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G20: Os impactos das mudanças climáticas têm gênero

Até 2050, a mudança climática empurrará mais 158 milhões de mulheres e meninas para a pobreza e levará mais 236 milhões de mulheres à fome.


Foto: Divulgação/ClimaInfoRelatório aponta que mulheres têm uma probabilidade 14 vezes maior de morrer após um desastre natural
Relatório aponta que mulheres têm uma probabilidade 14 vezes maior de morrer após um desastre natural

 

No quadro de uma tragédia, quem falta ao trabalho para amparar um familiar? Em um cenário de desabastecimento, quem faz esforços em procura de leite para as crianças? Na seca extrema, quem faz caminhadas de quilômetros em busca de água? Marias, Anas, Vanessas, de forma geral, mulheres. 

Porém, mesmo sendo mulheres as mais afetadas por eventos climáticos extremos, são ainda minoria em representação em cargos de tomada de decisão no campo das mudanças climáticas. De acordo com ONU Mulheres, entidade que integra os debates do G20, enquanto cerca de 80% das pessoas deslocadas pela mudança climática e por desastres naturais são mulheres ou meninas, quem debate esses temas são homens. No último ano, apenas 15 dos 133 líderes mundiais que participaram da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP) 28 eram mulheres, número semelhante ao dos anos anteriores.

As emergências climáticas não são neutras em termos de gênero, este é um fato. Mas quais razões dessa desigualdade e como construir uma justiça climática feminista? Estas foram questões que o Grupo de Trabalho (GT) de Empoderamento de Mulheres, estreante no G20, tratou em seu primeiro encontro presencial, em Brasília/DF, nos dias 13 e 14 de maio. 

Na abertura da reunião, a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, reforçou que a degradação dos sistemas naturais do planeta tem efeito desproporcional sobre mulheres e meninas, exemplificando o contexto corrente no estado brasileiro do Rio Grande do Sul.  “A justiça climática é uma urgência em todo o planeta e sabemos que as mulheres têm um papel central em sua construção. Somos as mais impactadas pelos desastres climáticos, ao mesmo tempo que somos protagonistas da preservação do meio ambiente. A vulnerabilidade, às desigualdades e as diversas formas de violência que as mulheres sofrem no seu dia a dia acabam sendo ampliadas em situações como a que enfrentamos neste momento no sul do Brasil e nas diferentes crises climáticas que o planeta vem enfrentando”, pontuou a ministra.

Situação que, infelizmente, não se limita ao cenário brasileiro. As crises climáticas acentuam casos de violência contra a mulher e vulnerabilidade de gênero em escala mundial. O relatório “Justiça Climática Feminina: um modelo para ação”, publicado pela ONU Mulheres no último ano, indica impactos negativos nas condições econômica, social e de segurança alimentar de meninas e mulheres em territórios atingidos. Por exemplo, em 2022, a seca no nordeste africano, conhecido por Chifre da África, resultou em um aumento de quase quatro vezes no número de casamentos infantis nas áreas afetadas da Etiópia. Já na Somália, episódios de violência íntima e estupros contra parceiras aumentaram em 20%.

Mulheres na ponta das consequências, mas também das soluções

Mesmo sendo as mais afetadas, também são as mulheres que, ao redor do globo, contribuem com respostas às mudanças do clima. Se no Brasil são os trabalhos das quilombolas, extrativistas, ribeirinhas, indígenas, periféricas, pescadoras, que apontam para soluções, outros países também têm apostado nas mulheres para o enfrentamento às consequências dos eventos climáticos extremos, casos dos Estados Unidos da América (EUA) e do México.

Nos EUA, o programa “Global Girls Creating Changes” (G2C2) incentiva meninas a melhorar suas competências técnicas e empreendedoras, especialmente em STEM, liderar as políticas e iniciativas climáticas das suas comunidades, construir em diálogos nacionais e locais, e fornecer subsídios e outros apoios inclusivos para negócios e oportunidades femininas.

“Esse programa dispõe  grupos de meninas em rede, ativistas ou não, para garantir que elas sejam capazes de decidir e ter voz sobre o que está acontecendo no clima, serem capazes de se conectar umas com as outras em todo o mundo”, explica Katrina Fotovat,  da secretaria de Estado estadunidense para Questões Globais da Mulher, ao colocar a importância de incluir meninas, desde cedo, nos debates de clima.

No México, a “Red de Mujeres Constructoras de Paz (MUCPAZ) promovem a participação das mulheres nos processos de construção da paz e de resolução de conflitos nas comunidades e municípios, bem como a reconstrução do tecido social e a prevenção social da violência, com debates que passam também pelos impactos das mudanças do clima. 

“São grupos de mulheres que se reúnem em todo o país, já são cerca de 28 mil mulheres que trabalham para o desenvolvimento da paz e na defesa dos seus territórios. A construção da paz passa também pela construção de um ambiente que não seja desigual, que seja preservado”, disse Marta Beltrán, diretora-geral da Política Nacional de Igualdade e Direitos das Mulheres do país.

De acordo com relatório elaborado pelo Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), no México, nos últimos 20 anos, o número de fenômenos extremos relacionados ao clima aumentou de 3,5 para 5,8 eventos por ano, em média, afetando mais de 557 mil pessoas no país. Nos Estados Unidos, de acordo com a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica do país (NOAA), no último ano foram 23 eventos climáticos extremos no país, com prejuízos de pelo menos um bilhão de dólares cada.

Mapear para mudar

O Ministério das Mulheres apresentou, com aprovação dos países-membros e países e entidades convidados, quatro planos de entrega no tema de mulheres e justiça climática até o fim do ano São eles:

Mapeamento de Estudos sobre Mudanças Climáticas e Gênero: possibilitará a análise das metodologias que vêm sendo aplicadas e dos principais resultados encontrados, a fim de aprofundar reflexões sobre desafios e lacunas no tema;

Mapeamento de Experiências de Boas Práticas: oportunidade para reconhecer o conhecimento tradicional de comunidades de mulheres e visibilizar o protagonismo feminino em gerar resiliência e eficácia nas soluções de desenvolvimento sustentável;

Levantamento de experiências exitosas de participação das mulheres e meninas em espaços decisórios sobre o clima: verificar os mecanismos e níveis de participação plena, significativa e equitativa das mulheres na ação climática;

Levantamento dos mecanismos de financiamento público e privado de iniciativas relacionadas ao meio ambiente e climático e  à promoção da igualdade de gênero: aumentar a capacidade de resposta em termos de igualdade de gênero no investimento em políticas e programas de mudança climática, ambientais e de redução de riscos de desastres

Quanto ao último objetivo, na atualidade, menos de 3% dos fundos climáticos são atribuídos a organizações lideradas por mulheres. Assim, é essencial garantir financiamento adequado para que as organizações implementem iniciativas mais eficazes com recorte de gênero.

Ministério das Mulheres no Rio Grande do Sul

Durante os dois dias de reunião, a pluralidade das delegações estrangeiras demonstraram solidariedade à tragédia que atingiu o estado brasileiro do Rio Grande do Sul (RS). Dos 497 municípios do estado brasileiro, cerca de 450 já declararam estado de calamidade pública devido a maior enchente da história do país. As proporções do desastre já superam o impacto do Furacão Katrina, que atingiu, em 2005, Nova Orleans, nos EUA. O Katrina alagou 2.400km e desalojou 400 mil pessoas, já as chuvas no RS já alagaram um espaço de 3.800km e desalojaram mais de meio milhão de gaúchos.

As mulheres e meninas atingidas vem relatando casos de violência contra à mulher nos abrigos temporários e necessidade de doações que supram demandas de absorventes e roupas íntimas, por exemplo. Por isso, o Ministério das Mulheres, que esteve, na figura da ministra Cida, no estado no domingo (12), está articulando um protocolo para proteger mulheres e crianças durante a enchente. O Ministério e os Correios estão atuando conjuntamente para reforçar a necessidade de doação de itens que as mulheres mais necessitam, e o 180 terá atendimento prioritário para denúncias de violência contra mulheres.

Demais pautas: Igualdade, autonomia e valorização da economia do cuidado

Para além do eixo de Justiça Climática, os dois dias de reunião do GT de Empoderamento de Mulheres também trabalharam outras pautas, como a divisão sexual do trabalho; a desigualdade salarial entre homens e mulheres; a realidade do trabalho não pago da economia do cuidado, como no gerenciamento do lar; e o enfrentamento à misoginia e às violências diversas, com foco na violência online. Nomes como Bertha Lutz, Carolina de Jesus, Dilma Rousseff, Dona Ivone Lara e Olga Benário acompanharam a reunião por meio da ornamentação do evento, que relembrava mulheres que construíram a ciência, arte e história do Brasil.

“A questão das mulheres é uma matéria que todos os países aqui presentes demonstraram como um tema afeto à democracia e a convivência saudável das pessoas. Todos países, sem exceção, tem sinergia, tem acordo, e tem problemas similares. Então, a gente vai buscar ações que sejam coletivas e também individuais dependendo da cultura e da realidade de cada país, porque a questão das mulheres é uma questão planetária”, colocou a Maria Helena Guarezi, secretária executiva do Ministério das Mulheres e coordenadora do GT.

A próxima reunião do grupo também será em Brasília/DF, nos dias 8 e 9 de julho.

Com informações do G20

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