Pensar Piauí

Uma proposta ao Partido dos Trabalhadores sobre sua comunicação

Ela foi elaborada por Antonio Lassance, doutor em ciência política

Foto: Partido dos TrabalhadoresPT

 

Por Oscar de Barros, jornalista

Estou filiado ao Partido dos Trabalhadores desde 1982. De lá para cá exerço um misto de militância política (sempre tive posições políticas e as proclamo) e de comunicação do Partido. Já estive em seus diretórios e, no primeiro governo Wellington Dias, por dois anos, fui secretário de Comunicação do Governo. Atualmente contribuo com minhas opiniões com o coletivo de comunicação do Diretório Regional do PT/PI. Volta e meia e o tema da Comunicação é posto em pauta pelo Partido, algumas (não poucas) vezes, cobrando do setor um sucesso não atingido pelo PT (e ou mandatos).

A comunicação precisa ser cobrada. E realizada com a melhor eficiencia possível. Mas eu tenho um conceito: o PT não é uma empresa de comunicação, é um Partido político. E desta forma, quando há um problema, pode ir procura-lo no campo político que será bem mais fácil de achar que na Comunicação.

Antonio Lassance é filiado ao PT e é doutor em ciência política pela Universidade de Brasília e especialista em comunicação organizacional pela Universidade de São Paulo. Ele é o autor do texto a seguir que analisa aspectos do Partido dos Trabalhadores e sua política de comunicação. Confira:  

Uma proposta ao Partido dos Trabalhadores sobre sua comunicação

Um recado necessário

No momento em que o Brasil vive uma de suas mais dramáticas crises, o papel a ser cumprido pelo Partido dos Trabalhadores é imprescindível.

O partido de Lula e do maior contingente de militantes de esquerda do país precisa mais uma vez dizer a que será que se destina.

Precisa transformar seu tamanho gigantesco em iniciativas para confrontar a ameaça de corrosão das instituições democráticas e de destruição de direitos sociais em larga escala, perpetradas por agressões fascistas sistemáticas.

Somos um partido que, mais ainda nesta hora, não pode se dar ao luxo de errar, de titubear, de se esquecer do aprendizado coletivo que acumulou.

O objetivo desta reflexão é o de fazer um alerta e sugerir orientações sobre um eterno calcanhar de Aquiles do Partido, de seus governos, lideranças e militantes: a comunicação.

Onde está a comunicação do partido?

Este não é um recado à comunicação do Partido. É um recado ao Partido dos Trabalhadores sobre a sua comunicação. A ordem dos fatores, nesse caso, é essencial.

Também não é um recado restrito à sua presidenta e ao seu secretário de Comunicação. Eles são a média de muitas indefinições de nossa desorganização coletiva.

Não que a comunicação do PT não tenha problemas próprios e evidentes. Um exemplo banal, mas sintomático: se você quiser descobrir quem é o atual secretário de Comunicação do PT, vai ter que brincar de "onde está Wally". Fora alguns poucos cargos, os demais não estão prontamente listados.

Você precisa abrir o link da Executiva, esmiuçar cada um dos nomes até descobrir quem é o quê.

Uma hora você vai achar o vice, o secretário de finanças e bingo! Vai aparecer o secretário de Comunicação.

E você vai perceber que o PT não tem um secretário em tempo integral encarregado de uma tarefa que merecia alguém com dedicação exclusiva. Longe disso, o secretário é o pré-candidato a prefeito de São Paulo.

Mas independentemente desses problemas, é fato que não há boa comunicação para uma orientação política ruim. Não há comunicação capaz de arredondar discursos quadrados e desconectados da realidade, vazios em termos de agenda para o país.

É preciso politizar a discussão da comunicação do Partido dos Trabalhadores. Do contrário, se perguntarmos onde está sua comunicação, a resposta mais banal dirá que é a terceira porta ao final do corredor.

O Partido dos Trabalhadores tem ótimos profissionais encarregados de produzir suas mensagens. O problema não é esse. Nunca foi. O que se discute aqui não é a comunicação como um departamento do Partido, o guichê onde se produz e distribui material.

O Partido não pode reclamar de falta de recursos e nem de funcionários para fazer o que precisa ser feito. Sabe-se, isso sim, da capacidade que tem tido de mal utilizá-los e desperdiçá-los.

Se fôssemos juntar todo mundo da comunicação do Partido, nos diretórios, gabinetes parlamentares e em sua militância voluntária, a quantidade de jornalistas, comunicadores, redatores, fotógrafos, funcionários, colaboradores e "postadores" em redes sociais, superaríamos qualquer outra organização jornalística do país.

Mas há um problema de ordem política que precede o problema da comunicação.

Desde a posse de Bolsonaro e desde a escalada do fascismo pelas entranhas da política, da sociedade e da economia brasileira, com seu rastro de destruição e sua estratégia de guerra relâmpago, o que se vê é um partido fragmentado, atordoado, atropelado e aguardando passivamente as próximas eleições.

Bravos e valorosos, muitos de nossos dirigentes são como os honrados e garbosos oficiais da cavalaria polonesa enfrentando Panzers e a Luftwaffe em 1939.

Justiça seja feita a lampejos isolados de algumas de suas lideranças mais ousadas e de sua militância voluntariosa para mostrar a vitalidade que ainda pulsa.

Um marasmo eloquente

Nesse momento de pandemia em que o povo brasileiro está sedento em busca de alternativas, o Partido foi tomado pelo marasmo.

Eis o retrato de uma organização com uma cúpula de hábitos envelhecidos e analógicos.

Na política, quem não souber renovar seus quadros, não saberá repaginar seu discurso.

Precisou de uma pandemia para o Partido se familiarizar com a importância de fazer "lives".

Precisou de meia dúzia de youtubers de esquerda fazer muito mais barulho do que todos os seus diretórios para o Partido descobrir a importância do Youtube.

E precisou de uma derrota eleitoral para "cair a ficha" de que o maior meio de comunicação do país hoje chama-se WhatsApp. Mais um tempo, quem sabe aprenderemos que o forte ali não é usar texto, mas imagens, áudio e vídeo.

Tardiamente, o Partido parece acordar. Recentemente, montou sua primeira lista de transmissão nacional.

Mas ao invés de aproveitar-se dos inúmeros avanços que a tecnologia hoje permite para tornar-se mais interativo, mais participativo, mais capaz de canalizar uma imensa energia criativa de sua militância, o Partido usa redes sociais como se fossem meros murais para afixar informes e opiniões.

Salvo raras exceções, o Partido só se comunica consigo mesmo, e isso na melhor das hipóteses.

Muitos dirigentes partidários, parlamentares e governos petistas saudaram a vitória da aprovação da renda básica emergencial no Congresso e de sua possibilidade de prorrogação. Foi um feito de grande importância.

Mas, enquanto isso, boa parte dos que recebem essa ajuda têm a falsa noção de que ela está chegando graças ao atual presidente.

Bolsonaro conseguiu a façanha de parecer benevolente com aqueles que mais odeia: pobres, pretos, mães solteiras que criam seus filhos sozinhas.

Esses são alguns exemplos recentes dentre inúmeros que mostram o quanto o Partido ainda não entendeu a gravidade da situação.

Bolsonaro não será derrotado pelo mero andar da carruagem. Se ficarmos simplesmente "esperando Godot", estaremos atolados à perplexidade de ver um fascista ostentar grande resiliência em sua popularidade, o suficiente para mantê-lo como uma ameaça real.

Refém da conjuntura, a comunicação do Partido em suas "timelines" é de um marasmo eloquente.

O que fazer? Eis a pergunta de sempre.

Qual a agenda do partido?

Qual a agenda do Partido dos Trabalhadores? Essa pergunta deveria ter uma resposta clara e objetiva.

Impeachment do presidente? Cassação da chapa? CPI? Frente ampla? Frente única? Nada disso é agenda, muito menos estratégia. Fora da Esplanada dos Ministérios e das reuniões de diretório e executiva, isso é grego.

Enquanto não demonstrar ampla unidade com as forças democráticas que lutam contra o fascismo, o Partido dos Trabalhadores não terá o que dizer para milhões de brasileiros que esperam que ele aja sabendo dos riscos que o país vive neste exato momento.

Espera-se que o Partido se mostre mais preparado para travar e fazer avançar o debate sobre a estratégia para superar a crise pandêmica, de imediato, protegendo os mais pobres e os setores econômicos geradores de emprego e renda.

Ao mesmo tempo, se espera que faça isso já olhando adiante, propondo desde já que a conta desta crise seja paga com redução das desigualdades e geração de emprego. Como? Com que políticas? Com que reformas? Com que apoio?

Se o PT não mostrar ao povo brasileiro que é capaz de decifrar esses enigmas, por melhor que seja sua comunicação, será devorado politicamente.

Quais são os exemplos atuais que temos dado em nossos governos estaduais e municipais que podem ser alçados à condição de utopia nacional? Que utopias internacionais são possíveis?

Que belos gestos de solidariedade conseguimos construir e que cenas temos a estampá-los?

É bom, mas não adianta simplesmente rememorar o passado. Não podemos ser o museu de grandes novidades, de que falava Cazuza.

Somos adeptos da ideia de que a história não se repete. O país e as pessoas que sairão dessa crise não serão mais os mesmos do ano passado.

Ainda mais ilusório achar que serão os mesmos que encontramos em 2002. Faz muito, muito tempo que esse pessoal desapareceu de nossas vistas.

Qual é a do PT? O que ele está propondo para o país? Qual é o primeiro passo? Qual a luta principal que podemos ganhar neste semestre, neste mês, nesta semana?

Enquanto não tivermos respostas simples e diretas a essas perguntas, não teremos o que dizer.

Seremos meros espectadores da cena ou, na melhor das hipóteses, comentaristas do caos.

Qual o conceito de comunicação de um Partido dos Trabalhadores?

Tivéssemos uma agenda, o próximo passo seria definir um conceito de comunicação. Um conceito para a comunicação nesta crise e para a defesa da democracia.

Temos um problema a resolver e esperamos contar com o apoio do povo brasileiro, certo? Quais são as ideias-força que vamos lançar mão para convencê-lo de que vale a pena, de que é possível?

Sem isso, comunicação alguma tem consistência, densidade e centralidade.

Existe uma pedra no meio do caminho. A extrema direita e sua máquina de guerra e de propaganda que tenta intimidar a luta democrática para deixar o povo brasileiro de joelhos, subjugado diante de suas atrocidades.

Que conceito se construiu de nosso adversário? Qual a melhor forma de demonstrar diariamente que ele é a encarnação do caos, da miséria e da guerra?

Essa não é uma questão de propaganda. Não é um dilema apenas da comunicação. É um dilema político a ser solucionado.

Comunicação não é trombetear proclamações

Não adianta transformar as certezas que temos sobre Bolsonaro em proclamações.

O Partido dos Trabalhadores tem que saber cumprir uma função de educador coletivo.

Um exemplo: por todos os meses de abril e maio, milhares de trabalhadoras e pessoas desempregadas sofreram aglomeradas em filas quilométricas, diante de agências da Caixa. Esperaram horas para entender por que seus benefícios foram negados.

Qual a dificuldade de se perceber que ali estava o epicentro de um problema nacional de grande dimensão que exigia a presença de um Partido dos Trabalhadores?

Qual a dificuldade de se mobilizar dirigentes, ou mesmo posicionar carros de som com mensagens gravadas, para esclarecer a população ali aglomerada que aquele não era um problema da Caixa, nem de aplicativos, nem de inconsistências de cadastros.

Aquele era e é um problema de um governo que não estava interessado em pagar benefícios a uma grande quantidade de pessoas com a urgência que a situação exigia.

Ao concentrar sua operação em um único banco, sobrecarregando e expondo os trabalhadores da Caixa, Bolsonaro, Onyx Lorenzoni e o presidente daquele banco desprezaram a imensa rede de assistência social dos municípios, que poderia ter prestado os auxílios imediatos a que a maioria precisava e que não encontrariam naquelas aglomerações: informação e orientação.

Por que o Partido não respondeu ao problema das filas com uma proposta de fortalecimento do Sistema Único de Assistência Social? Ele poderia hoje se mostrar tão fundamental ao povo brasileiro quanto tem sido o SUS.

Um Partido dos Trabalhadores tem que ir aonde o povo está

Além dos trabalhadores de baixa renda e desempregados, a parte mais aguda da atual crise está concentrada em pequenas e médias empresas e nos empreendedores individuais, em sua maioria precarizados.

Cabeleireiras, manicures, donos e donas de oficinas mecânicas, de pequenos bares e restaurantes, motoristas de aplicativos, artistas, ambulantes, revendedores de carros usados, corretores de imóveis.

Alguma vez já se ouviu que uma reunião de diretório iria discutir a situação desses trabalhadores e empreendedores? Alguma resolução foi alguma vez escrita a esse respeito?

Quem são nossos interlocutores preferenciais para com esses públicos? Quem são as lideranças desses setores filiadas ao Partido? Que dia haverá uma "live" para ouvi-los?

Que dia a executiva fará uma reunião para ouvir propostas dos artistas e encampá-las não apenas no Congresso, mas em nossos governos?

Que dia nossos governadores e prefeitos, juntos aos de outros partidos de esquerda, irão dar voz a esses setores e atuar conjuntamente para exigir que haja soluções imediatas e efetivas para que eles possam "hibernar", como tem sido feito em outros países?

Como os estudantes de baixa renda estão se virando nessa pandemia? Como estão estudando? Como faremos para resolver o abismo digital a que muitos estão condenados? O que eles têm a dizer? Quem são suas vozes? Onde estão seus rostos? Que projeção o Partido está disposto a dar a essas novas caras?

Há casos em que isso acontece, mas o desconhecimento oficial a esse respeito é tão grande quanto inadmissível.

Há pouco, uma luta de parlamentares de esquerda conseguiu fazer emplacar a garantia do benefício emergencial a artistas.

Soubemos disso apenas pelos próprios autores dessa iniciativa e pela militância petista dos próprios artistas.

A maioria dos artistas está tomando conhecimento do fato tardiamente, pela imprensa.

O Partido não se mobilizou sequer para valorizar o efeito demonstração de uma conquista firmada a duras penas.

Para a comunicação funcionar, é preciso comando político

Não seria pedir demais que o Partido, pelo menos uma vez na semana, pelo menos em uma manhã de sexta ou de segunda-feira, se comportasse como uma redação de jornal, ao velho e bom estilo.

Que se reunisse não para ouvir discursos e produzir resoluções enfadonhas, mas para discutir pauta. Que assuntos são os mais importantes? Do lado de lá (do adversário) e do lado de cá (a nossa pauta positiva), quais são as prioridades e quem fala o quê?

O que merece pesquisa, análise e aprofundamento? O que deve se tornar entrevista? Quem será o porta voz de cada iniciativa? Que hashtag vamos emplacar no dia ou na semana? Que cena iremos construir para gerar uma imagem? Que recado queremos passar?

Quando é que o Partido irá preparar uma campanha não sobre si próprio, mas sobre uma ideia, uma proposta, uma bandeira?

Quando produziremos mensagens para que o filiado passe não apenas para o simpatizante, mas para o grupo da família, de amigos, do trabalho e que faça algum sentido?  

Quando daremos uma demonstração de que estamos ouvindo o povo brasileiro?

Quando iremos ao encontro desse povo, onde ele estiver, não como muro de lamentações, não como palanque, mas como o fio capaz de sustentar a esperança equilibrista?

Quando iremos parar de nos abreviar como um sigla (PT) e perceber que é hora, mais do que nunca, de nos apresentarmos com a identidade de um nome e um sobrenome: somos o Partido dos Trabalhadores. É o que precisa ser dito.

ÚLTIMAS NOTÍCIAS