Política

Brasil: um país insensível à dignidade humana e que se dane o resto

A demora do Brasil em vacinar seu povo não é uma questão ideológica

  • sábado, 2 de janeiro de 2021

Foto: Agência BrasilBolsonaro
Bolsonaro

Por Leonardo Sakamoto, no facebook  

Os Estados Unidos do irresponsável Donald Trump, a Rússia do autoritário Vladimir Putin, o Reino Unido do falastrão Boris Johnson, a Hungria do ultranacionalista Viktor Orbán, a Arábia Saudita do absolutista Salman Al Saud, a Israel do fundamentalista Benjamin Netanyahu, a Polônia do ultraconservador Andrzej Duda já começaram a vacinar sua população contra a covid-19. O Brasil de Jair Messias, que compartilha com eles visões de mundo, ainda não.

O que reforça que a demora do Brasil não é uma questão ideológica. É um projeto torto de um governo tecnicamente incompetente que submeteu a questão da saúde pública à defesa da reeleição do presidente.

À medida que a pandemia avançou, líderes que desprezavam a doença mudaram de estratégia ao perceberem que o negacionismo de longo prazo poderia levar a um prejuízo, não apenas político pelo grande número de mortos, mas também pelo impacto negativo de uma economia deprimida.

Em muitos deles, a corrida pelo desenvolvimento de uma vacina própria se tornou, inclusive, estratégia de marketing geopolítico, como na Rússia. Em outros, diante da realidade que internou até primeiro-ministro, houve uma guinada de posições, como no Reino Unido.

Como sua natureza beligerante o torna incapaz de articular a federação em prol de um objetivo comum, Bolsonaro não preparou o país para a mais importante guerra de sua história. Abraçou o inimigo, defendendo que a melhor forma de para-lo é deixando que ganhe, infectando rapidamente a população para criar imunidade. Sim, Bolsonaro vem apostando na estratégia da "seleção natural", com os mais fortes sobrevivendo.

Os quase 200 mil mortos em decorrência disso? "Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre", como disse em 28 de abril. "Eu lamento todos os mortos, mas é o destino de todo mundo", afirmou em 2 de junho. "Não adianta fugir disso, fugir da realidade. Tem que deixar de ser um país de maricas", sentenciou em 10 de novembro. "Alguns vão morrer? Vão, ué, lamento. Essa é a vida", ladrou em 27 de março.

E, nadando contra a corrente, juntou-se a um pequeno grupo de governantes que recomendam vodka para tratar da moléstia. Com a diferença que, por aqui, nem álcool precisa. "Quem é feliz não pega covid", afirmaram assessores do ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello, em registro de Malu Gaspar, para a revista Piauí.

No Brasil, a primeira onda se conectou à segunda, sem tempo de respiro, em muito por conta da irresponsabilidade do presidente da República. Se ele não tivesse jogado contra as quarentenas, elas teriam sido mais efetivas e poderíamos ter retomado a vida normal por um período de tempo.

Ao defender sua estratégia de infecção como solução (ele já disse que a imunidade decorrente do contágio era melhor que a das vacinas), Bolsonaro ajudou a detonar empregos e a economia.

O "Brasil Protegido pelo Home Office" precisa se lembrar de que a maioria dos trabalhadores está, neste momento, ao relento e precisa de mais ajuda do Estado para sobreviver. O "Brasil Acima de Todos", que faz parte do 1% mais rico, precisa aceitar em ser taxado para financiar a subsistência de quem nada tem. E o "Brasil Jovem das Grandes Baladas" precisa se lembrar, mesmo cansados de tudo, que a repercussão dos seus atos atinge empregadas domésticas, cozinheiras, garis, seguranças que não se divertiram nas festas com eles, mas morrerão como consequência delas.

O risco dessa estratégia de Bolsonaro que vem se mostrando resiliente é que o Brasil saia dessa crise mais à sua imagem e semelhança. Um país insensível à dignidade humana, com cada um lutando, como ele, por sua própria alegria e sobrevivência. E que se dane o resto.

Siga nas redes sociais

Deixe sua opinião: