Política

10 anos sem Plínio de Arruda Sampaio

Socialista e católico, ele foi o relator do projeto de reforma agrária de Jango e um dos primeiros perseguidos pela ditadura militar; Mais tarde seria figura importante para os surgimentos do PT e do PSOL


Reprodução 10 anos sem Plínio de Arruda Sampaio
10 anos sem Plínio de Arruda Sampaio

Há 10 anos, em 8 de julho de 2014, dia em que a seleção brasileira perdeu por 7 a 1 para a Alemanha no Mineirão, o Brasil também perdia uma das suas maiores referências de esquerda: Plínio de Arruda Sampaio, advogado e político brasileiro, deputado deposto pelo golpe de 1964, militante da Ação Popular e da Juventude Universitária Católica, além de figura importante para PT e PSOL, morreu nessa data aos 84 anos, em São Paulo – a cidade que o viu nascer em 26 de julho de 1930.

O público vai lembrar quando ele foi candidato à Presidência da República nas eleições de 2010, pelo Psol, e fazendo duras críticas aos governos Lula – sempre à esquerda – sua campanha nas redes sociais conseguiu superar a de partidos tradicionais e projetar o Psol nacionalmente pela primeira vez. Ele fez um sucesso particular no debate da V Bandeirantes, em que desarmou argumentos de Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB).

Para compreender melhor quem foi Plínio de Arruda Sampaio, a Revista Fórum entrevistou seu filho, Plínio de Arruda Sampaio Júnior, que é economista, professor aposentado do Instituto de Economia da Unicamp e segue os passos do pai em termos de construção de uma identidade socialista e crítica do capitalismo e do estado das coisas.

“Pra mim ele foi primeiro um pai, que deu uma referência muito grande para todos os filhos. Depois, na vida adulta, ele foi, na verdade, um companheiro. A gente [ele e os irmãos] tinha um amigo e um companheiro. Conversávamos muito, de tudo. Ou seja, além de um pai, ele foi um tremendo companheiro”, afirmou.

Plínio tem uma longa trajetória. Formou-se em Direito em 1954 pela Faculdade do Largo São Francisco, da USP, época em que militou e presidiu a Juventude Universitária Católica. Também fez parte da Ação Popular, organização surgida da Ação Católica Brasileira. Foi promotor público, deputado federal constituinte e presidiu a Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA).

“O meu pai era um católico que organizava sua ação pela doutrina social da igreja, e que foi radicalizando a sua atuação junto com a radicalização da igreja. Ele começa primeiro com a influência muito forte do padre Louis-Joseph Lebret, que era um frei dominicano francês, que passou pela América Latina e teve uma influência muito grande em vários países do continente. Era uma tarefa dos católicos combater a injustiça social e, partir desse ponto de partida, ele depois recebeu a influência do Dom Hélder Camara. Era uma referência do meu pai desde que eu era pequenininho. E, a partir daí, entrou a teologia da libertação nos anos 70, com a opção preferencial pelos pobres e, depois, isso foi radicalizado com uma espécie de ‘opção preferencial contra os ricos’, contra o capitalismo. Portanto, para compreender meu pai é importante entender esse enquadramento dele na Igreja Católica”, explicou Plínio de Arruda Sampaio Júnior.

Começo da luta política

Plínio de Arruda Sampaio entrou na política em 1959, quando foi indicado para a subchefia da Casa Civil do governo de São Paulo de Carvalho Pinto. Foi coordenador do Plano de Ação do governo e secretário de Negócios Jurídicos. Entre 1960 e 1961 trabalhou para a Prefeitura de São Paulo, gestão Prestes Maia, onde foi secretário do Interior e Justiça.

Em 1962 foi eleito deputado federal pelo Partido Democrata Cristão (PDC). Na Câmara foi membro das comissões de Economia, Política Agrícola e de Legislação Social. Com o tempo, tornou-se a principal liderança de esquerda do PDC, sacramentando a posição ao se tornar o relator do projeto de reforma agrária que integrava as reformas de base do governo João Goulart.

Nesse contexto, criou a Comissão especial de Reforma Agrária que fez propostas que causaram a revolta dos latifundiários brasileiros. Veio o golpe militar de 1964, justamente como uma resposta a essas reformas de base e Plínio de Arruda Sampaio foi cassado pela ditadura e tornou-se um dos primeiros 100 brasileiros perseguidos pelo regime.

“Ele teve uma trajetória muito sui generis. Ele militou pela redemocratização do país, pela soberania nacional. Foi um militante pela Revolução Brasileira. E o caminho dele é interessante por ter passado várias fases nesse sentido. No pré-64, eu acho que tem duas movimentações importantes na vida política do meu pai. Primeiro, a atuação dele como coordenador do plano de ação do governo Carvalho Pinto, onde prevalecia a ideia de que com razão, boa vontade e dedicação, seria possível, por assim dizer, consertar o Brasil, melhorar a vida das pessoas e combater a injustiça. É imbuído desse espírito que ele vai para o Congresso Nacional, onde vira relator do projeto de reforma agrária e se encontra como um ator importante da própria guerra de classes. Ele então percebe que não basta razão e boa vontade, são necessárias mudanças sociais, mudanças estruturais, que são as reformas de base. Tem uma politização muito rápida e acelerada do meu pai, no início dos anos 60, no bojo deste processo que estava em curso no Brasil de reformas de base”, contou Plínio Júnior.

Exílio, MDB, PT e PSOL

Com a tomada do poder pelos militares, Plínio de Arruda Sampaio se exilou no Chile, onde permaneceu trabalhando como funcionário da ONU até 1970, quando se transferiu para os EUA. Em Washington DC concluiu seu mestrado em Economia Agrícola da Universidade Cornell e voltou ao Brasil em 1976, quando começava, ainda tímido, o processo de abertura política.

Nesse momento juntou-se ao MDB, mas já tinha em mente a criação de um partido socialista, que se chamaria PSDP (Partido Socialista Democrático Popular). Ele almejava uma nova organização democrática e de massas, com base popular. A ideia só não saiu do papel porque em 1978 Fernando Henrique Cardoso se elegeu senador pelo MDB e abandonou os planos.

Mas em 1979 começariam as greves do ABC Paulista e, com o fim do bipartidarismo e o surgimento oficial do PT, Plínio abandonou o MDB e se juntou à nova organização, que brotava. Ele foi o autor do estatuto do partido de 1982 e idealizador dos seus núcleos de base, as Comunidades Eclesiais de Base. Logo depois ele entrou formalmente no partido.

“Quando voltou ao Brasil, ele já era, por assim dizer, um social-democrata convicto e radical. E eu acho que, na experiência aqui no Brasil, principalmente dentro do PT, ele foi se conscientizando de que não havia espaço para social-democracia no capitalismo contemporâneo, e então caminhou para uma posição de socialismo revolucionário. É um socialismo contra a ordem estabelecida, fora da ordem. Isso já no finalzinho dele, dentro do Psol”, explicou.

Nesse sentido, Plínio de Arruda Sampaio, em certo momento, elaborou a crítica de que Lula e o PT não iriam transformar as estruturas do Brasil, mas apenas geri-las para equilibrar interesses antagônicos – capital e trabalho, mercado e soberania nacional. Desiludido nesse sentido, passou a se aproximar do Psol na tentativa de finalmente criar um partido socialista.

“A desilusão dele com o PT começa em 1994 porque, na visão dele, foi quando o partido começou a se adaptar à ordem, num processo iniciado no primeiro congresso do PT dois anos antes. Mas em 94 ele já estava tão desconfortável que nem se candidatou a deputado. Esse processo de desilusão chegou a um ponto de ebulição durante o primeiro governo do Lula, justamente por conta da reforma agrária que não foi feita. Foi por isso que ele começou a olhar além do PT”, resumiu o filho.

Exemplo de ética

Ainda no PT, em 1996, Plínio de Arruda Sampaio fundou o jornal Correio da Cidadania. À época, um impresso que circulava com notícias sindicais e análises de intelectuais de esquerda. Com o projeto, ele mostrava sua preocupação com diversos aspectos da vida política, entre eles o debate público. O site segue em atividade e acompanhou sua saída do PT e entrada no PSOL, em 2005.

Cinco anos depois, em 2010, Plínio de Arruda Sampaio teve sua famosa candidatura à Presidência da República pelo PSOL. Um fenômeno em debates televisivos e no uso das redes sociais à época, Plínio terminou aquelas eleições como o quarto candidato mais votado, com pouco menos de 900 mil votos, ficando atrás apenas de Dilma Rousseff (PT), José Serra (PSDB) e Marina Silva (PV).

Frequentemente citado por familiares e antigos aliados como um “exemplo de ética” para a esquerda brasileira, seu filho Plínio de Arruda Sampaio Júnior sugere uma explicação para tamanho reconhecimento.

“Meu pai não fez uma carreira política, mas uma luta política. A gente sempre conversava sobre a importância de haver uma coerência entre meios e fins. Meios e fins não podem ser divorciados, e isso acho que era uma coisa constitutiva da ação política dele. Ele também fez uma luta política íntegra, pela redemocratização do país e depois pela nossa soberania em relação ao capitalismo. Ele tinha como norte aquilo que eu chamo de Revolução Brasileira, e nunca abandonou esse norte”.

“E isso faz com que a trajetória dele seja uma trajetória atípica na política brasileira. Ele começa com o Carvalho Pinto mas quando ele precisa largar o Carvalho Pinto, que foi exatamente nas reformas de base que levaram ele ao exílio, ele não hesitou, ele largou e entrou no PT. Quando ele julgou que era o caso de sair do PT, ele não hesitou e saiu. E foi fundar o PSOL, que era na época uma aventura, digamos, muito inglória no sentido de ser um partido minúsculo. Então acho que é essa coerência dele e essa integridade que acaba sendo valorizada por muita gente”, completou.

Com informações da Forum

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