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Juíza induz criança vítima de estupro a desistir de aborto legal

Segundo o Intercept Brasil, a juíza também mantém a criança - agora com 11 anos - em um abrigo para evitar a realização de um aborto

Foto: Reprodução/The Intercept BrasilJuíza Joana Ribeiro Zimmer
Juíza Joana Ribeiro Zimmer

Vítima de estupro, uma criança de apenas 11 anos está sendo mantida há mais de um mês pela justiça de Santa Catarina em um abrigo para evitar a realização de um aborto legal. Em um vídeo obtido pelo The Intercept Brasil, a juíza titular da comarca de Tijucas, Joana Ribeiro Zimmer, aparece induzindo a criança a manter a gestação, apesar da legislação permitir o aborto em caso de violência sexual, sem impor qualquer limitação de semanas da gravidez e sem exigir autorização judicial.

Segundo a reportagem, a equipe médica do Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago, o HU, ligado à UFSC,  para o qual a criança foi levada pela família se recusou a fazer o procedimento em função da  normas da unidade, que permite a a realização do aborto até a 20ª semana de gravidez. A menina, porém, estava com 22 semanas e dois dias. Na época ela tinha apenas 10 anos de idade.

Ainda conforme o The Intercept, a juíza “afirmou, em despacho de 1º de junho, que a ida ao abrigo foi ordenada inicialmente para proteger a criança do agressor, mas agora havia outro motivo. ‘O fato é que, doravante, o risco é que a mãe efetue algum procedimento para operar a morte do bebê".

“A proposta feita pela juíza e pela promotora à criança no dia 9 de maio é que se mantenha a gravidez por mais ‘uma ou duas semanas’, para aumentar a chance de sobrevida do feto. “Você suportaria ficar mais um pouquinho?”, questiona a juíza. A promotora Alberton, lotada na 2ª Promotoria de Justiça do município de Tijucas, diz: “A gente mantinha mais uma ou duas semanas apenas a tua barriga, porque, para ele ter a chance de sobreviver mais, ele precisa tomar os medicamentos para o pulmão se formar completamente”. Ela continua: “Em vez de deixar ele morrer – porque já é um bebê, já é uma criança –, em vez de a gente tirar da tua barriga e ver ele morrendo e agonizando, é isso que acontece, porque o Brasil não concorda com a eutanásia, o Brasil não tem, não vai dar medicamento para ele… Ele vai nascer chorando, não [inaudível] medicamento para ele morrer”, ressalta um trecho da reportagem.

A magistrada disse, ainda, que o procedimento não poderia ser realizado pois “a questão jurídica do que é aborto pelo Ministério da Saúde é até as 22 semanas. Passado esse prazo, não seria mais aborto, pois haveria viabilidade à vida” e que passado este prazo o aborto “seria uma autorização para homicídio.

Deborah Duprat, jurista e ex-subprocuradora da República, destaca que a orientação da juíza “não é verdade”,  e que “o Código Penal permite [o aborto] em qualquer época, ainda mais em uma criança. Além do impacto psicológico, tem a questão da integridade física. É um corpo que não está preparado para gravidez”.

A desembargadora aposentada do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e vice-presidente nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família, Maria Berenice Dias, comentou o caso como uma “aberração”. “Estuprada uma menina de 10 anos de idade, simplesmente a Justiça decidiu que era melhor aguardar que o bebê nascesse, ainda que prematuro, para dá-lo em adoção. Tentou-se convencer a menina e a mãe dela para aguardarem o prazo com uma linguagem perversa, falando em ‘neném’, em ‘bebezinho, seu filhinho’, perguntando se ela queria escolher um nome”, observou a jurista após analisar as imagens da audiência. 

"Na minha trajetória de 50 anos, entre magistratura e advocacia, eu não tinha visto uma aberração dessas. Isso porque os médicos disseram que estavam prontos para simplesmente suspender a gravidez. E a juíza, junto com a promotora, resolveu que não”, afirmou.

Veja o vídeo (conteúdo sensível):


Com informações do The Intercept e Brasil 247

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