Eleições 2020

Cacique eleito prefeito em Pernambucano luta pela posse no TSE

'Negar sua eleição seria criminalizar, mais uma vez, o povo Xucuru', diz presidente de associação indígena

  • terça-feira, 15 de dezembro de 2020

Foto: Carta CapitalMarcos Xukuru, o cacique Marquinhos
Marcos Xukuru, o cacique Marquinhos

Marcos Xukuru, o cacique Marquinhos, foi eleito prefeito de Pesqueira ainda em primeiro turno. Seria o primeiro indígena a comandar a cidade, onde os povos originários somam mais de um terço da população.

Sua posse em janeiro de 2021, contudo, depende de uma decisão tomada há 2 mil quilômetros longe do agreste pernambucano. Mais precisamente, pelo ministro Luís Roberto Barroso, atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral, em Brasília. O cacique tenta reverter uma decisão do TRE pernambucano que impugnou sua candidatura.

A contestação toma como base um processo 2003 que o condenou por crime de incêndio. O caso foi levado à segunda instância do Tribunal Regional Eleitoral, que decidiu pela inelegibilidade do líder Xucuru no dia 6 de novembro.

Embora o desembargador eleitoral Rodrigo Cahu Beltrão tenha reconhecido a extinção da pena em 2016, ele recorreu à Lei da Ficha Limpa que grafa em seu art. 1º, I, “e”: “são inelegíveis os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena”. Entre os crimes está previsto o contra o patrimônio privado, que é onde se assenta o indeferimento da ação.

Inicialmente, Marcos Xukuru havia sido condenado a 10 anos e 4 meses de pena, mas recebeu um indulto e teve a pena reduzida para quatro anos e vinte dias de prestação de serviços à comunidade.

“A emboscada não foi considerada no processo”

A tribo contesta a decisão da Justiça. Guila Xucuru, presidente da Associação Xucuru, afirmou a CartaCapital que o incêndio foi causado por emboscada contra o cacique, e que ele não tem qualquer envolvimento com o ocorrido.

“Em 2003, no início do cacicado do Marcos, houve um racha dentro do território indígena, estimulado por um grupo indígena menor (Xucurus de Cimbres) ligado a um grupo político externo. A situação foi se acirrando até que houve uma tentativa de emboscada, tentaram assassiná-lo. Nessa emboscada, o cacique Marcos estava com mais três jovens e dois deles foram assassinados. Após o ocorrido, o cacique se refugiou dentro da mata, e o jovem sobrevivente foi para a aldeia mais próxima pedir ajuda. Depois disso, integrantes da aldeia (Xucurus de Orurubá), em sinal de revolta, começaram a colocar fogo em carros e casas de pessoas que tinham relação com o autor da emboscada, já reconhecido. O cacique não estava no local, nem sequer deu ordem para o que aconteceu”, conta. “A emboscada não foi considerada no processo”, acrescentou.

O presidente da associação lembra ainda que, em 2018, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o estado brasileiro a reparar os danos sofridos pelo povo Xucuru ao longo do processo de demarcação do território.

A condenação citava o atentado sofrido pelo cacique Marcos e a sua inclusão, em 2008, no Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos de Pernambuco. Em fevereiro deste ano, o governo federal depositou na conta da Associação Xukuru a indenização de 1 milhão de dólares como parte do cumprimento da sentença. Na época, a CIDH declarou o Estado brasileiro internacionalmente responsável pelas violações do direito à garantia judicial, pela violação dos direitos de proteção judicial e à propriedade coletiva previstos na Convenção Americana de Direitos Humanos.

“Não queremos que o caso dele seja visto como um caso comum, é diferente”, coloca Guila, reiterando que o contexto histórico e político deve ser considerado. Ele ainda questiona o embasamento da ação feita pelo TRE-PE. “Se o que está em discussão é o hall da ficha limpa, o crime de incêndio não está previsto lá. O que temos é uma associação de que a prática de incêndio é um crime contra o patrimônio privado e é isso que queremos mostrar no TSE”, afirma. A relatoria do caso é do ministro Sérgio Banhos.

“Negar sua eleição seria criminalizar, mais uma vez, o povo Xucuru”

Para Guila, impedir a eleição do cacique Marquinhos “é criminalizar novamente o povo Xucuru, que já sofreu com perseguições a suas lideranças”. O pai de Marcos, o cacique Xicão, chefe do povo Xucuru, foi assassinado em maio de 1998 em meio à disputas pela terra.

Marquinhos foi eleito com 17.655 votos (51,6%). O presidente da Associação Xucuru conta que a campanha do candidato na cidade de Pesqueira – que tem 68 mil habitantes, 24 aldeias e 20 mil autodeclarados indígenas – teve que enfrentar forte disseminação de fake news contra o candidato. “As oligarquias locais se colocaram contra a eleição do cacique e se articularam pela reeleição da prefeita Maria José (DEM)”.

“Isso é uma reação à sua forma de enfrentar as desigualdades sociais, o extermínio do preconceito com o povo Xucuru. A demarcação das terras indígenas garantiu uma vida típica a essas populações, e isso fez com que as famílias mais vulneráveis vissem uma sensibilidade no candidato para tratar as questões da desigualdade. Ele construiu sua campanha com base na defesa dos direitos humanos, na participação popular, nos orçamentos participativos. Esse peso histórico, simbólico e político de ser o primeiro cacique eleito na cidade, tem que estar contido nesta decisão”, conclui.

No dia 4 de dezembro, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil publicou uma carta em solidariedade ao cacique afirmando que o episódio do indeferimento de sua candidatura é fruto de “ação de base racista movida pela atual prefeita da cidade, que concorria à reeleição e foi derrotada nas urnas”.

No texto, a APIB destaca o cacique como “uma das tantas lideranças indígenas, que neste ano marcado pelo racismo, preconceito e pelo ódio das classes dominantes contra os povos indígenas, sob o incentivo do atual governo, decidiram demarcar as urnas”. A articulação ainda questiona a atuação do Tribunal Regional Eleitoral e atrela a decisão à manutenção de interesses oligárquicos .

“A APIB teme e manifesta a sua preocupação a respeito do comportamento de instituições do Estado que ao invés de proteger direitos cidadãos e coletivos possam extrapolar o seu papel constitucional, e o mais grave, possam estar a serviço de interesses oligárquicos e desencadear processos de perseguição política, que podem pôr em risco a vida de lideranças indígenas, tudo em detrimento do contínuo aprimoramento da Democracia (representativa, participativa e popular) e do Estado Democrático de Direito”.

“Os ataques à candidatura e eleição do cacique Marcos Xucuru certamente constituem o retrato secular que as elites deste país e sucessivos governos institucionalizaram para surrupiar os nossos direitos, espoliar e abocanhar sem nunca se satisfazer os bens naturais que há milhares de anos preservamos”, acrescentam.

Oito prefeitos de origem indígena foram eleitos no primeiro turno das eleições municipais. O número já é maior que o registrado no primeiro turno de 2016, quando o total de índios eleitos prefeitos foi de seis. O crescimento é de 33%.

Com informações da Carta Capital 

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