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Michelle, os autistas e o medo de quem teme uma invertida

'A mulher de Bolsonaro se habilita, a cada declaração, a ser a herdeira e porta-voz da retórica raiz da extrema direita', escreve Moisés Mendes

Foto: Reprodução/o tempoMichelle Bolsonaro
Michelle Bolsonaro

 

Por Moisés Mendes, jornalista, no 247

Não é uma dúvida qualquer a que leva muita gente a se indagar sobre o silêncio de celebridades da TV, influencers e assemelhados com a fala preconceituosa de Michelle Bolsonaro sobre crianças autistas.

Por que pais e familiares famosos de pessoas com autismo ficam quietos diante dessa declaração, feita em evento do PL Mulher, ao lado de mães, irmãs, tias e filhas de autistas?

“Agradeço a Deus todos os dias, porque eu não precisei passar por nenhum problema, Adriana (a amiga dela que tem um filho autista). Eu não tenho filho autista como você tem. Eu não fui abusada sexualmente”.

A resposta mais cuidadosa é a de que não vale a pena mexer com Michelle e a base que ela parece estar herdando do marido. Deixa assim, mesmo que ela tenha colocado lado a lado autismo e abuso sexual.

Dito de outra forma mais explícita e direta, a desculpa poderia ser essa: é arriscado criar problemas com Michelle e suas bases não só neopentecostais ou de extrema direita.

Os quietos têm medo de provocar Michelle porque ela é hoje a expressão da sobrevida do bolsonarismo que continua a absorver a maior parte da direita. E é também a evidência de que há chance de retomada do mesmo projeto de poder.

Michelle é a possibilidade de reabilitação e invertida do núcleo derrotado na eleição e no golpe tabajara de 8 de janeiro. Eles não pretendem apenas ficar impunes, mas, até como consequência da impunidade, preparar a volta a Brasília.

Tarcísio de Freitas, Romeu Zema, Ronaldo Caiado, Ratinho Júnior e outros são bolsonaristas ainda vacilantes, que precisam calibrar suas falas e atitudes quando buscam a fidelização do eleitorado de extrema direita. Michelle, não.

O que Michelle disse sobre os autistas é mais um caso exemplar do pensamento que se transforma em fala sem filtros. Mas Damares Alves e Magno Malta não são Michelle.

Michelle é a aposta da direita, muito mais do que do PL, com popularidade atestada pelas pesquisas. Parcela relevante da família brasileira, com ou sem Deus acima de tudo, e mesmo com filhos autistas, quer Michelle.

Ela pode se eleger senadora pelo Paraná, se Sergio Moro for cassado. E terá tribuna, com imunidades, para pensar em 2026, com estrutura que aprimore o que seriam suas virtudes.

A fala sobre os autistas pode ser acrescentada a muitas outras consideradas desastrosas. Mas desastrosas para quem?

Ah, mas Michelle desmoralizou também as Forças Armadas ao transformar um coronel em serviçal para pagar suas contas no Palácio do Planalto. Desmoralizou para quem?

Um terço da população, que é a base a ser mantida acordada, dirá sempre que não é bem assim. Disseram em relação a todos os crimes de Bolsonaro. Vão dizer sobre tudo que envolve Michelle.

Essa base que o marido fidelizou é a esponja capaz de absorver o vasto entorno da direita, mantendo o alicerce expandido do antilulismo, antiPT, anticomunismo, anticiência, antivacina.

Michelle é hoje a figura mais dedicada à sobrevivência da retórica bolsonarista autêntica, mesmo que Tarcísio, da ala meio panetone Nutella, passe a imagem de que tem mais reputação, consistência e perspectiva de futuro como governador de São Paulo.

Bolsonaro foi um evangélico genérico no Planalto. Michelle quer ser a primeira representante legítima do poder neopentecostal a chegar ao governo. É o que está sendo terrivelmente preparado.

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