Pensar Piauí

O petista Antônio José Medeiros faz uma ode a editora Abril

O petista Antônio José Medeiros faz uma ode a editora Abril

Antônio José Medeiros, além de sociólogo e professor é um veterano e autentico militante da esquerda. Junto com Lula, foi um dos fundadores do PT, presente que estava na reunião do Colégio Sion, fundante do Partido. Neste artigo para o pensarpiaui, através da sua história de vida, ele conta um pouco do mundo das comunicações da década de 60 para cá. Muito gente da esquerda se alimentou das publicações da editoral abril como a revista Veja e outras. Muita gente da esquerda cortou relações com a Abril a partir da prática do jornalismo da sua principal publicação que Paulo Henrique Amorim chama de "detrito sólido de maré baixa".

Foto: GoogleAntonio José Medeiros
Antonio José Medeiros

EM 2019, NÃO COMEMORAREMOS ABRIL Antonio José Medeiros Sociólogo, professor aposentado da UFPI   Não; não se trata da Paixão de Cristo (dia 19), nem de Tiradentes (dia 21). Quero falar da Editora ABRIL. A Abril (Editora) pediu recuperação judicial; não resolveu. Foi vendida por um preço simbólico, quando o comprador assume o grande passivo da empresa. Acabou a iniciativa começada por Victor Civita. Ora direis: “coisas típicas do capitalismo”. Mas quero confessar: senti uma ponta de tristeza e/ou de saudade. Apesar das raivas que passei, quando tive que cancelar minha assinatura, pois não tinha mais estômago para o “jornalismo sujo” que a Veja estava fazendo contra a esquerda, o PT, o Lula. E disse isso para eles, no celular. Minha “tristeza saudosa” vem da lembrança do papel que a Editora Abril desempenhou no espaço público da comunicação e na modernização do ambiente cultural no Brasil, para algumas gerações, a minha aí incluída. Desde os anos 1950 intensificou-se a integração cultural do Brasil via rádio e via imprensa escrita que chegava pelo correio com dias de atraso. Minha cidade de União estava no circuito. Lembro da minha adolescência nos 1960. A mamãe recebia o pacote com o Mensageiro do Coração de Jesus para as zeladoras do Apostolado da Oração; e eu lia, como seminarista que era. O papei assinava a revista O Cruzeiro; e eu devorava as reportagens e os artigos de David Nasser e Rachel de Queirós. E minhas irmãs eram “viciadas” em fotonovelas – Ilusão, Capricho e Contigo, todas publicadas pela Editora Abril. E eu também me “viciei” na leitura. Esse foi meu primeiro contato com a Editora Abril. Mas foi depois que entrei na universidade em 1968, já morando em Teresina, que as publicações da Abril me marcaram. Comprei a Quatro Rodas umas três ou quatro vezes apenas; não sou de fazer turismo em carro próprio. Não comprava a revista Placar; sou daqueles “flamenguistas desde criancinha” que só assiste jogo pela TV na Copa do Mundo. Minhas colegas da FAFI liam a Cláudia; vez por outra comentavam os temas avançados tratados por Carmen da Silva na revista. E a Playboy eu “curiava” os exemplares dos amigos.

Lia mesma era a VEJA (semanal) e a REALIDADE (mensal). Aliás, líamos e discutíamos: os colegas da faculdade, da igreja e da militância política. A Veja nos apresentava o mundo, e nos mostrava tanto o Brasil protagonista das elites como o Brasil esquecido, desconhecido mas emergente de povo e de jovens. A Realidade, com seu belíssimo projeto gráfico, abordava temas polêmicos ou temas comuns de maneira polêmica. Lembro de uma reportagem sobre o Piauí, sua pobreza e suas paisagens. Fazia referência à chacota dos cearenses que diziam que a bandeira do Piauí era um couro de bode, com a foto de um couro de bode espichado com talas de coco e secando no sol. Foi um auê! Os alunos da Faculdade de Direito compraram todo o estoque e fizeram uma fogueira na Praça Pedro II. Não há como esquecer que nessas publicações estava a marca do talento do Mino Carta. E alguns dos repórteres e articulistas ficavam em nossas memórias, da revista Realidade sobretudo. Lembro da grande repórter italiana Oriana Fallaci, com suas corajosas coberturas de guerras e revoluções. E lembro das reportagens fotográficas da Cláudia Andujar; li agora que ela está viva com 82 anos e que uma exposição de suas fotos sobre os Yanomamis está em exibição no Instituto Moreira Sales, em São Paulo. A Editora Abril passou a desenvolver alguns projetos editorais de impacto cultural. Com minhas míseras economias de estudante que já trabalhava comprei as coleções completas de Os Pensadores, Economistas e Imortais da Literatura Universal, todos de capa dura; e ainda hoje tenho a coleção completa dos discos e fascículos da História da Música Popular Brasileira. Não comprei as coleções de música clássica e a de literatura brasileira. E havia uma variedade de fascículos que comprava esporadicamente. Vender livros clássicos ou da cultura erudita em bancas e não em livrarias era uma grande sacada. E a venda estourou. Falava-se numa tiragem de 100.000 exemplares de Platão, Aristóteles, Descartes, Kant, Marx. Heidegger, Keynes e outros  tantos autores do “cânone da cultura ocidental”. O Padre Yves de Maupeou, francês, vigário do Parque Piauí, se admirava: “isso não acontece na França; e olha que os filósofos são populares entre nós.” Eu respondia: “a capa dura serve para enfeitar as estantes; pouca gente vai ler, mas o importante é o clima cultural de sede de cultura”. Na verdade, essa bibliografia ajudou a elevar o nível de ensino nas universidades. Li um bocado e botei meus alunos pra ler. Viva a Editora Abril que marcou época! Os livros por ela editados sobreviverão. Essa é sua melhor herança. Nos tempos sombrios que nos ameaçam concretamente essa herança nos ajudará na “resistência civilizatória”. Mas voltemos às crises típicas do capitalismo. Marx já teorizava sobre as “crises cíclicas” do capitalismo; e a genialidade de Keynes vem de ter concebido políticas anticíclicas. Mas, vale recorrer a Schumpeter e sua ideia de “destruição criadora” que caracteriza cada novo “ciclo de negócios”, inaugurado por capitalistas empreendedores que potencializam as inovações tecnológicas oferecidas pela ciência. A revolução da telemática provocada pelos avanços da eletrônica tem impacto grande na produção, na estruturação produtiva e ameaça a sociedade centrada no trabalho. A comunicação via satélite desafia fronteiras e culturas nacionais. E a comunicação multimidiática massificada e pelos computadores e pelo celular viabiliza redes sociais diversas e tende a criar novas formas de sociabilidade e de espaço público. Isso afeta fortemente a comunicação escrita - jornais e livros (ver a crise das Livrarias Cultura e Saraiva) e mesmo televisiva. Essa revolução não afeta só as empresas como a Abril, ou mesmo a Globo. Afeta a todos nós. Como nos apropriar da(s) herança(s) cultural(is)? Como sermos produtores de cultura e de opinião fundada e não simples “reprodutores” de simplificações, preconceitos, ódios?

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