Política

Perdão de Bolsonaro a amigo criminoso atropela o STF a caminho do golpe

Supremo Tribunal Federal tem sido um dos únicos entraves entre Jair Bolsonaro e uma tentativa de golpe de Estado

  • sexta-feira, 22 de abril de 2022

Foto: Câmara dos DeputadosBolsonarista Daniel Silveira
Bolsonarista Daniel Silveira

 


Por Leonardo Sakamoto, jornalista, no Facebook 

A principal discussão sobre o perdão presidencial ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), condenado por atacar a democracia e ameaçar ministros do Supremo Tribunal Federal, não é jurídica, mas política. O que temos é um presidente da República que montou uma farsa para deslegitimar junto ao país uma das raras instituições que não se dobraram às suas necessidades.

Não que a questão jurídica sobre os limites de uma graça presidencial não seja importante, mas ela quase se apaga diante do absurdo da situação: Jair Bolsonaro 1) perdoou um aliado e amigo, 2) condenado por atacar o Estado Democrático de Direito, 3) para, agora, esfregar na cara do STF de que a corte não vale nada, 4) e aguardar um acirramento na relação entre os poderes.

Com todas as críticas que lhe são cabidas, o Supremo Tribunal Federal tem sido um dos únicos entraves entre Jair Bolsonaro e uma tentativa de golpe de Estado. Por conta disso, desde o início de seu governo, ele vem agindo para corroer a autoridade e a credibilidade da corte e, por conseguinte, a própria Constituição.

Um ensaio de rebosteio ocorreu em 7 de setembro do ano passado, com as micaretas golpistas de Brasília e São Paulo - que, felizmente, floparam, tanto por conta público abaixo do esperado pelo governo quando pela ação diligente de membros dos Três Poderes. Mas o presidente nunca abandonou a tática de ataque pendular, com aproximações sucessivas. Vai, dessa forma, preparando terreno para a eleição de outubro deste ano.

Quando se fala em golpe de Estado, a imagem histórica remete a uma fila de tanques descendo de Minas Gerais até o Rio de Janeiro e a imagem moderna aponta para um cabo e um soldado batendo na porta do STF. Mas isso é desnecessário. Para um golpe basta que o Poder Executivo passe a governar no arrepio da Constituição, ignorando ordens judiciais e leis.

Por exemplo, no decreto publicado no Diário Oficial da União, o presidente deixou claro que não estava simplesmente concedendo uma graça, mas atuando como instância revisora do STF ao afirmar que isso ocorria "em vista da condenação de parlamentar resguardado pela inviolabilidade de opinião deferida pela Constituição, que somente fez uso de sua liberdade de expressão".

Daniel Silveira não é um herói da liberdade. Pelo contrário, ele fez uso de seus direitos para atacar direitos de terceiros, exigindo que a sociedade fosse tolerante com sua intolerância - paradoxo que, quando ignorado, leva, inexoravelmente ao declínio e extinção da democracia.

Apesar da população brasileira estar em comoção pelo aumento no preço do gás de cozinha, da gasolina, da energia elétrica, do óleo de soja, do café, da carne bovina, do tomate, do plano de saúde e do aluguel, Bolsonaro afirmou, nesta quinta (21), na live em que anunciou o perdão, de que o povo está em comoção por conta da condenação. Confunde, propositadamente, a população brasileira, que sofre com sua incompetência, com o seu povo escolhido, os bolsonaristas-raiz, que veem no deputado um mártir.

O Supremo deve se sentar para discutir o alcance do decreto presidencial. Independente de qual seja a decisão a ser tomada pela corte, Jair já teve sucesso, pois esticou mais um pouco a corda com o tribunal.

A verdade é que o presidente sistematicamente contraria a Constituição, jogando "fora das quatro linhas", para usar uma expressão que ele gosta tanto. E ainda há quem viva sob a ilusão democrática de que as instituições estão funcionando normalmente.

Como já disse, as micaretas de 7 de setembro, principalmente as da avenida Paulista, em São Paulo, e da Esplanada dos Ministérios, em Brasília, foram ensaios que reuniram parte daqueles que estarão nas ruas quando Jair decidir dar um golpe de fato, provavelmente se perder as eleições. Ironicamente, muitos de seus apoiadores irão às ruas afirmar que o golpe já terá sido dado pelo Supremo Tribunal Federal, que impediu o "mito" de governar, e que, na verdade, o golpe será um contragolpe em nome da democracia. A derradeira fake news.

Logo após as micaretas, pesquisa Datafolha apontou que 50% da população consideravam que havia chances de Bolsonaro tentar um golpe de Estado.

Se na cerimônia de promulgação da Constituição Federal, em outubro de 1988, uma pessoa alertasse que, 34 anos depois, metade da população acreditaria na possibilidade de um presidente eleito pelo voto popular dar um golpe de Estado, provavelmente com a ajuda de militares, policiais, milicianos, ruralistas, fundamentalistas religiosos, empresários, financistas e militantes armados em nome de uma ditadura de extrema direita, seria tratada como piada.

Hoje, alguém que acredita nessa possibilidade é tido apenas como uma pessoa bem informada.

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