Política

Do Sertão ao Deserto, com quibe e cuscuz: a travessia política do Nordeste no Oriente Médio

A Missão Brasil Nordeste se tornou uma travessia onde o Sertão encontrou o Deserto, e o Nordeste, ao se mostrar ao mundo, se reconheceu como potência


Reprodução Do Sertão ao Deserto, com quibe e cuscuz: a travessia política do Nordeste no Oriente Médio
O NE nas arabias

Por Glauber Piva, jornalista, na Fórum

Mais de sessenta pessoas. Oito estados. Três países árabes. Se fosse apenas uma missão institucional, já teria sido relevante. Mas o que se viveu entre Doha, Riade, Abu Dhabi e Dubai foi mais que uma sequência de reuniões e visitas técnicas: foi uma travessia — poética, política e concreta — onde o Sertão encontrou o Deserto, e o Nordeste, ao se mostrar ao mundo, se reconheceu como potência.

A Missão Brasil Nordeste – Países Árabes, liderada pelo Consórcio Nordeste com apoio estratégico da ApexBrasil, Banco do Brasil, BNDES e Banco do Nordeste, levou ao Oriente Médio um portfólio robusto de projetos estruturantes, organizados em cinco eixos: transição energética, economia digital, bioeconomia e agroindústria, infraestrutura e logística, e turismo. Foram apresentados empreendimentos como o Hub de Transição Energética em Pernambuco, o Distrito de Inteligência Artificial no Ceará, o Canal do Sertão em Alagoas e o Complexo Portuário da Bahia. Ao todo, mais de R$ 60 bilhões em projetos foram ofertados a fundos soberanos, investidores privados e instituições de fomento.

Mas algo ali se deu para além dos números. A missão se realizou numa atmosfera de sinergia rara: não era o Brasil se apresentando ao mundo como um todo genérico e disperso. Era o Nordeste — com identidade, articulação, sotaque e planejamento — buscando cooperação, não subordinação. Foi uma demonstração clara de paradiplomacia regional, liderada por um consórcio que hoje se consolida como a maior inovação institucional brasileira das últimas três décadas.

Uma costura rara: território, finanças e política industrial

A travessia árabe do Nordeste ocorreu no mesmo momento em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciava, em Salgueiro (PE), uma iniciativa inédita: uma chamada pública de R$ 10 bilhões para o desenvolvimento estratégico da região, no âmbito da Nova Indústria Brasil. Serão apoiados projetos de energia renovável, bioeconomia, hidrogênio verde, data centers sustentáveis, integração da agricultura familiar e descarbonização.

O anúncio, feito com apoio do BNDES, BB, BNB, Caixa e Finep, e com coordenação técnica da Sudene e do Consórcio Nordeste, sinaliza algo profundo: a costura entre território, política industrial e estrutura financeira está sendo feita — e o Nordeste está no centro dessa equação.

Chegar ao Oriente Médio com esse respaldo técnico e político transformou a missão em algo maior: uma demonstração de maturidade federativa, que reposiciona o Nordeste como sujeito estratégico do Brasil no mundo.

Portos verdes, painéis solares e rearborização do futuro

Entre as visitas técnicas realizadas, destacam-se o Parque Solar Mohammed bin Rashid Al Maktoum, em Dubai, e o Porto Jebel Ali, ambos referências globais em inovação e sustentabilidade. No parque solar, vimos uma usina que opera 24h por dia e que tornou evidente uma limitação brasileira: a ausência de linhas de transmissão que integrem a produção renovável do Nordeste ao restante do país.

No porto, emergiu a urgência de dotar o Nordeste de uma infraestrutura logística compatível com seu potencial exportador — e comprometida com a agenda ecológica. Portos verdes não são retórica: são necessidade e possibilidade.

No ICBA (Centro Internacional para Agricultura Biossalina), uma espécie de Embrapa dos Emirados, abriu-se um diálogo inédito para pesquisa conjunta com foco na Caatinga. A proposta, costurada pelo Consórcio Nordeste, é construir uma ponte entre o ICBA e a Embrapa, voltada ao desenvolvimento de tecnologias sociais e produtivas para o semiárido. O bioma tantas vezes invisibilizado pode agora se tornar referência global em segurança alimentar e adaptação climática.

De flertes a compromissos: a diplomacia do passo firme

As reuniões bilaterais entre estados e fundos árabes deram frutos. O governador Rafael Fonteles (PI), que presidiu a missão, finalizou sua agenda em Dubai com o anúncio de uma parceria entre o Piauí e investidores internacionais para a instalação de uma planta de hidrogênio verde e amônia na ZPE de Parnaíba. Um investimento com potencial de transformar a matriz energética do estado — e do país.

"Esse é um momento histórico e um grande passo rumo a um futuro mais sustentável. Vamos juntos desenvolver esse projeto que transformará o Piauí, o Brasil e o mundo, sempre com responsabilidade ambiental e compromisso com as próximas gerações", declarou Fonteles.

Outros estados também avançaram: Sergipe firmou entendimentos sobre a modernização do terminal de regaseificação; Alagoas, Bahia, Pernambuco e Rio Grande do Norte tiveram conversas estratégicas com investidores dos setores portuário, agrícola e energético.

Entre o quibe e o cuscuz

A missão teve muito de cálculo, mas também de improviso. Foi diplomacia, mas também dança. Em Abu Dhabi, chegou-se a brincar que o Brazil Northeast Day parecia uma festa de São João imaginária, com o fundo Mubadala circulando pelas mesas como em uma quadrilha global.

Quibe com cuscuz. Sertão com deserto. Arabismos que já estavam nos nossos chapéus, nos nossos punhais, nos nossos matulões — como revela a imagem do vaqueiro nordestino traçada pela história islâmica ibérica. A missão apenas reatou os laços.

Porque, no fundo, o que se viu foi isso: um encontro. Um reencontro, talvez.

De um Nordeste que sabe para onde vai, que fala com o mundo sem perder o chão e que transforma flerte em estratégia, saudação em projeto e território em futuro.

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