vou escrever sobre isto.
Tornar mais complexa as conjunturas eleitorais
18. Se avançarmos nessa estratégia com participação de nossos gestores, nossas lideranças e nossos militantes, envolvendo a Sociedade (dos pobres aos empresários, dos jovens ao idosos), as alianças político-eleitorais necessárias em 2026 podem ser feitas em outro clima, em outra correlação de força. A luz pode piscar mais forte no fim do túnel. O que a opinião pública estiver achando será levada em consideração. Aqueles que “naturalizam” o eleitoralismo, dizem: “agora é diferente do começo do PT; tem que ser assim”. É claro que é diferente, mas não tem necessariamente que ser assim. Lembremos o Belchior que se integrou maravilhosamente na voz da Elis Regina: “Minha dor é perceber / Que apesar de termos feito tudo, tudo, tudo o que fizemos / Nós ainda somos os mesmos e vivemos / Como os nossos pais. Clientelismo é o presente do passado e não o futuro no presente. Em 2025, completo 75 anos e o PT 45...
19. Não se pode projetar mecanicamente os resultados de 2024 para 2026. Prefeitos e Vereadores(as) que se elegeram influenciarão bastante na eleição de deputados estaduais e federais. Influenciarão menos nas eleições de Senador, Governador e Presidente. Para esses cargos pesam a mídia, a opinião pública, a imagem, os(as) eleitores(as). Enfim, os resultados entregues, a mobilização, a discurso.
20. A análise que toma o eleitoralismo, que é “o factual”, como “o real” (positivismo) vê a disputa política se dando apenas entre grupos e “nomes influentes de referência”. Transforar o “factual” conforme o possível é criar um novo Real (dialética). O Real é sempre mais complexo; mistura processo e projeto. Mas é preciso ter rumo e foco.
21. No Piauí, as siglas estão baralhadas: os deputados estaduais do MDB e PSD estão todos no PSD e os deputados federais do MDB e PSD estão todos no MDB. Mas se articulam com seus partidos em nível nacional. O PT, além de ter formado uma Federação com PC do B e PV (este último com posição ambígua no Piauí), também “acolheu originados de outras siglas”, embora ainda mantenha, em parte, o caráter de partido. O PP mantém uma articulação nacional; a União Brasil nem tanto, bem como os Republicanos, que nessa eleição era o partido em que o prefeito de Teresina estava. E as várias lideranças políticas procuram ter seu espaço em outras siglas, às vezes se identificando com a sigla nacionalmente. Cito os que elegeram prefeitos no Piauí: PDT (07), Solidariedade (04), PSB (02), Podemos (“01); e os maiores: a PT (50), PSD (65), MDB (57), PP (34), União (01) e REP (03).
22. De fato, “as lideranças de renome” desempenham papel considerável. O desafio do PT e do governador Rafael, articulado com o senador e ministro Wellington Dias e os deputados federais - precisando incorporar mais os deputados estaduais - é trabalhar no sentido de manter a aliança com o MDB (federação de lideranças regionais sob coordenação de Marcelo Castro e Themístocles, e aliado nacional) e o PSD (liderança unificada de Júlio César-Georgiano, e que assume posições diversas em nível nacional). E também as outras siglas, forças, e nomes de referência que estão no PSB (Wilson Martins), Solidariedade (Evaldo), PDT, etc.
23. A Oposição, pelas vitórias em Teresina, Parnaíba e Floriano, vai tentar se articular, embora tenha eleito apenas 35 prefeitos. A referência principal é Ciro Nogueira (PP); Mão Santa, que está no PP, de fato é sobretudo mãosantista e “príncipe parnaibano”. Sílvio Mendes retoma o papel de referência (ainda visto mais como PSDB que como União Brasil); sua base estadual tem limitações. Como a eleição é também para Presidente da República, e Ciro se envolveu muito com o bolsonarismo, pode haver uma “nacionalização” da disputa pelo menos para governador. Na eleição de 2022, os prefeitos de Teresina, Parnaíba e Floriano já eram oposição estadual, assim como o de Picos que foi derrotado; e o impacto na eleição de governador e presidente foi diversificado.
Continuação (não é conclusão)
24. Lembrei do Nêgo Bispo: “não é começo, meio e fim; é começo, meio e começo”. Evidentemente, a análise aqui apresentada preocupou-se em articular disputa eleitoral com ação administrativo-programática, articulação federativa e militância institucional em torno das políticas públicas. Precisa ser completada com uma maior discussão sobre as questões econômicas, inclusive a mobilização de investimentos externos, sobre a base social (classes populares urbanas e rurais, classe média, empresariado, universidades, etc.) que é o que dá sustentação a uma força política para além de eleições e pode garantir as mudanças estruturais que o Piauí vem tentando há anos.
25. E nessa discussão o contexto nacional e global não podem faltar. E fique claro que a ampliação da análise não é tarefa de uma pessoa, mas depende da construção de uma esfera pública, onde há debate e disputa em torno de um amplo conjunto de fatores que estão envolvidos em toda convivência histórico-social. Vamos ampliar esse debate em 2025.
Deixe sua opinião: