Política

"Frente ampla" não pode cobrar como pedágio, o silenciamento da esquerda

Esse debate tem a ver com uma questão central: qual é o horizonte histórico com o qual o campo popular deve trabalhar

  • domingo, 7 de junho de 2020

Foto: Brasil247/OGloboLuis Felipe Miguel/Marcos Nobre
Luis Felipe Miguel/Marcos Nobre

 

Marcos Nobre é professor livre-docente de filosofia da Unicamp e presidente do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).

Em entrevista ontem à BBC News ele afirmou que: "Abertura precoce de impeachment sem frente ampla vai piorar situação do Brasil".

E quando a BBC News perguntou sobre as discordâncias políticas no seio dos opositores a Bolsonaro já que o  ex-presidente Lula, por exemplo, já afirmou que o ex-presidente FHC não é democrata, Macos Nobre respondeu: "Isso. Mas aí no caso do Lula, sabe qual é a minha interpretação sobre o que o Lula está dizendo? É muito simples, ele diz assim: eu tenho direito de sentar na janelinha. É isso que ele quis dizer. Ou seja, o Lula está dando de "diva". Eu sou o Lula, então se vocês querem alguma coisa vocês vão ter que vir sentar comigo e negociar comigo.

É assim que eu interpreto isso. É sensato uma pessoa fazer isso em um momento de risco para o país? Não, mas o Lula está querendo dizer olha, o PT, se for para entrar em uma coisa dessas, vai querer entrar como um jogador que tem o tamanho que tem.

Você pode dizer que, em uma hora dessas, não devia fazer desse jeito. Mas é isso que ele está fazendo. Eu interpreto dessa maneira, porque qualquer outra maneira de interpretar significaria que o Lula não teria mais capacidade de análise política, o que não é razoável."

Hoje, outro professor, desta vez, Luis Felipe Miguel, da Universidade de Brasília, analisou a fala de Marcos Nobre. Ele disse:

Tenho reafirmado minha convicção de que uma "frente ampla" que cobre como pedágio o silenciamento do projeto da esquerda é um erro.

Tenho travado esse debate porque ele não é banal. Ele tem a ver com uma questão central, que transcende a conjuntura: qual é o horizonte histórico com o qual o campo popular deve trabalhar.

É um debate a ser levado a sério e sei que muitos dos que não concordam comigo têm argumentos dignos de consideração.

Acho contraditório usar a urgência da conjuntura como argumento para que todos pulem agora dentro da "frente ampla", sem nem pensar, e simultaneamente afirmar que a única saída é um longo processo de impeachment que nem é para ser iniciado desde já.

Mas tudo bem: tema para discussão.

O que não dá é para dizer que "Lula está querendo sentar na janelinha".

Com isso, em primeiro lugar, o filósofo se exime de enfrentar o debate.

Ao mesmo tempo, indica que Lula - o maior líder popular da nossa história, o chefe do maior partido de oposição - não tem o direito de exigir ter voz nas articulações em curso.

Como se ele falasse como pessoa física, não como representante de um grande movimento político.

Por fim, infantiliza a posição de Lula. É birra. Assim, nega a Lula o reconhecimento como o estrategista político que ele é.

Nunca fiz da concordância ou discordância com Lula um parâmetro para minha própria reflexão. Acho que ele errou gravemente muitas vezes. Não é possível, porém, negar a ele esse reconhecimento.

Mas, para muita gente, parece que só existe "intelectual orgânico" quanto está em italiano.

No fim das contas, o recado é claro: Lula não está sabendo ficar no seu lugar.

O preconceito de classe, como se vê, alcança até mesmo intelectuais "de esquerda".

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