Pensar Piauí

Tropeiros do Piauí

Uma pequena história sobre trabalhadores rurais que também exerciam o ofício de tropeiros

Foto: Arquivo pessoalJoão, Raimundo e Chicô, tropeiros piauienses
João, Raimundo e Chicô, tropeiros piauienses


Me sirvo dos versos do gaúcho Lupicínio Rodrigues para te convidar a uma prosa sobre um Brasil antigo e profundo que aconteceu a tempos (mas nem tanto assim) aqui pelos sertões do Piauí e Maranhão.
Antes de iniciarmos a conversa, alguns esclarecimentos:
O grande interlocutor da história é meu primo e também meu cunhado: Manoel Clementino de Barros, de alcunha NEZIM!

Foto: Arquivo pessoalNezim
Nezim

Nezim nasceu em 1933 na localidade Malhada - município de Bocaina, Piaui. Sua primeira atividade foi a de trabalhador rural. Depois, despertou para a política e exerceu 4 mandatos de vereador.
Com dotes artísticos (faz versos rimados com facilidade), Nezim foi careta de Reisado.
Com o passar do tempo, deixou a Bocaina, a política e a atividade rural estabelecendo-se em Teresina e exercendo o comércio.
Como já dito, além de cunhado, Nezim é meu primo. Somos filhos de quatro irmãos:

Pais do Nezim: Raimundo e Antônia (chamada de Titia)
Meus pais: João e Josefa (chamada de Zefinha)
Raimundo e Zefinha, irmãos.
Antônia (Titia) e João, também.
Hoje, Nezim tem 86 anos e uma invejável memória.

É esta memória que nos levará a história acontecida nos anos 40 do século passado.

Antes das largas estradas e da chegada dos caminhões. O Brasil foi feito no lombo de mulas (burras). Animal oriundo do cruzamento do jumento com o cavalo. A força e a resistência deste animal serviram para o transporte das mais diferentes cargas pelos interiores do Brasil. O tropeiro era o condutor da tropa de animais entre as diferentes regiões brasileiras. 
Há histórias de tropeiros no sul do país. São Paulo foi outro Estado onde esta atividade exerceu forte influência. Minas Gerais, Goiás, enfim, o Brasil é resultado deste animal de tanto valor, somado com a coragem do homem para desbravar distâncias enormes em condições nada vantajosas. No Nordeste, o tanger de tropas de burros escreveu muitas histórias. A segunda cidade da Paraíba, Campina Grande "é grande por eles, que foram os primeiros, tropeiros da Borborema". Até mesmo a cidade de Picos, a segunda cidade da minha família depois da Bocaina, também tem origens no tropeirismo.
Pois bem, meu pai e meu tio Raimundo, foram homens que se entenderam muito bem na vida. Eram trabalhadores rurais, homens de pouca instrução escolar mas muita disposição para o trabalho. Além da agricultura, por mais de 10 anos tocaram tropas de burros pelos sertões do Piauí e Maranhão.

Eles eram naturais da cidade de Bocaina, mas moravam na localidade rural Malhada. Naquela região do Piauí as estações climáticas do ano são duas: a temporada de plantio/colheita chamada de “inverno” e que estende-se de dezembro a junho.

O restante do ano é conhecido como “seca”.

Então, de dezembro a junho João e Raimundo faziam roças plantando arroz, feijão, milho, mandioca, cana, etc. Criavam também pequenos animais como ovelhas, porcos, galinhas e se arriscavam com algumas cabeças de gado.

Na temporada da “seca”, sem muito a fazer no cultivo da agricultura, era preciso buscar outras fontes de rendimento. João e Raimundo, largavam então as enxadas e as roças; entregavam a casa às mulheres e aos filhos mais velhos e assumiam a vida de tropeiros conduzindo tropas de burros pelos sertões do Piauí e Maranhão.

A acompanhar os dois, outro parente meu. O tio Chicô, irmão de Raimundo e cunhado de papai. Na realidade, a tropa sob os cuidados de tio Chicô era do meu avô, que tratávamos como “Padrim Véi”. 

Antes de passar a palavra a Nezim, mais alguns versos.

Agora, não mais de um gaúcho, mas de 2 nordestinos, Raimundo Asfora e Rosil Cavalcanti.

Foram imortalizados por Luiz Gonzaga, mas aqui é Santana quem canta. A música foi  feita para os tropeiros que fundaram a cidade de Campina Grande, na Paraíba. Mas como arte é universal estes versos podem ser aplicados a todos os outros tropeiros do Brasil inclusive a Raimundo e Chicô (tios deste escriba) e a João Manoel (pai)


Agora vamos ouvir Nezim, relatando o tropeirismo na família. Primeiro ele afirma que vai contar a história do tempo “em  que pegou entendimento, que pegou ver as coisas”. No fundo Nezim não sabe precisar quando nossos pais iniciaram a vida de tropeiros.

Como eram compostas as tropas? E o papel de cada um naquelas empreitadas. Como era para comer e dormir? Nezim dá respostas a estas perguntas:

Até que horas aqueles homens tocavam os animais pelas estradas do Piauí e Maranhão?

Se eles moravam na Malhada, no Piauí, e viajavam para o Maranhão, quando eles iniciavam a viagem e qual sua duração?

Em agosto Raimundo, João e Chicô arribavam da Bocaina. Mas qual destino? Para onde eles iam?

Raimundo, João e Chicô vagaram por Pedreiras, Bacabal e Lago da Pedra, arrumando um serviço aqui, outro acolá. Mas aí conheceram uma família de fazendeiros e estabeleceram uma relação de trabalho fixo e até mesmo de afinidade.

Assim que conheceram a família de fazendeiros para quem iam trabalhar por muitos anos, aconteceu um pequeno contra-tempo na hora do almoço. Vamos ouvir a narrativa de Nezim:

Mas não passou deste entrevero. Eram tempos em que os homens se protegiam usando armas de fogo, só que a amizade entre fazendeiros e tropeiros prevaleceu e se estabeleceu.

Eram tempos em que a palavra de um homem tinha força e fé. E que as relações estabelecidas se permitiam confiança hoje inimagináveis

Ao sair com destino ao Maranhão, as tropas de burros iam sem nada? Ou eles já aproveitavam a saída e faziam fretes? Para quem trabalhavam em Picos?

Depois de transportar o couro dos comerciantes de Picos para Teresina, depois de trabalhar em Pedreiras, Lago da Pedra e Bacabal, no retorno para a Bocaina como vinham as tropas? O que traziam?

E aqui no Piauí, houve um trabalho mais significativo do ponto de vista do tropeirismo?

E o tropeirismo acabou. Quando ocorreu isso e como aconteceu?

Então foi assim que chegamos aos dias atuais. Com muito esforço dos antepassados e inestimável ajuda das burras - este animal de valor imensurável. Depoimentos como o de Nezim registram e nos contam a história. E os artistas de norte a sul do Brasil usam de sua criatividade para criar obras de arte que nos remontam estes tempos.

  

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