Pensar Piauí

O viés político do feminicídio

“No caso das meninas mortas em Teresina e Timon além da condição de mulher observa-se a tentativa de anexar essa mulher ao controle de um líder"

Foto: DivulgaçãoAssassinado de mulheres

 


Nos últimos meses, quatro adolescentes foram vítimas de assassinatos após momentos de intenso sofrimento físico e psíquico (tortura) em Teresina e na vizinha cidade de Timon e uma continua desaparecida. Os casos estão sendo investigados e despertam para um tipo de crime ainda ignorado pela sociedade e pela própria legislação: o chamado feminicídio político. 

De acordo com a delegada Eugênia Villa, superintendente do Estado de Gestão de Risco e estudiosa do tema, essa é uma dimensão um pouco mais complexa do feminicídio. Trata-se de assassinato de mulheres por razões de gênero, possibilitando visualizar a dimensão do feminicídio em ambiente alheio às relações interpessoais. 

Foto: GP1Eugênia Villa
Eugênia Villa

 

A delegada observa que existem três níveis de violência contra a mulher: a doméstica (marido e mulher), na comunidade (ambiente público)  e a institucional (ascender a cargos públicos, por exemplo). “No caso específico dessas meninas além da condição de mulher observa-se a tentativa de anexar essa mulher ao controle de um líder. A mulher como propriedade e, nesse caso, entra a dimensão política, uma vez que há essa 'dominação de um território' e quem domina é um homem”, explica.

Eugênia Villa é uma estudiosa do tema. Ela fez uma análise  comparada de dois casos em que foram assassinadas adolescentes e mulheres, um deles na cidade de Juárez/México e outro na cidade de Castelo/Piauí, visando desvelar similitudes nas dinâmicas dos assassinatos e tomando-se por base a interpretação de Rita Laura Segato de que existiria uma economia simbólica de poder; um poder moldado na perspectiva de gênero que precariza a vida e um poder soberano que torna a vida nua e apropriável.

"Haveria, segundo a autora, uma forma de relação tributária em que a territorialização do corpo da mulher corresponderia à conquista, pelo homem, do tributo sexual pela sua virilidade em uma relação entre pares (relação de poder horizontal entre homens), ou pela demonstração de que já possui o território (relação vertical de subordinação da mulher)", afirma em artigo científico publicado sobre o tema.

Para a delegada piauiense, o assassinato de mulheres fora do âmbito doméstico é igualmente revelador de um poder cunhado na perspectiva de gênero, passível de apreciação pelas Cortes Internacionais ante a inércia ou preterição da demanda pelo estado. "A condição do sexo feminino (expressa no conceito de feminicídio) traduz-se na usurpação do poder feminino, retirando-lhe a possibilidade de se constituir um sujeito representável. Opera-se, assim, a territorialização ou apropriação do corpo feminino, uma forma de legitimar e manter o poder masculino", observa.

Os casos de Teresina e Timon continuam sendo investigados. Luana Alves, delegada titular do núcleo de feminicídio do Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa, informou que as investigações ainda não relacionam, necessariamente, os casos. "Não podemos afirmar que estão relacionados, mas tudo está sendo investigado. Podemos dizer que as investigações dos casos da morte da Valdirene e da Tatiana já estão mais avançadas. No caso da Valdirene, apuramos que a morte estava relacionada com a participação dela em crimes. Quanto à morte da Tatiana, podemos até chegar à conclusão de um feminicídio, mas não posso afirmar isso por enquanto", declarou à imprensa.

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