Depoimento de ex-comandante da Aeronáutica complica Bolsonaro no STF
Relato direto do brigadeiro Baptista Júnior coloca em xeque a estrutura central do argumento usado pelo ex-presidente para se defender

O ex-comandante da Aeronáutica, brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior, prestou um depoimento crucial nesta quarta-feira (21) à 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), no âmbito do processo que investiga a tentativa de golpe de Estado articulada por Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados entre o final de 2022 e o início de 2023.
Durante seu testemunho, Baptista Júnior fez uma revelação impactante: segundo ele, o ex-presidente Jair Bolsonaro foi informado desde o início — por meio do então ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira — de que não havia qualquer indício de fraude no sistema eleitoral brasileiro. Ou seja, Bolsonaro agiu já ciente da integridade das urnas eletrônicas. Isso enfraquece fortemente sua linha de defesa, que sustenta que ele agiu dentro da legalidade por acreditar em irregularidades nas eleições.
O brigadeiro também afirmou que Bolsonaro tentou adiar a divulgação do relatório oficial que atestava a segurança das urnas. A publicação do documento colocaria fim às especulações sobre fraudes eleitorais, inviabilizando o discurso que servia de base para justificar um possível golpe.
Questionado pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, sobre o conhecimento de Bolsonaro quanto à lisura do processo eleitoral, o militar foi direto:
— Sim, [Bolsonaro sabia] por meio do ministro da Defesa. Além das reuniões que mencionei, era o ministro quem tratava diretamente do assunto com o presidente — declarou Baptista Júnior.
Sobre a pressão para postergar a divulgação do relatório técnico, o brigadeiro também confirmou a tentativa de interferência:
— Sim. Eu ouvi que sim [houve pressão]. Certamente outras testemunhas poderão esclarecer isso com mais precisão — afirmou.
Reuniões golpistas e resistência nas Forças Armadas
O ex-comandante da Aeronáutica relatou ainda uma reunião no Palácio da Alvorada, logo após o segundo turno das eleições de 2022, em que se discutiram alternativas para minar o regime democrático. Entre as propostas estavam a decretação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), Estado de Defesa ou Estado de Sítio — todas medidas previstas na Constituição, mas inadequadas para a situação.
Na ocasião, o então comandante do Exército, general Freire Gomes, teria reagido com firmeza ao plano, chegando a afirmar que prenderia Bolsonaro caso houvesse tentativa de golpe.
Outro episódio tenso ocorreu em 14 de dezembro de 2022, no Ministério da Defesa. Nessa data, o ministro Paulo Sérgio apresentou a comandantes militares uma minuta com o plano golpista. Baptista Júnior relatou que se recusou até mesmo a ler o documento:
— Perguntei: "O documento prevê que o presidente eleito [Lula] não tome posse em 1º de janeiro?" Ele respondeu que sim. Então disse que não aceitava nem receber o texto. Me levantei e fui embora — relatou.
Segundo o brigadeiro e também Freire Gomes, o então comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, teria se mostrado disposto a apoiar o golpe, colocando as tropas da Marinha à disposição.
Pressões e retaliações
Baptista Júnior afirmou ainda que sofreu ataques por resistir ao plano golpista. Segundo ele, essas ofensivas teriam sido ordenadas por Walter Braga Netto, então ministro da Casa Civil e candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro.
O militar ressaltou que a articulação golpista não se concretizou graças à falta de apoio unânime dentro das Forças Armadas. A divisão interna impediu a execução do plano.
O depoimento do brigadeiro representa um duro golpe para a defesa de Bolsonaro. Ele confirma que o ex-presidente tinha pleno conhecimento da lisura do processo eleitoral e, mesmo assim, agiu para sustentar uma narrativa falsa, dificultando a divulgação de relatórios oficiais e participando de articulações golpistas nos bastidores.
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