É necessário sempre acreditar que o sonho é possível
Neste 13 de maio, o Pensar Piauí conversou com o professor de Sociologia Kaire Aguiar sobre a data e as questões negro-africanas no Brasil.
O 13 de maio foi desenhado para ser o dia da celebração da benevolência branca para com os africanos negros que foram escravizados durante 400 anos no Brasil através da assinatura da Lei Áurea. Para o professor Abdias Nascimento, em sua obra fundamental “O Quilombismo: Documentos de uma Militância Pan-Africana”; [...] ‘o registro da história assinala que os primeiros africanos escravizados chegaram logo após a invasão de Pedro Álvares Cabral às terras dos indígenas, pela orla marítima aonde atualmente localiza-se o estado da Bahia. Cabral recebeu as honras de “descobridor” de um território há milênios habitado por outros seres humanos não europeus. Logo depois da “descoberta”, em 1500, os negro-africanos escravizados iniciaram o plantio de cana-de-açúcar”.
Segundo o Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil foi o país que mais recebeu negros-africanos escravizados entre os séculos XVI e XIX, com cerca de 4 milhões de homens, mulheres e crianças advindos de diversas regiões africanas, sendo os primeiros da região do Congo-Angola e os últimos da Yorubalândia (território hoje composto pela Nigéria e Benin).
Ao ser questionado sobre o 13 de maio o professor de Sociologia Kaire Aguiar destaca um “contraponto” com o 20 de novembro, data em que se celebra Zumbi dos Palmares.
“Desde que eu me entendo dentro do movimento negro existe este debate principalmente relacionando o 13 de maio e o 20 de novembro e eu nunca fui de relacioná-las até por conta da importância que a branquitude coloca nesta data, principalmente na figura da princesa Isabel desde o momento em que fomos ensinados na escola a entender que ela foi benevolente e magnânima ao assinar a Lei Áurea, o que é uma narrativa falsa, já que havia toda uma luta e uma pressão para que a lei fosse assinada, principalmente por questões econômicas para o Brasil”.
O processo ao qual o professor Kaire se refere é a conjunção de três fatores fundamentais: mobilização dos negros-africanos, que não aceitavam sua condição e construíram Quilombos como ato de resistência político-cultural; grupos abolicionistas compostos cujo destaque é nomeadamente dado a Luíz Gama, José do Patrocínio e André Rebouças e a pressão inglesa desde a promulgação da Leio Eusébio de Queirós, em 1850, que proibia o tráfico negreiro no país e a Lei do Ventre Livre.
Quando a Lei Áurea foi assinada, haviam aproximadamente 700 mil pessoas escravizadas no Brasil.
Quilombos: via contrária
Negros-africanos nunca aceitaram sua condição de escravizados de maneira natural. O êxodo forçado de sua terra-mãe teve uma resposta assim que foram instalados no Brasil e há indícios de construções de Quilombos já a partir de 1575. Centros de preservação da cultura africana e locais utilizados para reconstrução de hábitos africanos, os quilombos foram amplamente combatidos pela Coroa portuguesa, que os via como uma ameaça iminente.
“Os quilombos são uma via contrária. Para Audre Lorde, em Irmã Outsider, ela entende o fenômeno do racismo como uma forma de cegueira humana, a inabilidade de reconhecer o conceito de diferença como uma força humana dinâmica mais enriquecedora do que ameaçadora. A ideia de Quilombo é revolucionária para os nossos ancestrais e para nós com a ideia de Aquilombamento que temos hoje em dia, porque estabelecemos a partir dos estigmas que atravessamos de que não precisamos estar sozinhos, pois o coletivo é mais forte e faz a diferença”, reiterou Kaire Aguiar.
500 anos de Brasil e o Brasil em nada mudou
De acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego, somente em 2023, mais de 3 mil trabalhadores foram resgatados de condições análogas à escravidão no Brasil. A “Lista Suja” do trabalho escravo teve uma adição de 248 empregadores em abril de 2024, o maior número já registrado na história, de acordo com o TEM. Destes, 43 estavam concentrados no trabalho doméstico.
Sankofa
“Se wo were fi na wosan kofa a yenki”, o provérbio em língua Akan, falado em Gana, Togo e Costa do Marfim e representado pelo adinkra do pássaro que olha para trás se traduz como “não é tabu voltar atrás e buscar o que esqueceu”.
“A gente bate na tecla que é necessário que nossas pessoas possam ter esse cuidado. Eu acredito que este seja um momento de reflexão e resgate da ancestralidade, da ideia que nossos ancestrais sonharam para nós. A ancestralidade é muito necessária a partir do momento em que se olha para trás para pensar o futuro. Olhamos o passado para enxergar o que queremos para o futuro, nossos filhos e netos e esta ideia de quilombo se faz necessária para criarmos espaços seguros para que as futuras gerações possam crescer, viver, ter dignidade e vida, principalmente”, finalizou.
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