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Sucesso de Pelé foi arma contra a invisibilização dos negros no Brasil

Estudo de mestrado mostra quando “Pelé se tornou Pelé”, constituindo-se na personificação do esporte mais popular do mundo

Foto: ReproduçãoPelé
Pelé

Por Gabriela Ferrari Toquetti, estagiária do Serviço de Comunicação Social da FFLCH, no Jornal da USP

Foi na Copa do Mundo de 1958, na Suécia, que Edson Arantes do Nascimento revelou-se para o mundo como Pelé. Ele havia iniciado sua carreira dois anos antes no Santos, mas nem sempre foi visto como um grande jogador. Por vezes, foi até mesmo ignorado e criticado pela mídia. Porém, depois de ser destaque na Copa de 1958, que deu à seleção brasileira seu primeiro título mundial, Pelé mostrou-se um craque. Desde então, sua imagem transformou-se cada vez mais na personificação do futebol, e o rosto de Pelé passou a ser um dos mais conhecidos do mundo. Assim, seu sucesso contribuiu, mesmo que involuntariamente, com a luta contra a invisibilização das pessoas negras.

Esse foi o objeto de estudo de Fernando José Lourenço Filho, professor de história que analisou, em dissertação de mestrado, a trajetória de Pelé e a forma como a imprensa o retratou ao longo dos anos. O pesquisador fez um levantamento de todas as menções ao nome de Pelé nos periódicos Gazeta Esportiva, Jornal dos Sports, Manchete Esportiva, Última Hora e O Cruzeiro, entre o início de sua carreira, em 1956, e a conquista da Copa do Mundo de 1958 pela seleção brasileira.

“Hoje, as habilidades de Pelé são inquestionáveis, mas ele nem sempre foi percebido pela mídia como um grande talento”, afirma Lourenço Filho.

Os jornais começaram a mudar de ideia em 1958, quando o Brasil viu nascer um prodígio na Copa do Mundo. Com apenas 17 anos, Pelé tornou-se o jogador mais jovem a marcar gol em uma final de Copa – e marcou não só um, mas dois gols naquele Brasil x Suécia. “Meu grande objetivo foi justamente observar como esta transformação ocorreu e identificar o momento em que Pelé se tornou Pelé”, explica o pesquisador.

O Rei

Naquele mesmo ano, a genialidade do jogador já havia sido reconhecida por Nelson Rodrigues, um dos escritores e jornalistas mais importantes da época. Rodrigues publicou uma crônica na qual deu o título de rei para Pelé pela primeira vez, depois de um Santos x América-RJ com quatro gols dele. Ao colocá-lo em uma posição de tanto destaque, o escritor e jornalista “fez dele, mesmo ainda muito jovem, um protagonista da luta contra o racismo no Brasil – um racismo que era pouco debatido e bastante ignorado pela imprensa”, segundo Lourenço Filho.

O autor opina, ainda, que o jogador foi o brasileiro mais popular no mundo durante seu auge. “Falar de Pelé, um jovem negro em início de carreira, e cuja figura ocupou um papel de destaque no imaginário brasileiro na segunda metade do século 20, é também falar sobre os significados de ser negro em uma sociedade estruturalmente racista, como é a brasileira. Além disso, busco compreender como esta mesma sociedade trata estes indivíduos negros que ascendem socialmente”, destaca Lourenço Filho. O pesquisador afirma que a figura de Pelé cristalizou o espírito do Brasil da época, que era – e ainda é – um país apaixonado pelo esporte e pelo futebol. “E se tudo isso ainda por cima fosse pouco, ele se tornou a personificação do esporte mais popular do planeta”.

A dissertação de mestrado Tornar-se Pelé: a ascensão de um jovem jogador negro no futebol brasileiro, escrita por Fernando José Lourenço Filho e orientada pelo professor Flavio de Campos, foi defendida em novembro de 2023 no âmbito do programa de Pós-Graduação em História Social da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

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