Política

Quatro anos de golpe: o Brasil resiste à sua destruição

A elite política abriu caminho para o desmonte e o descalabro que criou Bolsonaro

  • segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Foto: Brasil 247Dilma Rousseff
Dilma Rousseff

 

O dia 31 de agosto de 2016 ficará para a história do Brasil como um marco da tragédia institucional, política, econômica e social em que o país foi mergulhado. Nesse dia, o Brasil assistiu a consumação do golpe parlamentar, jurídico e midiático, baseado em um vergonhoso processo sem qualquer prova. Após mais de três meses da abertura do processo que afastou temporariamente Dilma, o Senado concluía um julgamento de “cartas marcadas”, pelo placar de 61 a 20. Um golpe de Estado em novo estilo, com apoio do sistema financeiro e da  indústria do petróleo, que afastou do poder a presidenta Dilma Rousseff, eleita em 2014 com 54 milhões de votos, a primeira mulher a ocupar o comando do País.

"Hoje, completam 4 anos do golpe contra Dilma, dia que a elite política abriu caminho para o desmonte e o descalabro que criou Bolsonaro. Depois da retirada de direitos e políticas públicas, o que se vê é o bizarro" - PRESIDENTA DO PT, DEPUTADA FEDERAL GLEISI HOFFMANN (PT-PR)

“Hoje, o Senado Federal tomou uma decisão que entra para a história das grandes injustiças. Os senadores que votaram pelo impeachment escolheram rasgar a Constituição Federal. Decidiram pela interrupção do mandato de uma Presidenta que não cometeu crime de responsabilidade. Condenaram uma inocente e consumaram um golpe parlamentar”, afirmou Dilma em pronunciamento após a decisão. “Com a aprovação do meu afastamento definitivo, políticos que buscam desesperadamente escapar do braço da Justiça tomarão o poder unidos aos derrotados nas últimas quatro eleições. Não ascendem ao governo pelo voto direto, como eu e Lula fizemos em 2002, 2006, 2010 e 2014. Apropriam-se do poder por meio de um golpe de Estado”, disse mais.

Golpe contra o Brasil

Advertindo que acabavam de derrubar a primeira mulher presidenta do Brasil, sem qualquer justificativa constitucional, Dilma alertou para as consequências daquela decisão. “O golpe não foi cometido apenas contra mim e contra o meu partido. Isto foi apenas o começo. O golpe vai atingir indistintamente qualquer organização política progressista e democrática”, disse. “O golpe é contra o povo e contra a Nação. O golpe é misógino. O golpe é homofóbico. O golpe é racista. É a imposição da cultura da intolerância, do preconceito, da violência”, completou sinalizando o futuro que hoje assombra o país em todos os segmentos apontados.

Quatro anos de desastre

Passados quatro anos, o Brasil está mergulhado no caos social, econômico, política e institucional. O desdobramento do golpe levou ao governo Bolsonaro, que aposta em destruir o Estado nacional e transformar o Brasil em uma colônia agro-exportadora. Nesse período, os interesses golpistas atacaram a Petrobras, alterando o regime de partilha, para a exploração do petróleo. Com a Emenda 95, garrotearam o orçamento do país, congelando investimentos públicos por vinte anos, mas liberando o saque para o sistema financeiro. Feriram de morte os direitos dos trabalhadores com as reformas trabalhista e previdenciária.

O governo Bolsonaro também empurrou o Brasil para a desastrosa aliança servil com os Estados Unidos, afastando o país do papel de “soft power” mundial. A soberania do Brasil é ofendida diariamente com medidas como a venda de refinarias da Petrobras, o desmonte da indústria de Defesa e a submissão à política comercial norte-americana. Em menos de dois, o “Brasil acima de tudo” se transformou em “American first”, isolando o Brasil nas relações internacionais, comerciais e políticas. O governo de ultra-direita de Bolsonaro é, em última instância, o produto final do golpe de Estado que, hoje, muitos dos seus autores, operadores e apoiadores, tentam se justificar.

PT e democratas resistem

Ao relembrar os quatro anos passados, no entanto, a presidenta Dilma, o PT e os democratas do país, não tem apenas a memória daquele dia para lembrar. Ao contrário, nesses quatro anos, a resistência cresceu, a sociedade avançou na compreensão do que fato ocorreu. O golpe de Estado foi desmascarado e a farsa da Lava Jato contra Lula também caiu em descrédito. O país avança para enfrentar o maior desemprego de sua história  e a completa destruição da indústria nacional e dos pequenos negócios.

Ao contrário do que esperavam os golpistas, Dilma, Lula e o PT seguem na luta, apontando os caminhos para a Nação.  “Travei bons combates. Perdi alguns, venci muitos e, neste momento, me inspiro em Darcy Ribeiro para dizer: não gostaria de estar no lugar dos que se julgam vencedores. A história será implacável com eles”, vaticinou Dilma, na época. “Esta história não acaba assim. Estou certa que a interrupção deste processo pelo golpe de Estado não é definitiva. Nós voltaremos. Voltaremos para continuar nossa jornada rumo a um Brasil em que o povo é soberano”, completou Dilma.

DISCURSO DE DESPEDIDA NO ALVORADA - 31 DE AGOSTO

Ao cumprimentar o ex-Presidente Luís Inácio Lula da Silva, cumprimento todos os senadoras e senadores, deputadas e deputados, presidentes de partido, as lideranças dos movimentos sociais. Mulheres e homens de meu País.

Hoje, o Senado Federal tomou uma decisão que entra para a história das grandes injustiças. Os senadores que votaram pelo impeachment escolheram rasgar a Constituição Federal. Decidiram pela interrupção do mandato de uma Presidenta que não cometeu crime de responsabilidade. Condenaram uma inocente e consumaram um golpe parlamentar.

Com a aprovação do meu afastamento definitivo, políticos que buscam desesperadamente escapar do braço da Justiça tomarão o poder unidos aos derrotados nas últimas quatro eleições. Não ascendem ao governo pelo voto direto, como eu e Lula fizemos em 2002, 2006, 2010 e 2014. Apropriam-se do poder por meio de um golpe de Estado.

É o segundo golpe de estado que enfrento na vida. O primeiro, o golpe militar, apoiado na truculência das armas, da repressão e da tortura, me atingiu quando era uma jovem militante. O segundo, o golpe parlamentar desfechado hoje por meio de uma farsa jurídica, me derruba do cargo para o qual fui eleita pelo povo.

É uma inequívoca eleição indireta, em que 61 senadores substituem a vontade expressa por 54,5 milhões de votos. É uma fraude, contra a qual ainda vamos recorrer em todas as instâncias possíveis.

Causa espanto que a maior ação contra a corrupção da nossa história, propiciada por ações desenvolvidas e leis criadas a partir de 2003 e aprofundadas em meu governo, leve justamente ao poder um grupo de corruptos investigados.

O projeto nacional progressista, inclusivo e democrático que represento está sendo interrompido por uma poderosa força conservadora e reacionária, com o apoio de uma imprensa facciosa e venal. Vão capturar as instituições do Estado para colocá-las a serviço do mais radical liberalismo econômico e do retrocesso social.

Acabam de derrubar a primeira mulher presidenta do Brasil, sem que haja qualquer justificativa constitucional para este impeachment.

Mas o golpe não foi cometido apenas contra mim e contra o meu partido. Isto foi apenas o começo. O golpe vai atingir indistintamente qualquer organização política progressista e democrática.

O golpe é contra os movimentos sociais e sindicais e contra os que lutam por direitos em todas as suas acepções: direito ao trabalho e à proteção de leis trabalhistas; direito a uma aposentadoria justa; direito à moradia e à terra; direito à educação, à saúde e à cultura; direito aos jovens de protagonizarem sua história; direitos dos negros, dos indígenas, da população LGBT, das mulheres; direito de se manifestar sem ser reprimido.

O golpe é contra o povo e contra a Nação. O golpe é misógino. O golpe é homofóbico. O golpe é racista. É a imposição da cultura da intolerância, do preconceito, da violência.
Peço às brasileiras e aos brasileiros que me ouçam. Falo aos mais de 54 milhões que votaram em mim em 2014. Falo aos 110 milhões que avalizaram a eleição direta como forma de escolha dos presidentes.

Falo principalmente aos brasileiros que, durante meu governo, superaram a miséria, realizaram o sonho da casa própria, começaram a receber atendimento médico, entraram na universidade e deixaram de ser invisíveis aos olhos da Nação, passando a ter direitos que sempre lhes foram negados.

A descrença e a mágoa que nos atingem em momentos como esse são péssimas conselheiras. Não desistam da luta.

Ouçam bem: eles pensam que nos venceram, mas estão enganados. Sei que todos vamos lutar. Haverá contra eles a mais firme, incansável e enérgica oposição que um governo golpista pode sofrer.

Quando o Presidente Lula foi eleito pela primeira vez, em 2003, chegamos ao governo cantando juntos que ninguém devia ter medo de ser feliz. Por mais de 13 anos, realizamos com sucesso um projeto que promoveu a maior inclusão social e redução de desigualdades da história de nosso País.

Esta história não acaba assim. Estou certa que a interrupção deste processo pelo golpe de estado não é definitiva. Nós voltaremos. Voltaremos para continuar nossa jornada rumo a um Brasil em que o povo é soberano.

Espero que saibamos nos unir em defesa de causas comuns a todos os progressistas, independentemente de filiação partidária ou posição política. Proponho que lutemos, todos juntos, contra o retrocesso, contra a agenda conservadora, contra a extinção de direitos, pela soberania nacional e pelo restabelecimento pleno da democracia.

Saio da Presidência como entrei: sem ter incorrido em qualquer ato ilícito; sem ter traído qualquer de meus compromissos; com dignidade e carregando no peito o mesmo amor e admiração pelas brasileiras e brasileiros e a mesma vontade de continuar lutando pelo Brasil.

Eu vivi a minha verdade. Dei o melhor de minha capacidade. Não fugi de minhas responsabilidades. Me emocionei com o sofrimento humano, me comovi na luta contra a miséria e a fome, combati a desigualdade.

Travei bons combates. Perdi alguns, venci muitos e, neste momento, me inspiro em Darcy Ribeiro para dizer: não gostaria de estar no lugar dos que se julgam vencedores. A história será implacável com eles.

Às mulheres brasileiras, que me cobriram de flores e de carinho, peço que acreditem que vocês podem. As futuras gerações de brasileiras saberão que, na primeira vez que uma mulher assumiu a Presidência do Brasil, a machismo e a misoginia mostraram suas feias faces. Abrimos um caminho de mão única em direção à igualdade de gênero. Nada nos fará recuar.

Neste momento, não direi adeus a vocês. Tenho certeza de que posso dizer “até daqui a pouco”.

Encerro compartilhando com vocês um belíssimo alento do poeta russo Maiakovski:

"Não estamos alegres, é certo,
Mas também por que razão haveríamos de ficar tristes?
O mar da história é agitado
As ameaças e as guerras, haveremos de atravessá-las,
Rompê-las ao meio,
Cortando-as como uma quilha corta."

Um carinhoso abraço a todo povo brasileiro, que compartilha comigo a crença na democracia e o sonho da justiça.

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