Dr. Pessoa, "momento Mão Santa 2" e a dialética de Hegel
Muita gente teve dificuldade de definir seu voto, no segundo turno em Teresina. A verdade é que Teresina cansou da gestão do PSDB. É a chamada “fadiga administrativa”: quando o mesmo partido, grupo ou liderança permanece muito tempo no comando, a administração passa a ser dominada pela rotina e perde a capacidade de inovação; é vista como “mais do mesmo”. Cresce então o desejo de mudança. E a mudança vem de qualquer jeito!
A eleição do Dr. Pessoa é, em parte, o “momento Mão Santa 2”, tipo o que aconteceu em 1994. A eleição seria “um passeio” para o Átila, candidato do então PFL. Nenhum político tradicional aceitou ser candidato, pois a derrota era certa. Ninguém quis sequer ser vice; entrou o Osmar Araújo, uma liderança sindical rural. Nos últimos dois meses a eleição virou. A longa e forte dominação do PFL foi desconstruída pelo “deboche” do Mão Santa.
A longa dominação de mais de 30 anos do PSDB em Teresina terminou sendo “derrubada” pela linguagem embaralhada do Dr. Pessoa. O populismo do Mão Santa é mesclado com espetáculo planejado. O populismo do Dr. Pessoa é mais autêntico, por sua origem social e sua história pessoal.
É claro que o desgaste do PSDB tem outras razões. A herança do carisma de Wall Ferraz não existe para as novas gerações. A administração, que era predominantemente técnica, ficou cada vez mais fragmentada e clientelista, embora o Kleber seja remanescente do grupo técnico. Exceto o Sílvio Mendes, novas lideranças não foram projetadas como referência de massa (problema que atinge todos os partidos, inclusive o PT). Em nível nacional, o PSDB caminhou para a direita; e o Firmino, embora permaneça um socialdemocrata, teve que se adaptar.
Há outro problema que terminou influenciando na conjuntura do segundo turno: em 30 anos, o PSDB não conseguiu se implantar nos municípios do interior. Elegeu 7 prefeitos e 120 vereadores em 2016; e em 2020, elegeu apenas um prefeito e 28 vereadores. Isso levou o PSDB do Piauí a se tornar, eleitoralmente, uma linha auxiliar do PP (Progressistas). O Firmino, uma liderança com projeção própria, tornou-se uma “peça no xadrez” de Ciro Nogueira, que quis transformar as eleições municipais de 2020 em prévia das eleições estaduais (e nacionais) de 2022. Firmino será candidato a que em 2022? Depende do Ciro... É triste.
Dr. Pessoa desta vez contou com uma “estrutura de campanha”, que lhe faltou de outras vezes e lhe esgotava as forças na reta final. Sua administração é imprevisível. Ele tem sensibilidade para as causas sociais. O problema é a margem de autonomia que ele terá em relação aos “sedentos” políticos tradicionais do MDB que patrocinaram sua campanha. E depende em alguma escala de sua capacidade de conviver com um Vice-prefeito no mínimo “problemático”.
O futuro político do Dr. Pessoa também é imprevisível. Ele já passou por sete partidos: pelo PMDB, foi candidato a prefeito em Água Branca (1988) e Lagoinha do Piauí (1996); pelo PDS (antiga ARENA), em 1990, foi candidato a deputado estadual; pelo PPS, em 2000, elegeu-se vereador em Teresina e não se elegeu deputado estadual em 2002; pelo PDT, em 2004 e 2008, reelegeu-se vereador; pelo PSD, em 2012, conquistou mais um mandato de vereador, em 2014 elegeu-se deputado estadual e perdeu a disputa da Prefeitura em 2016; pelo Solidariedade, foi derrotado para o governo em 2018; e em 2020, elegeu-se prefeito de Teresina pelo MDB. Onde ele estará em 2022?
O Fábio Novo fez certo em conversar com o Dr. Pessoa, sobre que projetos do programa defendido pelo PT nestas eleições, ele assumia. Eu defendi que o PT apresentasse suas prioridades e até participasse do governo para contribuir. É assim nos países de sociedade civil mais atuante e de partidos programáticos. Lembremos como os Partidos Verdes e outros se comportam na Europa para compor as maiorias. Nesse nosso Brasil, tudo é interpretado numa narrativa rasteira, puxada por políticos tradicionais e repercutida por alguns(algumas) jornalistas.
A administração pública de Teresina não é a beleza que o PSDB tenta vender na mídia. Mas tem seus aspectos positivos; é mais moderna que a média da administração pública no Piauí. Esse nível alcançado precisa ser preservado.
O Fábio Novo era o candidato certo na hora certa para essa missão: mudar, melhorando; superar o nível já conseguido (e que vinha perdendo força); fazer “muito mais para Teresina”. O PT não conseguiu passar essa mensagem para a população, pois vem atravessando uma séria crise no país e no estado; em Teresina, essa crise é mais grave desde a morte da Trindade. O partido caminhou para o insulamento nos órgãos públicos, sem presença cotidiana na vida social, sobretudo na periferia. E deixou de “fazer a diferença” no tradicional cenário político-partidário, com as ambiguidades e contradições das coligações que são meras “alianças eleitorais sem programa”, e levam ao fatiamento dos governos.
Lembrei-me da dialética do velho Hegel (1770-1831). A vida do Espírito e a História real são movidas por um movimento dialético com três momentos: tese, antítese e síntese, ou como ele os denominava: afirmação, negação e “negação da negação”.
A natureza do terceiro momento é que é decisiva, pois é o que faz a Razão se concretizar em novas instituições e a História avançar. Na síntese ou em a “negação da negação” acontece a Aufhebung, palavra traduzida muitas vezes como superação. Especialistas propõem um termo mais complicado - “supraassunção”, pois segundo eles expressa melhor o original alemão que expressa as ideias de conservação-elevação, isto é, “assumir o atual em um nível superior”. Só existe Progresso se a superação conservar as conquistas civilizatórias dos momentos anteriores.
Às vezes, aparece mais a negação; na dinâmica ulterior dos fatos, porém, novas alternativas vão surgindo. É o que Hegel chama “astúcia da Razão”. O desafio para Teresina é buscarmos essa astúcia da Razão na vitória do Dr. Pessoa, ou melhor, na derrubada do PSDB.
Se ficarmos apenas preocupados com quem se junta com quem, vamos continuar reproduzindo a velha prática dos partidos no Brasil, que só faz aumentar o descrédito da Política. Sem a “negação da negação” (novo projeto e nova prática), o limite do voto é o protesto e não a mudança.
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