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UM DESABAFO AO REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES

UM DESABAFO AO REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES

Foto: GoogleSeminário de Mídia e Democracia nas Américas
Seminário de Mídia e Democracia nas Américas
Estive participando do Seminário de Mídia e Democracia nas Américas, promovido pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa, Barão de Itararé. O evento aconteceu dias 18, 19 e 20 de novembro, em São Paulo.
Da mesa de abertura participaram Edson Lanza, Relator Especial para Liberdade de Expressão da Organização dos Estados Americanos (OEA); Venício Lima, Professor Titular de Ciência Política e Comunicação da UnB e Emiliano José, representante do Ministério das Comunicações.
Como é comum em todos em todos estes eventos depois da fala dos convidados abre-se um instante para a participação dos presentes.
A fala do representante do Ministério das Comunicações me deixou bastante incomodado, então, pedi para falar. Me deixou incomodado porque durante seus quase 20, 30 minutos de exposição não conseguiu dizer algo de relevante que o Ministério venha fazendo no tocante a democratização das comunicações. E em vários instantes de sua fala Emiliano José alertava que estava falando não como dirigente do MinC, mas sim como militante político.
Ora! Militantes políticos erámos nós ali participantes daquele evento. As “autoridades” convidadas, o são, para expor ações que implementam em suas organizações.
Foto: GoogleSeminário de Mídia e Democracia nas Américas
Seminário de Mídia e Democracia nas Américas

 

Disse para Emiliano José que me sentia constrangido em ouvi-lo falar como militante, queria ouvi-lo falar como dirigente, que de fato era. Disse que o Ministério das Comunicações era um órgão que não atendia aos reclamos da esquerda brasileira, que existia apenas em função de atender interesses de potentes emissoras como a Rede Globo. Por fim, sugeri ao Ministério das Comunicações, através do seu representante, que não aceitasse mais convites para eventos da esquerda. Porque para a esquerda, no campo das comunicações, o governo Dilma nada tem a dizer.
A seguir o PensarPiauí reproduz material do Barão de Itararé sobre todo o Seminario:
"SEM PLURALIDADE NA MÍDIA, NÃO HÁ LIBERDADE DE EXPRESSÃO"
Por Felipe Bianchi
Foto: Douglas Mansur
A urgência de democratizar a comunicação no Brasil foi tema de debate na abertura do Seminário Internacional Mídia e Democracia nas Américas, nesta sexta-feira (18), em São Paulo. Por videoconferência, Edison Lanza, Relator Especial para Liberdade de Expressão da Organização dos Estados Americanos (OEA), defendeu que diversidade e pluralidade nos meios de comunicação é uma condição fundamental para a garantir a liberdade de expressão.
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Seminário de Mídia e Democracia nas Américas

 

Ciente da ausência de regulação do setor no Brasil - o advogado e jornalista esteve em Brasília recentemente, reunindo-se com autoridades políticas e entidades da sociedade civil - Lanza criticou a concentração dos meios de comunicação e o falso argumento de que regulação é censura, o que já se tornou uma espécie de "mantra" dos grandes empresários do setor.“Monopólios e oligopólios atentam contra a democracia e a liberdade de expressão”, disse. “É obrigação do Estado garantir este direito a partir da regulação do sistema de comunicação”.
Segundo ele, os governos não devem intervir no que se produz, mas sim facilitar e construir políticas públicas para garantir que haja diversidade de vozes nos meios. Segundo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, explica Lanza, é papel do Estado impedir uma excessiva concentração de meios por grupos privados, o que atenta contra a diversidade de fontes e opiniões. “É fundamental que haja intervenção em um mercado com tendência ao monopólio”, acrescenta.
Os organismos que implementem essas regulações, conforme explica o relator da OEA, têm de gozar de autonomia e independência, tanto do ponto de vista político quanto em relação ao poder econômico. “Estes órgãos não devem ser instrumentos para calar vozes ou beneficiar interesses privados”, pontua.
Mídia brasileira "corrompe" opinião pública
Referência em estudos de mídia e democracia no Brasil, Venício Lima avalia que a urgência em se democratizar a comunicação no país diz respeito a findar um processo sistemático de corrupção da opinião pública. “Se a corrupção ¨Cpalavra preferida dos grandes meios ¨C é a prevalência de interesses privados e ilegitimos sobre interesses públicos, o que a mídia brasileira é corromper a opinião pública”, diz.
“A própria elite política da América Latina identificou, em uma pesquisa feita há dez anos, que os meios de comunicação são um dos principais obstáculos para a consolidação da democracia no continente”, sublinha o professor. “Se houve alguma alteração nesse panorama, é de que a situação se agravou”.
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Seminário de Mídia e Democracia nas Américas

 

As condições para que os meios cumpram o papel de formar uma opinião pública democrática não ocorre no Brasil, na opinião do estudioso. “Em primeiro lugar, a legislação está desatualizada”, aponta. “Além disso, até hoje os princípios previstos na Constituição de 1988 [dentre eles a proibição do monopólio e do oligopólio no setor] seguem sem regulamentação”.
Segundo Venício, uma simples folheada nas manchetes dos grandes jornais, em um único dia, escancaram a falta de diversidade e pluralidade. “A narrativa da mídia é tão homogênea que é como se houvesse um super editor que editasse as notícias de todos os meios”, critica. “É essa a impressão que você terá se ler diariamente os grandes jornais, todos com as mesmas pautas e narrativas”.
O único remédio, de acordo com ele, é cobrar do Poder Executivo que saia da armadilha na qual o próprio governo caiu. “Os governos dos últimos 12 anos acreditaram, equivocadamente, que poderia ser feita uma aliança com os oligopólios midiáticos”, afirma. “Por isso, perdemos oportunidades históricas de se fazerem mudanças fundamentais, de fazer o mínimio para sanar os problemas que nos colocam na situação crítica de hoje”.
O Ministério das Comunicações foi representado por Emiliano José, histórico militante pela democratização da comunicação que ocupa o cargo de Secretário de Serviços de Comunicação Eletrônica. Segundo ele, existe a clareza, no MiniCom, de que o debate sobre a regulação é fundamental para o avanço da democracia no país. “O ministro Ricardo Berzoini tem dito que está disposto a desenvolver esse debate, assumindo o compromisso de intensificar esse processo”.
De acordo com Emiliano José, a luta pela democratização da mídia é árdua e, infelizmente, esbarra no cenário político desfavorável ao governo. “Imaginar que haverá alguma proposta concreta de regulação do setor é uma contradição”, admite. “Sabemos a composição e como funciona esse Congresso, e nenhum governo pode prescindir do Congresso”, disse, lamentando a conjuntura desfavorável.
Foto: GoogleSeminário de Mídia e Democracia nas Américas
Seminário de Mídia e Democracia nas Américas

 

“É bastante difícil separar meu papel no Ministério e meu histórico na luta por uma mídia democrática, causa a qual me dedico há décadas”, diz. “Como militante”, Emiliano opina que a mídia não está ao lado do povo brasileiro. “O suicídio de Vargas, em 1954, quando já estava praticamente consumado um golpe contra ele, vanguardeado pela imprensa, tem relação íntima com o bombardeio midiático sobre a presidenta Dilma”, avalia. “É inegável que os meios têm empreendido um gigantesco esforço golpista”.
O parlamentar listou iniciativas que o Ministério das Comunicações tem tomado. Além do Cana l da Educação e do Canal da Cidadania, que fomentam canais educativos e públicos, Emiliano José cita também o Plano Nacional de Outorga de Rádios Comunitárias, que deve desburocratizar o processo de outorgas. “É preciso cavar espaços para amenizar o problema do monopólio. Não se trata de excluir vozes, mas ampliá-las”.
LEIS DE ARGENTINA E URUGUAI DEMOCRATIZAM A MÍDIA E IRRITAM MONOPÓLIOS
Por Felipe Bianchi
Foto: GoogleSeminário de Mídia e Democracia nas Américas
Seminário de Mídia e Democracia nas Américas

 

Motivo de insônia para os barões da mídia no continente, as leis aprovadas na Argentina e no Uruguai para regular a radiodifusão – comumente referidas como ‘Ley de Medios’ – foram discutidas e esmiuçadas por Nestor Busso, do Conselho Federal de Comunicações da Argentina, e Sergio de Cola, do Conselho de Telecomunicações do Uruguai. O debate, ocorrido neste sábado (19), em São Paulo, integrou a programação do Seminário Internacional Mídia e Democracia nas Américas.
Apesar de promoverem a liberdade de expressão e "desmontarem" os monopólios midiáticos em seus países, as legislações enfrentam a reação das grandes empresas privadas de comunicação: em ambos os países há um processo de constante judicialização da lei, criando entraves para a sua implementação.
Conforme explica Busso, a luta pela aprovação da Ley de Servicios de Comunicación Audiovisual argentina remete a 2004, quando diversos setores populares se unificaram em torno da pauta da mídia. “Tínhamos uma lei imposta pela ditadura militar, em 1978, que além de defasada, era conveniente apenas ao poder econômico”, diz. “A Argentina sempre teve uma forte concentração de meios. Só o Clarín contava com 270 serviços de rádio e TV, além de jornais e outros investimentos empresariais”.
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Seminário de Mídia e Democracia nas Américas

 

Somado ao monopólio dos direitos de transmissão dos jogos de futebol, dominados pelo Clarín e transmitidos apenas na TV paga, o cenário levou a sociedade a apresentar “21 pontos básicos pelo direito à comunicação” à presidenta Cristina Kirchner. “O importante”, avalia Busso, “foi sair do mundo da comunicação, das organizações do setor, para ascender ao conjunto da sociedade. A questão do futebol foi fundamental no despertar da sociedade para o debate”.
Cristina levou a discussão ao Congresso em 2008 e se antes a mídia silenciava e interditava o debate, passou a acusar o governo de impor uma ‘lei da mordaça’. Apesar da campanha midiática contra a iniciativa de regulação, 15 mil argentinos marcharam rumo ao Congresso para levar o anteprojeto de lei, produto de fóruns públicos com participação social. A votação terminou em 147 a 3, no dia que ficou marcado pelo mote “um gol da democracia”.
Entre audiências públicas e mudanças no projeto, a população continuou a apoiar a lei: 40 mil argentinos concentraram-se em frente ao Senado para acompanhar o debate sobre ela. “A lei teve grande legimidade e respaldo popular, mas na mídia sempre aparecia como ‘a lei K’, de Kirchner, como se fosse imposta pelo governo”, comenta Busso. “Não é uma lei de meios, como gostam de chamar. Ela apenas regulamenta o uso do espectro radioelétrico e define regras para a sua exploração", esclarece.
No fim de 2009, a lei entra em vigência e, imediatamente, é judicializada pelo Clarín. Foram quatro anos até a Corte Suprema declará-la constitucional. A pressão popular, avalia Busso, foi fundamental para a conquista – 50 mil pessoas marcharam do Congresso até Tribunales para cobrar que a Justiça colocasse a lei em vigência.
“O resultado deste processo é uma lei com legitimidade, devido à participação popular e aprovação com ampla maioria, e qualidade institucional, por contar com controles e participação popular”, pontua. “A lei é uma conquista do povo argentino, pois trata a comunicação como direito humano e não como um simples negócio”. O maior desafio para a implementação, alerta Busso, é o atrelamento do Poder Judiciário ao poder econômico.
Uruguai: em ‘stand by’
A legislação aprovada no Uruguai, também batizada Ley de Servicios de Comunicación Audiovisual, enfrenta uma situação semelhante a do país vizinho: apesar de ter sido aprovada em dezembro de 2013, o governo aguarda a Suprema Corte de Justiça dar seu parecer quanto ao recurso protocolado pelos grandes empresários do setor.
O cenário anterior à lei, conforme explica Sergio de Cola, também era parecido com o argentino. “A legislação era antiga e também criada durante a ditadura militar”, diz. “Além da concentração, também sofríamos com a debilidade dos meios públicos e com a falta de transparência quanto às concessões públicas de rádio e televisão”.
Foto: GoogleSeminário de Mídia e Democracia nas Américas
Seminário de Mídia e Democracia nas Américas

 

Cola, que participou do processo de elaboração da lei, argumenta que ela estabelece a regulação básica para a prestação de serviços de radiodifusão e comunicação audiovisual. “Para além do conceito clássico de rádio e TV, compreendemos comunicação audiovisual em diversos suportes tecnológicos, não apenas o espectro radioelétrico”, afirma. “Comunicação audiovisual é um serviço cultural ou cultural e econômico, nunca um serviço meramente econômico. E como esses serviços compreendem valores e significados, não devem ser considerados apenas por seu valor comercial”.
O processo que culminou na aprovação da lei teve início em 2010, sob o governo de Pepe Mujica, destaca Cola. “Foi constituído um comitê técnico consultivo, reunindo diversos setores, como academia, organizações da sociedade civil e empresários, para discutir os conteúdos da lei”.
De acordo com o uruguaio, a lei garante independência e liberdade editorial aos meios e liberdade de expressão aos cidadãos. “A lei promove a diversidade e a pluralidade informativa, o acesso universal aos meios, a proteção à infância e à adolescência e a transparência em relação à outorga de concessões públicas, que agora ocorrem por concurso público”, ressalta.
Como a discussão do projeto se arrastou até a véspera do ano eleitoral de 2014, houve limitações no texto final, que gerou preocupação aos movimentos sociais. Um exemplo é a proibição da criação de cargos devido à proximidade do pleito. “Com a transição de governo, Tabaré assumiu a responsabilidade de finalizar a regulamentação da lei”, diz. “Esta história, portanto, continuará”.
A VIOLÊNCIA NO MÉXICO, A CONCENTRAÇÃO NO CHILE E A REVOLUÇÃO NAS COMUNICAÇÕES CUBANAS
Por Raphael Coraccini
Fotos: Douglas Mansur
A luta pela democratização dos meios de comunicação no México extrapola as fronteiras do direito à comunicação e há anos tem se tornado uma questão de segurança pública. Desde 2005, 103 jornalistas foram mortos. Nos últimos quatro anos, 15 morreram só no problemático estado de Vera Cruz. Os números colocam o México como o pais mais perigoso da América Latina para se exercer a profissão de jornalista.
No Seminário Internacional Mídia e democracia nas Américas, o editor do jornal La Jornada, Luis Hernández Navarro, explicou a situação das comunicações no México. “A história de que a imprensa é o quarto poder é real, em especial no México. Os jornalistas cobram para divulgar ou para esconder notícias e os empresários e políticos não têm problemas em pagar por isso”, aponta o palestrante mexicano.
Navarro denuncia que, na primeira metade dos anos 2000, com a eleição de um governo progressista, a imprensa iniciou um processo de guerra ideológica, sendo que até então, os meios hegemônicos costumavam ser muito simpáticos ao governo.
Foto: GoogleSeminário de Mídia e Democracia nas Américas
Seminário de Mídia e Democracia nas Américas
No México, a concentração da comunicação vai além do campo da imprensa, se estendendo para a cultura, com a concentração dos cinemas, teatros, empresas de produção de conteúdo e até redes comunitárias na mão do monopólio midiático. Há também a concentração dos serviços de telefonia e internet, que pertencem quase integralmente ao conglomerado empresarial de Carlos Slim, o segundo homem mais rico do mundo.
Os monopólios de mídia detêm 96% de todos os veículos no México, comenta Navarro. E todo esse aparato foi usado, segundo o jornalista, “para construir uma verdadeira telenovela para que a direita pudesse eleger seu presidente, um candidato cinza, sem força e que se transformou em um líder carismático graças, principalmente, ao apelo televisivo”. Assim se elegeu Enrique Peña Nieto em 2012.
Desde o início do governo Peña Nieto, uma enorme movimentação juvenil ganhou força no país a fim de contestar o poder da mídia. A movimentação surgiu dentro das universidades privadas e teve centenas de jovens presos em manifestações na frente das principais emissoras de televisão mexicana.
Impelido por essas manifestações, o México começou a desenvolver uma proposta de reforma dos meios, que conseguiu colocar no papel algo que Navarro chama de “muito bom e bem acabado”, mas que não foi aplicado de fato. As medidas de democratização ficaram limitadas a diluir a participação das televisões no monopólio, abrindo espaço para mais duas redes, somando quatro televisões abertas.
Nos últimos anos, o que se vê no México é o que o jornalista chama de “peleja entre elefantes”: grandes atores econômicos que querem ter o controle da convergência dos meios na era da internet. Essa briga entre gigantes tem envolvido as redes tradicionais de televisão, como a Televisa, e o conglomerado do multimilionário Carlos Slim. “A Televisa não tem o poder econômico de Slim, mas sua influência política é profunda”, conclui o mexicano.
Cuba e suas barreiras tecnológicas
Blogueiro cubano e colaborador no portal Cuba Debate, Iroel Sánchez aponta que o setor de comunicação da ilha precisa de uma transformação que tenha como foco o potencial que a internet tem a oferecer na produção e divulgação de notícias.
Apesar da carência tecnológica em Cuba, ele aponta que a disseminação das informações por meio de blogs tem crescido substantivamente. “Temos grande problemas de infraestrutura, mas em muitos lugares já contamos com redes Wi-Fi e internet pública. É preciso fazer agora com que isso chegue às casas das pessoas”, afirma.
Sánchez destaca que a democratização da comunicação cubana passa necessariamente pelos altos índices de escolaridade que o país possui e a capacidade de disseminação de conhecimento entre as pessoas. “Em Cuba, todo mundo tem uma educação de no mínimo nove anos de estudo e há mais de um milhão de pessoas com formação universitária. O que forma uma população de comunicadores em potencial”.
A crença na informação mais autoral e com menos intermediários interferindo na produção e distribuição tem feito o governo cubano investir em uma plataforma de blogs para que o noticiário cubano possa chegar com mais facilidade aos diferentes cantos da ilha e também do mundo. A ideia é que Cuba passe a produzir o noticiário sobre ela mesma e disseminá-la, concorrendo assim como a hegemonia americana em relação ao que se é produzido de notícia sobre Cuba e divulgado para o mundo.
A produção de notícias para os habitantes da ilha caribenha é feita por meio da televisão estatal, da ainda incipiente rede de internet disponível, por meio de filmes, nacionais e estrangeiros e da circulação informal, ou seja, o ‘boca a boca’. O noticiário local é feito pelos centros televisivos de cada região e pelas televisões comunitárias, que permitem uma diversificação do noticiário de uma região a outra da ilha, mas que são ainda insuficientes na tarefa de democratizar a mídia.
Sánchez explica que a comunicação em Cuba ainda está substancialmente sob a tutela do estado, mas que blogueiros dissidentes gozam de liberdade para trabalhar e, inclusive, receber bolsas dos Estados Unidos e da União Europeia para exercerem seus trabalhos dentro da ilha. “Em Cuba, blogueiros oposicionistas trabalham e não há um caso sequer de jornalista morto, ao contrário da situação dramática de países como o México”, compara o profissional.
Chile e Brasil, irmãos ‘gêmeos ‘
Estudos de diferentes fontes apontam que o índice de concentração de meios de comunicação está entre 75% a 90% no Chile. Os números alarmantes despertaram até a atenção do Departamento de Estados dos EUA, que denunciou o histórico favorecimento aos donos dos oligopólios em políticas públicas e medidas econômicas.
No país dos Andes, 80% das circulações dos jornais estão concentradas em dois grupos empresariais, o El Mercurio, de Augusto Eastman, e o La Tercera, de Álvaro Saieh, donos de alguns dos veículos mais tradicionais do país. “Cada vez as pessoas leem menos papel, mas o jornal continua a ser fundamental na função de pautar o que é assunto em outras mídias”, alerta Javiera Olivares, presidenta do Colegio de Periodistas de Chile, entidade que luta pelos direitos dos jornalistas e por um marco regulatório das comunicações no país.
Os espectros de rádio no Chile são integralmente usados por empresas privadas, sendo que 45% das rádios pertencem a um conglomerado espanhol. No âmbito das televisões, a única rede estatal é a Televisão Nacional do Chile e as outras duas tevês que eram públicas, pertencentes às universidades Católica e de Chile, foram vendidas ao capital estrangeiro em governos anteriores. Mesmo sem grande participação pública, as televisões continuam a receber enormes verbas estatais por causa da publicidade governamental, principal anunciante dos canais de TV.
O oligopólio traz instabilidades políticas muitos semelhantes às enfrentadas pelo Brasil, com a massificação da opinião pública contra projetos progressistas, democráticos e populares. “Conglomerados de mídia têm a hegemonia da cabeça das pessoas. Isso faz com que elas lutem por pautas absurdas, como pagar a educação em vez de apoiar a melhora do ensino público. Outro exemplo, o trabalhador que luta contra o estabelecimento de folgas, mantendo a lei que existe e que não garante esse direito”, aponta Olivares.
Segundo a jornalista, nenhuma reforma estrutural, que realmente mude a sociedade chilena pode ser feita antes da democratização da mídia. “Temos leis de mídia que são do tempo do Pinochet, não temos agências reguladoras e a administração das empresas de jornalismo são liberais e não atendem às demandas sociais. Os órgãos de imprensa vão seguir incitando o povo contra reformas públicas importantes, contra a participação sindical e a promoção de assembleias, enquanto o setor não for democratizado. Há absurdos como afirmações contra a presidenta relacionadas a alcoolismo e incapacidade mental que mancham a sua imagem e que passam impunes”, denuncia.
Um dos feitos mais significativos do governo Bachelet no sentido de combater a concentração midiática, conforme aponta a jornalista, foi a derrubada das concessões para canais de televisão sem prazo para vencer. Há um ano e meio, o Chile não tinha qualquer menção em sua Constituição à obrigatoriedade das redes de televisão desocuparem o espectro, legalizando uma espécie de ‘concessão eterna’.
Javiera aponta que o governo de Bachelet prometeu acabar com a publicidade estatal nos veículos monopolistas, mas ainda não cumpriu. Além disso, a discussão sobre uma nova Constituição, que mudaria não só a comunicação, mas outros setores monopolizados pelo capital no país, também está só no papel. O Colegio de Periodistas de Chile vê como fundamental estabelecer o Ministério da Defesa da Audiência Pública por meio da nova Constituição, além de derrubar os monopólios, redistribuir os veículos tendo em vista o interesse público e fomentar a comunicação comunitária.
VENEZUELA, BOLÍVIA E EQUADOR FORTALECEM MEIOS POPULARES
Por Larissa Gould
Fotos: Douglas Mansur
As experiências latino-americanas de políticas públicas de comunicação e de democratização do setor foram temas de debate no sábado (19), durante o Seminário Internacional Mídia e Democracia nas Américas. Representantes de Bolívia, Equador e Venezuela relataram os processos pelos quais passaram para garantir a democratização e pluralização de seus meios de comunicação e enfrentar o conservadorismo da mídia hegemônica.
Participaram da mesa Tania Valentina Diaz, jornalista, deputada do Partido Socialista Unificado Venezuelano e vice-presidenta da Assembleia Nacional da Venezuela; Osvaldo Leon, coordenador da Agência Latino-Americana de Informação (ALAI); e Amanda Dávila, jornalista e ex-ministra das Comunicações da Bolívia.
As experiências dos países tiveram que se adaptar às suas respectivas necessidades e dificuldades, explicam os debatedores, acrescentando que os processos ainda estão em andamento. Porém, os relatos deixam claro que já é possível colher frutos desse novo cenário midiático. Em comum, coube a percepção de que a construção de um país democrático passa, necessariamente, pela democratização de seus meios de comunicação.
Venezuela: democratizar para resistir
O processo vivido na Venezuela, explicado por Tania Diaz, guarda algumas semelhanças com o brasileiro. Por lá, a democratização da comunicação foi ferramenta fundamental para a defesa da democracia do país. O governo bolivariano é vítima de ofensivas conservadoras e sucessivas tentativas de golpe desde a eleição de Hugo Chávez, em 1998. O episódio mais emblemático foi o golpe econômico, militar e midiático de 2002 – durante o golpe, a mídia teve participação decisiva mentindo, distorcendo e omitindo os acontecimentos.
Foto: GoogleSeminário de Mídia e Democracia nas Américas
Seminário de Mídia e Democracia nas Américas

 

Em 1998, quando Chávez assumiu o governo, o país passou pela construção de uma nova constituinte, com protagonismo popular. Essa nova Constituição já assegurava o direito à liberdade de expressão, estabelecendo que todos têm a liberdade de se expressar livremente, desde que não seja feita a propaganda de guerra, veiculação de elementos discriminatórios e que incentivem a violência, seguindo normas internacionais de direitos humanos.
Em 2002, o governo normatizou o funcionamento das rádios e televisões comunitárias, e criou a Lei de Responsabilidade Social em Rádio e Televisão, aprovada pela Assembleia Nacional. Diaz enfatizou a importância da organização popular: “Foram os jornalistas que começaram a se unir em grupos de comunicação comunitária e que começaram a se articular”.
Desde então, o governo passou a identificar as suas maiores dificuldades e por meio do aumento do acesso da internet (são quase 16 milhões de venezuelanos conectados) e formação (quase 2 milhões de cidadãos alfabetizados tecnologicamente) tem fortalecido os comunicadores comunitários e populares do país.
Embora o país tenha avançado muito nessa questão, como no Brasil e em outros países da América Latina, a campanha difamatória da mídia, nacional e internacional, segue ameaçando a legitima democracia do país. “A campanha midiática é parte da estratégia do capitalismo para fortalecer sua hegemonia”, conclui. “As mídias alternativas, comunitárias e populares são a principal força de resistência contra o golpismo”.
Equador: modernizar para democratizar
A Ley Orgánica de Comunicación equatoriana, responsável por impor limites aos grandes empresários do setor e ampliar a diversidade de atores na mídia, completou 2 anos. Osvaldo Leon, coordenador da Agência Latino-americana de Informação (Alai-Equador), explicou que, como na Venezuela, o Equador viu na democratização da mídia uma arma contra as ofensivas golpistas do poder econômico e seus representantes midiáticos.
No ano de 2012, os meios exerciam o papel de ‘oposição não eleita’, avalia Leon. A campanha sistemática contrária ao governo fez com que o presidente Rafael Correa determinasse que os ministros de seu governo não concedessem mais entrevistas para jornais, revistas e emissoras monopolizadas. Outra medida foi a suspensão de publicidade oficial nesses veículos. Na época, Correa declarou: “Por que temos de dar satisfação aos meios que nada mais querem do que encher os bolsos de dinheiro? Não vamos beneficiar empresas corruptas que não pagam impostos”.
Foto: GoogleSeminário de Mídia e Democracia nas Américas
Seminário de Mídia e Democracia nas Américas

 

A lei equatoriana para a mídia redistribui o espectro radioelétrico, sendo 33% para os meios privados, 33% para os públicos e 34% para meios comunitários. A legislação também determinou a eliminação de monopólios, ou seja, proíbe mais que uma concessão de frequência para emissoras de rádio AM e FM e emissoras de televisão, além de impedir concessões de radiodifusão em uma mesma província para familiares diretos até o segundo grau de parentesco. O processo de construção dessas leis foi feita com diálogo permanente com os movimentos sociais, destaca Leon.
Para o jornalista, só assim é possível garantir a pluralidade. “Antes, a regulação que vigorava tinha as regras e a lógica do setor privado. Para conseguir uma licitação para radiodifusão é preciso milhares de dólares. Que rádio comunitária tem esse valor?”. Por isso o país também criou ações afirmativas como crédito preferencial para a criação de mídias comunitárias e para a compra de equipamentos, isenção de impostos para a importação de aparelhos e acesso à capacitação para a gestão técnica e administrativa.
“Antes, a comunicação do país estava nas mãos dos banqueiros”, denuncia Leon. “Ao perderem parte de seu poder, acusaram o governo de impor uma ‘lei da mordaça’. Mas agora a diversidades de vozes que ecoam tiram a força dos que, outrora, dominavam e hegemonizavam as narrativas no Equador”.
Bolívia: Processo de ‘cambio’ fomenta comunicação popular
De acordo com Amanda Dávila, ex-ministra das Comunicações da Bolívia, um país como o seu não pode pensar em democracia sem pensar em democratização dos meios de comunicação. Até pouco tempo atrás, o povo boliviano sobrevivia com altíssimos índices de miséria, reduzidos significativamente com a ascensão de Evo Morales ao poder.
A ex-ministra pontuou os passos do processo de democratização dos meios de comunicação no país. O primeiro deles foi em 2009, quando a nova constituição boliviana contemplou um capítulo exclusivo para a comunicação. A legislação passou a proibir a constituição de monopólios ou oligopólios dos meios de comunicação. Como afirma, Dávila, “a Comunicação passou a ser uma política de Estado”, explica.
O processo de transformações vivido pelo país e a legislação do setor comunicacional possibilitou o fortalecimento dos comunicadores populares. O governo passou a investir em técnicos para a construção e formação desses atores, relata Dávila. “Também houve um esforço grande para fortalecer financeiramente, tecnicamente e humanamente os veículos estatais”, diz a ex-ministra. “Vemos o acesso à informação e a comunicação como um direito”.
Em 2011, conta Dávila, foi a aprovada a Lei Geral de Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação. Com a nova regulamentação, a dis tribuição dos canais de rádio e televisão passou a ser da seguinte forma: 33% ao Estado; 33% ao setor comercial privado; 17% ao setor social e comunitário; e 17% aos povos indígenas originários, camponeses e comunidades afrobolivianas – a inclusão e o empoderamento destes últimos setores é uma das marcas do processo levado a cabo por Evo Morales.
As concessões são feitas mediante decisão do Executivo, no caso das frequências do Estado; por licitação pública, para frequências destinadas ao setor comercial; e mediante concurso de projetos, para o setor social comunitário e dos povos originários, camponeses e afrobolivianos.
Apesar de haver pluralidade de opiniões e ideias na mídia boliviana – com uma simples ‘zapeada’ de canais na televisão do país andino é possível ver diversos setores da sociedade se expressnado –, Dávila critica a posição golpista de alguns veículos. “Em um epiódio, um renomado jornalista boliviano disse, no ar, que Evo Morales deveria lavar a boca antes de falar pois estava cheia de folha de coca”, recorda. “Na Bolívia o direito a liberdade de expressão é importante e é respeitado. Mas nossa preocupação é garantir o direito à informação de qualidade e verídica”.

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