Eleições 2024

Boulos e a rejeição nas pesquisas eleitorais

Talvez o que deva preocupar Boulos é que a rejeição está baixa demais, sinal de que ele está incomodando menos do que devia


Foto: ReproduçãoGuilherme Boulos
Guilherme Boulos

 Por Luis Felipe Miguel, professor, no facebook 

O “idiota da objetividade”, de que Nelson Rodrigues falou numa crônica famosa, era o jornalista que recusava a emoção no seu texto. Que noticiava a iminência de uma guerra civil, por exemplo, como se estivesse falando de um chá da Academia Brasileira de Letras.

Mas existe uma idiotia da objetividade mais grave no jornalismo brasileiro – e a Folha de S. Paulo é campeã. É a ideia de pegar meia dúzia de dados e, a partir deles, traçar uma “lei” capaz de prever o futuro.

Quando convém, é claro.

Ontem, a Folha vaticinou que a candidatura de Boulos está fadada ao fracasso: “Só Maluf e Pitta ganharam com rejeição tão alta”.

A Folha pega os dados de suas pesquisas para um total de 8 eleições e, a partir disso, estabelece uma regra qualquer.

Pronto, Boulos está lascado.

Lembro que, em 2010, uma repórter da mesma Folha me ligou. Ia começar o horário eleitoral e Dilma estava atrás nas pesquisas. A pauta era: “nenhum candidato que começou o horário eleitoral atrás nas intenções de voto ganhou uma eleição presidencial”.

Eu pacientemente expliquei que não dava para generalizar a partir de apenas 5 eleições anteriores. Que Dilma era uma candidata ainda pouco conhecida, mas que representava a continuidade de um governo muito popular. Que o horário eleitoral seria o momento em que ela se faria conhecida e reforçaria seu vínculo com Lula.

Expliquei, em especial, que análise de conjuntura ia muito além de pesquisa de intenção de voto e, portanto, não importava quais fossem os números do Datafolha, Dilma era favorita para ganhar a presidência.

A reportagem saiu um ou dois dias depois. Não fui citado – nem eu nem qualquer um dos muitos cientistas políticos que, imagino, foram entrevistados até que a jornalista encontrasse quem se dispusesse a endossar a lei politológica inventada pelo jornal.

A candidatura de Boulos enfrenta problemas? Sim, enfrenta. Mas a reportagem da Folha é ridícula e capciosa.

Os números do Datafolha (a serem lidos com cuidado, como sempre em caso de pesquisas do tipo) não são bons para o líder do PSOL.

A crer na pesquisa, a eleição já começa polarizada – a candidatura de Tabata, que não chega a dois dígitos, parece condenada à irrelevância. E aí Boulos precisa modular sua estratégia.

Com as máquinas da prefeitura e do governo estadual trabalhando incessantemente a seu favor, Nunes está se consolidando como nome da centro-direita, a despeito da rejeição a seu amigo Bolsonaro entre o eleitorado paulistano. Tem espaço a crescer herdando os votos de Kataguiri, factoide que dificilmente chegará às urnas. (Se bem que Boulos deve ficar com uma parte dos votos que migrarão da candidata do Novo quando os eleitores se tocarem que a “Marina” candidata não é quem eles pensam.)

O problema é que o candidato do PSOL tenta o velho caminho de candidatos à esquerda: ir mais para a direita. Colocou Marta na vice, anda abraçado ao senador que assumiu a vaga do Major Olímpio, faz acenos ao gerencialismo, foge de temas “polêmicos”, tresanda “moderação”, incorpora o discurso da “frente ampla” em seu registro mais retrancado.

Se a campanha é despolitizada, lacradora, memética, apenas segue a cartilha desses tempos em que vivemos. Mas não dá pra esconder que o discurso de “uma cidade que valoriza a vida e a família” podia estar na boca de um candidato do União Brasil, do MDB, do Republicanos, do PL.

O fato é que esse caminho leva quase inevitavelmente à derrota. A insistência da esquerda brasileira em trilhá-lo, apesar dos resultados de sempre, é algo que foge à minha compreensão – é tema para um psiquiatra, não para um cientista político.

Talvez o que deva preocupar Boulos é que a rejeição está baixa demais, sinal de que ele está incomodando menos do que devia.

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