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Frente Agropecuária paga campanha contra MST no Facebook e Instagram

Postagens associam “invasões de terras” à fome; parlamentares que tentam emplacar CPI compartilharam campanha

Foto: MSTAs famílias camponesas estimam colher mais de 15 toneladas, cerca de 310 mil sacas de 50 quilos
Família camponesa do MST

 

BdF - Entre 11 de março e 12 de abril, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) pagou ao menos 20 anúncios no Facebook e no Instagram que trazem mensagens contrárias ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). As publicações tiveram mais de 1,2 milhão de impressões – que são as vezes que um anúncio aparece em uma tela – e a publicidade custou cerca de R$ 3,3 mil. Os dados constam na Biblioteca de Anúncios da META, que mostra que só outros cinco anúncios impulsionados pela FPA no período analisado não eram direcionados ao MST.

Os anúncios foram bancados pelo Instituto Pensar Agropecuária, think tank financiada diretamente por entidades como a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), a Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja), a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e a Federação da Indústria do Estado de São Paulo (Fiesp). Indiretamente, participam do Instituto empresas que mantêm essas associações, o que inclui multinacionais como Cargill, Bunge, Nestlé, JBS e Bayer. Dossiê do “De Olho Nos Ruralistas” destrinchou os financiadores e a atuação do instituto de lobby, que presta suporte técnico, organiza eventos e financia as ações da bancada ruralista no Congresso.

O principal material veiculado pela FPA é um vídeo de um minuto de duração com narração profissional e trilha sonora de suspense. A peça fala em “35 invasões em 2023”, relaciona as ações com o aumento do desemprego e uma menor oferta de comida. O mote é a frase “quem invade terras, invade também a sua casa, invade a sua mesa”. O vídeo, assim como a maior parte do conteúdo patrocinado pela entidade, foram veiculados ao longo da primeira semana de abril, nomeada pela entidade como “Semana do Combate à Invasão no Campo”.

Desde o início do governo Lula, o MST e a Frente Nacional de Lutas Campo e Cidade (FNL) ampliaram o número de ocupações ao redor do país. Até o começo de abril, foram ao menos 16 (sete do MST e nove da FNL), número superior ao registrado pelo Incra em todo 2019, primeiro ano de Jair Bolsonaro (PL), quando o órgão contabilizou 11.

As ocupações do MST com maior repercussão neste início de 2023 ocorreram em três fazendas produtivas da empresa Suzano Papel e Celulose no sul da Bahia, nas cidades de Mucuri, Teixeira de Freitas e Caravelas. Segundo um diretor do movimento social, as ocupações foram motivadas pelo descumprimento de um acordo firmado pela empresa em 2015. O Judiciário determinou a reintegração de posse das áreas, que foi feita de forma pacífica. De acordo com o movimento social, a desocupação ocorreu após reunião de mediação promovida pelo Governo Federal em que a empresa teria reafirmado o acordo.

“Abril Vermelho” do MST motivou cruzada da FPA

A campanha da FPA se contrapõe à “Jornada Nacional de Lutas em Defesa da Reforma Agrária”, que são ações do MST ao longo da primeira metade desse mês. Tradicionalmente, elas levam o nome de “Abril Vermelho”. 

As ações do MST foram iniciadas no dia 3 de abril, quando o movimento social ocupou uma fazenda de cana-de-açúcar em Timbaúba, na Zona da Mata pernambucana. O MST afirma que as terras estão atualmente improdutivas, pertencem ao estado de Pernambuco e foram griladas. O movimento social segue com trabalhadores sem terra acampados na área.

O Abril Vermelho vai até o próximo dia 17, data que marca os 27 anos do Massacre de Eldorado dos Carajás, quando 21 sem terras foram assassinados pela Polícia Militar do Pará, vários deles à queima-roupa, na cidade homônima. O 17 de abril também marca o Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária.

O coordenador nacional do MST, João Pedro Stédile, relembrou o Massacre e relatou os planos do movimento social para a “Jornada Nacional de Lutas”, que tem como mote “Reforma Agrária Popular: Por Terra, Teto e Pão”. No vídeo, o líder afirma que serão conduzidas “mobilizações em todos os estados, sejam marchas, vigílias, ocupações de terras, as mil e uma formas de pressionar que a lei, que a Constituição seja aplicada, e que latifúndios improdutivos sejam desapropriados e entregues a famílias acampadas”.

A fala de Stédile, interpretada como uma ‘promessa de invasões em todo o Brasil’ – inclusive por veículos jornalísticos, como a Veja e O Antagonista – motivou diversas postagens da própria FPA e também de nomes proeminentes do bolsonarismo e da bancada ruralista.

Na última quarta-feira (12), a cúpula da FPA solicitou a abertura de investigação criminal e ações administrativas contra Stédile, demandando inclusive a prisão preventiva da liderança do movimento. No mesmo dia, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) – uma das entidades que compõem o Instituto Pensar Agro – protocolou pedido de liminar no Supremo Tribunal Federal para tentar impedir “invasões de terra” pelo MST e outros movimentos sociais.

Durante entrevista coletiva promovida pelo MST, a Agência Pública questionou membros da coordenação nacional da entidade sobre a campanha movida pela FPA. 

Para Ceres Hadich, é um movimento não só contra o MST, “mas contra todos os setores progressistas da sociedade”. “Há dois projetos que têm se colocado e são antagônicos. A gente vem percebendo esse tipo de ataque coordenado que tem como pano de fundo a luta de classes”, disse.

Já João Paulo Rodrigues, também membro da coordenação nacional do movimento, destacou que as mobilizações do MST em abril estão maiores justamente pelos ataques sofridos. “No ano passado nós ocupamos 40 latifúndios e não houve tanto barulho na imprensa como estamos vendo agora. De fato, nos preocupa essa ação orquestrada, que é a mesma lógica das fake news distribuídas durante a campanha”, afirmou.

Além do deputado federal Pedro Lupion (PP-PR) e do ex-deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), que presidem a FPA e o Instituto Pensar Agropecuária, respectivamente, a Pública também identificou postagens e vídeos de deputados alinhados ao bolsonarismo como Ricardo Salles (PL-SP), Júlia Zanatta (PL-SC), Tenente Coronel Zucco (Republicanos-RS) e Carol de Toni (PL-SC); do líder do MBL Kim Kataguiri (UB-SP); e de políticos historicamente ligados à bancada ruralista como Arnaldo Jardim (Cidadania-SP) e Evair de Melo (PP-ES), respectivamente 1º e 2º vice-presidente da FPA na Câmara. Melo chegou a pedir a prisão de Stédile.

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