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Suzane Von Richtofen, goleiro Bruno, Guilherme de Pádua, Anna Carolina Jatobá, são assassinos e convertidos a evangélicos

Aos condenados por crimes hediondos, os pastores prometem a salvação em vida e não o paraíso após a morte

Foto: Google ImagensAntes, não eram evangélicos, depois dos crimes, todos convertidos
Antes, não eram evangélicos; depois dos crimes, todos convertidos

Por Ruth de Aquino, no facebook

Por que tantos criminosos se tornam evangélicos na prisão? E não católicos, budistas, umbandistas, espíritas? Porque nenhuma igreja tem mais poder, influência e dinheiro do que a evangélica nas penitenciárias. Aos condenados por crimes hediondos, os pastores prometem a salvação em vida e não o paraíso após a morte. São mais persuasivos que os padres.

Agatha Moreira, na pele de Josiane ou ‘Jô’, a vilã implacável de ‘A dona do pedaço’, assassina confessa que não teve tempo de matar a mãe antes de ser presa, passou a andar com a Bíblia e a gritar Aleluia, se arrependeu de todos os crimes, virou uma cordeirinha, deixou crescer os cabelos como crente, passou a rir como uma iluminada e...conseguiu redução na pena máxima, de 30 anos de prisão. Logo logo, feliz com a própria redenção, vai respirar o ar puro das escolhidas de Cristo.

O autor Walcyr Carrasco não está apelando à audiência evangélica. Apenas constata a vida real. O poder dos pastores vem de fora para dentro. Vem do Congresso, vem dos juízes, do presidente e ministros. Na ausência do Estado, em comunidades carentes de saneamento, escolas, hospitais, dignidade, os evangélicos se apropriaram da fé dos humildes e atropelaram a Igreja Católica. Os pastores são mais profissionais e pragmáticos, não necessitam estudos de Teologia e têm um discurso menos elitista do que o dos padres. O que não falta a Walcyr é a inspiração em conversões de criminosos famosos pela premeditação e crueldade.

Suzane Von Richtofen, mandante do assassinato de pai e mãe, condenada a 39 anos, foi batizada pela Assembleia de Deus na prisão. Quando for libertada, bem antes de concluir a pena, ela se tornará pastora da Igreja Quadrangular. Na última “saidinha” no Dia das Mães, ela subiu ao púlpito de uma igreja e afirmou ter matado os pais porque foi “seduzida pelo diabo”. O mandante foi portanto o demônio e ela apenas uma vítima – embora psicólogos a considerem fria e manipuladora.

O goleiro Bruno, condenado por mandar matar a mãe de seu filho Bruninho com requintes de premeditação e crueldade, também virou evangélico, casou num culto ainda na prisão, já está de volta ao futebol e postou um vídeo em seu perfil ‘oficialbrunogoleiro’ no Instagram. Nele, um pastor grita, chora e ri: “Satanás vai dizer, você é um lixo, você não serve! O Espírito Santo vai te lembrar: você é escolhido!” A vítima, Eliza Samudio, coitada, não sabia que lidava com o demônio, pensava ser só o goleiro do Flamengo. O corpo dela ainda não apareceu.

Guilherme de Pádua, condenado pelo crime premeditado de Daniella Perez em 1992, com 18 punhaladas no pulmão, coração e pescoço, só ficou preso sete anos. Tornou-se obreiro da Igreja Batista da Lagoinha. Lançou um canal no YouTube em janeiro de 2019, explicando por que se tornou evangélico. “Não sou mais eu quem vivo, mas Cristo vive em mim. Tenho a mente de Cristo. Tenho o coração de Cristo”. Pádua lamentou a rejeição nas ruas: “Cheguei a levar cuspida na cara”. E disse que “sempre ora pela vida de Glória Perez”.

Anna Carolina Jatobá, condenada por jogar a enteada Isabella, de cinco anos, do sexto andar, também virou evangélica na prisão, passou a frequentar cultos e goza de regalias por isso. Detentos evangélicos levam uma vida melhor do que os outros. Os pastores oferecem aos “apenados” proteção e cuidados. Em troca de obediência. Algumas restrições são: bebidas e prática de homossexualidade.

Conversei com Jaqueline Vasconcellos, 37 anos, professora de teatro, arte e música que ensinou 10 anos em penitenciárias. Ela deixou de ser atriz para estudar Direito. Seu relato é impressionante. “A Igreja Evangélica tem espaços bonitos, arrumados e pintados. Os espaços católicos parecem extensões do presídio. A Igreja Evangélica investe. Tem material de música, organiza atividades, corais. Em algumas prisões, há celas especiais para evangélicos. O poder deles sobre o comando interno é forte. Um detento parou de ir às minhas aulas de teatro porque, se ele faltasse ao culto, seria transferido para uma penitenciária que equivalia a uma sentença de morte”.

Há ameaças e privilégios, diz Jaqueline. “Um preso só conseguiu cigarros com os pastores depois de se converter. Antes, nem guimba. Os pastores fazem a ponte com a família. Passam recado, comida. Evangélicos são presos vip. Ganham água gelada, ventilador. Podem circular no presídio. O detento passa a crer, por fé ou oportunismo. O pastor promete que o receberá lá fora. E que ele será um herói, um sobrevivente, um escolhido”.

A religião entra onde o Estado não existe. Ela dá um sentido à vida dos despossuídos e abandonados. Os pastores só querem almas e dízimos em vida, não têm preconceito. Trabalham com traficantes e milicianos, fora e dentro. Quando entrevistei o Nem, na Rocinha, foi por intermédio de uma igreja evangélica. Gente humilde honesta e do bem enxerga os pastores como seus semelhantes. Assassinos, alcoólatras, viciados sabem que, como evangélicos, podem culpar Satanás e retomar a vida como novos homens, novas mulheres.

“Se eu fosse presa, claro que eu virava evangélica”, diz Jaqueline. Eu também. E deixaria o cabelo crescer igual à Jô.

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