Política

“Teremos que conviver por 40 anos com bolsonarismo”, diz Pedro Serrano

“Parte da sociedade hoje em dia opta por ser fascista”, diz o jurista


Foto: ReproduçãoPedro Serrano
Pedro Serrano

 

Por Pedro Zambarda de Araujo, jornalista no DCM

Advogado constitucionalista e professor da PUC-SP, o jurista Pedro Serrano é cético sobre o efeito político da eventual prisão de Jair Bolsonaro para o seu movimento social. Para o especialista, o Direito não dá as respostas necessárias para barrar o avanço do bolsonarismo.

Serrano acredita que teremos que encarar o movimento iniciado por Bolsonaro e pela extrema direita por pelo menos quatro décadas ainda. Ao DCMTV, ele afirma que os progressistas e a direita liberal precisam buscar entender politicamente este movimento, sem apenas encara-lo como uma caricatura. 

Confira os principais pontos da entrevista.

“Parte da sociedade hoje em dia opta por ser fascista”

É gozado. Uma parte grande da nossa sociedade gosta da ideia de ser dominado. E de dominar, de estabelecer esse tipo de relação. Gostam de serem explorados e de explorarem os outros. Tem uma perversão nisso.

Porque eu acho que existe um desejo das pessoas, no fundo, de serem tiranetes. De ser o ditador da sua família. O ditador nas relações de casal, ditador nas relações sociais, até na orientação sexual. Ditador nas relações entre raças, entre etnias. Existe um desejo dessas pessoas de terem esse gozo do poder.

A gente precisa entender legal como funciona esse mecanismo. Em tudo o que eu li e que eu refleti, eu não encontrei ainda uma resposta completa. E eu não acredito no conceito de natureza humana, sabe? Que é entendido como algo que corresponde a esse modo de vida que nós vivemos. O ser humano existe há três milhões de anos no planeta. O homo sapiens existe há 250 mil anos, 240 mil mais ou menos.

E esse modo de vida da gente de usar mais intensamente a linguagem simbólica surge por causa das glaciações, de 12 mil anos para cá. Todo esse modo de vida, essa coisa de de usar linguagem, de desenvolver a linguagem simbólica, isso começa a surgir nas primeiras pinturas rupestres a trazer símbolos geométricos.

Isso é recente em termos da história da humanidade no planeta Terra. Não tem nada de natureza humana nisso. O mecanismo ideológico faz se acreditar que é algo natural quando não é. São opções. A sociedade opta por ser fascista.

Hoje uma parte dela opta por querer ver a dor do outro, ver a humilhação do outro.

Essa parcela da sociedade precisa ser responsabilizada. É uma vergonha desejar o sofrimento e a dor do outro.

“Temos que parar com essa mania de caricaturizar essa gente”

Vamos ficar bastante tempo tendo que conviver com isso. Entra outro elemento que é das formas como eu tenho estudado isso nos últimos 20 anos.

As formas como o autoritarismo e a crise democrática estão se apresentando são diferentes de antes. O autoritarismo aprendeu e ele não se apresenta mais como ditadura. Um dos erros do Bolsonaro foi querer fazer um golpe “old fashioned”, um golpe estilo do século 20, com decreto.

Não é assim que rola hoje em dia. Atualmente é um processo em que não há uma declaração da interrupção, da suspensão dos direitos e da interrupção da democracia. Não há mais isso.

Não é mais como o Hitler fez quando houve o fogo no Reichstag. Naquela ocasião, ele baixa um decreto de emergência com base no artigo 48 da Constituição democrática de Weimar.

Logo depois ele aprova uma lei de plenos poderes na Alemanha.

Não tem mais isso. Não tem mais ato institucional número 1, 2, 3, 4 e 5 como na ditadura do Brasil.

O que tem é a produção de medidas de exceção no interior da democracia, que vão erodindo os direitos. Isso torna muito mais difícil combater o autoritarismo e o totalitarismo. Essa ideia de que você pode ter mecanismos intercalados de poder, isso pode estender a presença da violência fascista na sociedade por muito tempo.

Nós podemos ter que conviver por 30, 40 anos com essa coisa, com o bolsonarismo. Não acredito que isso permaneça para sempre, porque não tem sentido permanecer. Isso leva à morte da humanidade.

E a humanidade sempre tem seu instinto de sobrevivência. Mas nós podemos ter que conviver isso por um longo período. Temos que estar preparados para isso e o primeiro passo que nós temos que dar é saber o que essa gente pensa.

Temos que parar de caricaturar eles. Temos muita mania de caricaturar essa gente. Precisamos conhecê-los a sério. Eu estou em um grupo da PUC que montamos agora. Para a revista CartaCapital, nós fizemos um curso sobre os 60 anos do golpe.

Participou um pessoal da história das ciências sociais que é muito qualificado lá da PUC. Estou tentando estimular essa gente, porque eles têm mais instrumental do que nós do Direito.

São pessoas que estudam a extrema direita brasileira contemporânea. E ela é muito diferente do que foi o integralismo, apesar de ter inspiração nele. É muito diferente do fascismo e do nazismo. Nós precisamos identificar essas diferenças e compreender os fundamentos dessas diferenças. Fazer isso para entender o inimigo e destruí-lo.

Se a gente não entender, nós não vamos conseguir destruir esse circuito afetivo doente fascista que nós temos na nossa sociedade. Precisamos compreender essa gente, entender como eles pensam para poder destruir esse circuito afetivo.

Não há outro caminho. Com essa gente não tem diálogo possível. Não há uma racionalidade que sirva como um solo comum que possibilite diálogo. Vocês veem como essa gente age. Eles negam a realidade. Eles criam um discurso idiota no sentido clássico da palavra idiota.

Idiota na Grécia antiga era aquele que não participava da política. Hoje significa aquele que não compartilha da linguagem. Ele cria uma linguagem própria.

Esses caras criam uma linguagem própria para negar a realidade. Eles negam o discurso que eles levaram ontem. Vão se contradizendo sem nenhum tipo de vergonha. Não há diálogo possível, né?

Nós precisamos compreender essa gente para poder derrotá-los. É isso que a gente precisa fazer e não tem outro caminho. E, ao falar em derrotar esse circuito afetivo, não tô falando em praticar violência contra pessoas. De jeito nenhum. É destruir esse circuito afetivo, essa relação afetiva doente e totalitária precisa ser desarticulada.

Precisamos trazê-los para o nosso lado os conservadores, trazer os liberais e mostrar o erro que eles já cometeram no século 20. Muitos liberais aderiram ao fascismo. Os conservadores brasileiros adoram um cara como [Ludwig von] Mises. Um sujeito tem um livro sobre liberalismo clássico que tem um capítulo dedicado ao apoio ao nazismo e ao fascismo.

Uma parte do chamado liberalismo na realidade é um liberalismo bem conservador austríaco que apoiou o nazismo e o fascismo. Foi um erro histórico que os liberais de hoje não podem reproduzir. Trata-se de um erro que leva à destruição dos próprios ideais liberais.

Temos que trazer para o nosso campo e falar: Temos que compor aqui um solo comum. Entre os civilizados. Não tô nem dizendo só entre os democratas. Falo de reunir entre os que não são bárbaros.

Precisamos combater esse circuito bárbaro doente e totalitário. Creio que é isso que nós precisamos fazer.

Como fazer é difícil saber, né?

Primeiro passo é compreender essa gente. Temos que entender e parar com caricatura. Pensando em termos práticos, uma prisão do Bolsonaro não vai resolver nada.

Para mim, se prende pessoas, líderes políticos inclusive, quando desobedecem a lei. É a aplicação da lei e ponto. Só por esse fundamento eu não acho que seja nenhuma solução política prender o Bolsonaro.

Nós não podemos cair nessa ilusão. Não podemos terceirizar para o Judiciário um papel que é nosso.

É nosso papel combater o fascismo e destruir esse circuito afetivo. É nosso papel e não é do Judiciário.

Se você prender Bolsonaro de qualquer jeito, vai ter mais mil Bolsonaros novos para substituí-lo. 

Deixe sua opinião: