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Há crianças com grau de deficiência em que 'é impossível a convivência', diz Ministro da Educação

''O ministro insiste em demonstrar que não está à altura do cargo', disse o presidente do Instituto Rodrigo Mendes

Foto: ReproduçãoPastor Milton RibeiroMilton Ribeiro

G1 - O ministro da Educação, Milton Ribeiro, afirmou nesta quinta-feira (19) que há crianças com "um grau de deficiência que é impossível a convivência". A declaração foi dada durante uma visita ao Recife, dias depois de uma entrevista em que ele afirmou que estudantes com deficiência atrapalham o aprendizado de outros alunos.

A declaração foi alvo de críticas. Rodrigo Hübner Mendes, que preside o instituto Instituto Rodrigo Mendes, afirmou que Ribeiro "não está à altura do cargo'. O senador Romário Faria (PL-RJ) declarou que "só apessoa desprovida de inteligência pode soltar uma frase como essa".

"Nós temos, hoje, 1,3 milhão de crianças com deficiência que estudam nas escolas públicas. Desse total, 12% têm um grau de deficiência que é impossível a convivência. O que o nosso governo fez: em vez de simplesmente jogá-los dentro de uma sala de aula, pelo 'inclusivismo', nós estamos criando salas especiais para que essas crianças possam receber o tratamento que merecem e precisam", afirmou Ribeiro.

O ministro da Educação não informou como chegou aos 12%. Em 2020, segundo o Censo, o Brasil tinha 1,3 milhão de crianças e jovens com deficiência na educação básica. Desses, 13,5% estavam em salas ou escolas exclusivas, e 86,5%, estudavam nas mesmas turmas dos demais alunos.

Em 2005, o total de pessoas com deficiência matriculadas era bem menor (492.908). Além disso, a maioria delas (77%) permanecia em espaços exclusivos para alunos com necessidades educativas especiais — apenas 23% eram incluídas nas salas regulares.

A declaração de Milton Ribeiro ocorreu após a reinauguração do Museu do Homem do Nordeste, da Fundação Joaquim Nabuco, na Zona Norte da cidade. O local estava fechado desde o início da pandemia da Covid-19.

Questionado sobre a entrevista transmitida no dia 9 de agosto, no programa Novo Sem Censura, da TV Brasil, ele afirmou que a repercussão dada às frases foi causada por "questões políticas".

Na fala anterior, Ribeiro disse que, quando uma criança com deficiência é incluída em salas de aula com alunos sem a mesma condição, ocorre o que chamou de "inclusivismo", em que a criança não aprende e "atrapalhava" a aprendizagem das outras.

Nesta quinta-feira, ele afirmou que, ao dizer que as crianças com deficiência atrapalham as outras, falou "entre aspas".

"[...] esses 12%, elas são, realmente, elas se atrapalham mutualmente. Nem uma ouve, nem o outro entende. Porque uma criança, por exemplo, com um grau muito elevado de um tipo de problema, essa criança não consegue aprender", declarou.

O G1 questionou o Ministério da Educação sobre os números informados pelo ministro e sobre como são feitas as classificações dos graus de deficiência citados por Milton Ribeiro. A pasta informou que, de acordo com o Censo Escolar de 2020, houve um aumento de 34,7% no número de estudantes com deficiência matriculados, em relação a 2016.

A maioria deles está no ensino fundamental, que concentra 69,6% dos estudantes, e, entre os dois últimos censos, houve crescimento de 114,1% nas matrículas na educação profissional concomitante/subsequente.

No entanto, o MEC não respondeu de que forma são classificados os graus de deficiência citados pelo ministro. O G1 voltou a questionar o ministério, mas não obteve resposta até a última atualização desta reportagem.

Repercussão

Rodrigo Hübner Mendes, que preside o instituto Instituto Rodrigo Mendes, de desenvolvimento de programas de pesquisa, formação continuada e controle social na área da educação inclusiva, criticou o posicionamento de Milton Ribeiro.

"O ministro insiste em demonstrar que não está à altura do cargo. Pensar e afirmar que alguma criança do planeta é de convívio impossível revela uma profunda intolerância e ignorância técnica sobre o tema. Não tem mais como tentar consertar. Deveria dar a oportunidade para outra pessoa assumir essa estratégica posição para o país", disse.

O senador Romário Faria (PL) publicou no Twitter uma série de postagens contra a fala de Milton Ribeiro sobre crianças com deficiência. O parlamentar é pai de Ivy, de 15 anos, que tem síndrome de Down.

Romário afirmou que "somente uma pessoa privada de inteligência, aquele que chamamos de imbecil, pode soltar uma frase como essa. Eles existem aos montes, mas não esperamos que estes ocupem o lugar de ministro da educação de um país".

O ministro, por sua vez, respondeu às postagens e disse que "é muito deselegante quando um representante do parlamento se dirige desta maneira a um ministro de estado, ainda mais com base em uma frase tirada do contexto".

Na entrevista no Recife, ele afirmou que admira o parlamentar como jogador de futebol e como senador da República, e disse que vai se encontrar com Romário para falar sobre ações de educação de pessoas com deficiência.

"O que aconteceu na polêmica, que envolveu o nosso senador Romário, que é um ídolo do Brasil, que eu respeito muito como jogador de bola e como senador da República, que eu respeito, é que depois eu descobri que ele tem uma filha com deficiência, com síndrome de Down. E essa semana nós vamos conversar [...] já entramos em contato e nesta semana vamos nos encontrar para que, quem sabe, ele possa entender, eu creio que parte ele já entendeu. Mas ele se tornar um dos nossos apoiadores nessa política de inclusão, e não de exclusão", declarou.

O deputado Federal Professor Israel Batista (PV-DF) afirmou que a Frente Parlamentar Mista da Educação, da qual é presidente, se indigna com a fala do ministro sobre os estudantes com deficiência.

Ele disse que declarações como essa são perigosas e que o Estatuto da Pessoa com Deficiência "garante a participação social e a igualdade de oportunidade" e também prevê a obrigatoriedade do atendimento especial a pessoas com deficiência nas escolas.

"A escola não tem papel de segregar, mas de incluir. Como professor, digo que pessoas com deficiência são uma oportunidade para que estudantes aprendam a lidar com as diferenças, valores como a solidariedade, que é um valor que este governo não reconhece, e sobre a necessidade da ação comunitária e coletiva. O ministro deveria estar preocupado em preparar as escolas para um atendimento adequado, isso sim", disse.

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