Meio Ambiente

A hora e a vez do trator, toco nunca mais

O momento é de ÁRVORE ZERO


Reprodução A hora e a vez do trator, toco nunca mais
A hora e a vez do trator, toco nunca mais

Por José Salan Barbosa Melo, engenheiro, ex presidente da eletrobras Piauí

“Minha Terra tem palmeiras onde canta o Sabiá”

Este verso da poesia Canção do Exílio, do maranhense e caxiense Antônio  Gonçalves Dias é um dos mais conhecidos da poesia de língua portuguesa. Quando foi concebido em 1843 fazia o maior sentido do mundo, pois o nosso céu sempre foi um dos mais estrelados e nossos bosques tinham uma exuberância de vidas.

Não precisamos retroagir muito tempo para que a exaltação à nossa natureza e às nossas belezas fizesse tanto sentido. Acredito que até a década de 1980 as matas e os cocais maranhenses ainda guardavam muito da beleza e da vida cantada em verso e prosa por Gonçalves Dias. A partir desse período tudo mudou.

O desastre começou para nós, no Maranhão e especialmente no município de Buriti Bravo, com o início da criação do boi em vastas áreas de pastagens. Foi na época da chegada dos “pernambucanos”, como passamos a chamar os primeiros grandes fazendeiros, vindos de fora, que iniciaram as grandes derrubadas dos babaçuais e dos cerrados para transformarem em imensas áreas de pastagens. Foi quando conhecemos os “correntões”, as grandes correntes que presas às lâminas de dois tratores saiam derrubando tudo que encontravam pela frente. Esse era e continua até hoje sendo o símbolo das derrubadas nos sertões maranhenses.

Quem assistia a tudo isso imaginava que aquela força e tamanha sanha destruidora não teria paralelo na história, mal imaginavam o que estava por vir. Se a fome dos “pernambucanos” pela derrubada das matas e plantação de capim era insaciável, a do agronegócio de hoje para produção de grãos é infinita no confronto com a finitude de nossa natureza.  

Alguns otimistas diziam na época que toda aquela arrumação era a força do desenvolvimento e do progresso chegando em nossa terra. Só que, na realidade, era uma das formas mais perversas de exploração e de destruição da natureza, que só perde mesmo para os garimpos clandestinos da Amazônia. Em cada eito derrubado pelos  “correntões” e em cada leira formada por galhos e raízes das árvores derrubadas em que o fogo era aceso milhares de vidas eram apagadas.

A chegada dos “pernambucanos” foi trágica e deixou marcas que duram até hoje. Embora nosso imaginário reserve pouco espaço na memória para esses acontecimentos. Porém, para quem sofreu espoliação, humilhação e outros tipos de crueldades praticadas pela força daquelas ocupações, com certeza essa lembrança permanece muito viva até hoje.

Naquela época, anos 80, os donos das terras locais, com poucas exceções, eram pequenos e médios fazendeiros. Os “pernambucanos” apareceram com ofertas e preços tentadores, o que possibilitou a transferência de centenas de propriedades para meia dúzia de fazendeiros; uma mudança fundamental que abalou as estruturas fundiárias e a sobrevivência dos lavradores  agregados que moravam nessas terras.

Com esse novo tipo de concentração da terra nas mãos de poucos, praticamente foi abolida a pequena roça para dar lugar às grandes áreas de pastagens. A transferência das terras de mãos, com a expulsão das famílias dos lavradores, provocou um grande problema social, político e econômico, pois em algumas dessas áreas vendidas haviam povoados com dezenas e até centenas de famílias, que viviam ali há muitos anos, morando e produzindo e, a partir desse momento, estava na rua da amargura.

O método utilizado por aqueles novos proprietários para expulsar os moradores, foi a violência e muita crueldade.
Direito, que nada. A terra não lhes pertence. Quando vocês construíram aqui já sabiam que se saíssem perderiam tudo. Não adiantava alguém argumentar que não estava pedindo para sair.

Até a saída definitiva das famílias, era desencadeado um longo movimento de pressão para que saíssem de suas casas. Na hora que seus pertences eram retirados, a casa imediatamente era derrubada por tratores, que aguardavam ao lado as ordens do novo patrão. Se o cidadão resistisse e teimasse em não sair, a casa era derrubada com tudo que tinha dentro, pois entrava em cena  a força das armas. O objetivo principal era afastar essas famílias e apagar tudo, principalmente a história ou qualquer tipo de saudade. Não era para sobrar os vestígios dessa civilização atrasada, da foice da enxada. Era chegada a hora e a vez do trator. Toco nunca mais.

Uma vez esvaziadas essas terras para dar lugar à criação do boi, acabava a produção agrícola das pequenas roças e as famílias eram despejadas nas cidades da região à mercê da falta de apoio, do desemprego, da falta de moradia, da fome e tudo o mais.

Esse sistema de criação de boi não trouxe nenhuma vantagem para o município tampouco para a população; ao contrário, só prejuízos e miséria.

Esta foi uma dura etapa porque passou a maioria dos trabalhadores rurais. Se até a chegada desses novos fazendeiros uma determinada área era o lugar de moradia e trabalho para 40 ou 50 famílias, com a criação de gado, ficaram apenas 02 a 03 famílias.

Quem diria, o sistema em construção estava deixando saudades do coronelismo até então vigente.

Em 1982, mesmo morando em São Paulo, depois de ter notícias e também de presenciar a grave situação vivida pelos trabalhadores rurais de Buriti Bravo, com a chegada dos grandes criadores de gado; após perceber que nada estava sendo feito pelas autoridades locais e estaduais nem pela imprensa para denunciar ou defender os trabalhadores rurais, publiquei vários artigos no jornal local IMPACTO para denunciar a situação. Depois, aproveitando um momento de férias, juntamente com Vinicius Macedo, realizamos uma grande reunião com os trabalhadores, colhemos depoimentos fizemos um relatório para o Sindicato dos Trabalhadores Rurais e publicamos duas matérias no Jornal dos Trabalhadores, um veículo nacional do PT.

Atualmente as regiões dos  cocais e do cerrado maranhenses vivem um outro momento, com a chegada dos sulistas, principalmente gaúchos do agronegócio, com o cultivo moderno da soja e do milho, com muita máquina e alta tecnologia. Uma verdadeira produção do ouro vegetal levado para o mercado mundial com receitas em dólares ou yuan.

Se ali atrás, no período da criação de gado em grandes extensões de terras a devastação das matas ainda mantinha algumas pontas com matas e árvores frondosas para servirem de sombras para os animais, o momento atual é de ÁRVORE ZERO. A regra é deixar o chão sem nenhum resquício de mata ou de uma árvore sequer. Foram-se as palmeiras e as sabiás, o pequizeiro, o murici, os brejos, a inhuma e os buritis.

O que estão fazendo com a natureza, todos nós vamos pagar muito caro num futuro que já chegou. Buriti Bravo é hoje o retrato dessa devastação que acontece no Brasil, especialmente no bioma do cerrado.

Aquela velha e surrada pergunta que se fazia lá atrás quando surgiram as grandes fazendas de gado, ficou mais atual ainda. O que os municípios e a população ganham com esse agronegócio “moderno”?

Absolutamente nada, o que fica nos municípios é só o rastro da devastação.

Essa forma agressiva com que o agronegócio atual encara a natureza e o meio ambiente é bem pior do que aqueles antigos métodos adotados no Brasil Colônia, na extração do pau brasil e do ouro. Atualmente não fica uma única árvore em pé em áreas a perder de vista.

Há pouco tempo as terras com declividades as máquinas não tinham acesso. Hoje em dia tem máquina para todo tipo de relevo, nada escapa.

Esta última etapa do uso das terras é vivenciada por toda uma grande parte dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, uma região conhecida por MATOPIBA, o atual alvo da fúria (des)matadora do agronegócio.  

É um modelo de desenvolvimento que não tem controle e não tem freio. Ninguém segura essa olímpica chama no fogareiro do tempo a aquecer a natureza.



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